quinta-feira, maio 25, 2017

SOMOS ÚNICOS, E ME ORGULHO DISSO

Estou orgulhoso do Brasil. Dos brasileiros que foram às ruas pacificamente pedir o fim de um governo que jogou o país na mais profunda recessão de sua história. Orgulhoso de tantos jovens, juízes, promotores do Ministério Público e agentes da Polícia federal que, reunidos em uma força-tarefa, se comprometeram a levar para a cadeia políticos corruptos e falsos empresários(*). 

Lamento profundamente a ação daqueles que, desprovidos de ideias contributivas para efetivas melhorias da condição de vida dos cidadãos, usam a baderna, a agressão e a depredação como voz de reivindicações desconexas surgidas ao sabor do interesse imediato em obter, sejam ganhos privilegiados, seja o poder por ameça à integridade física e desejos de autoritarismos de diversas formas, à esquerda e à direita.

Estamos, sim, perplexos com o que ouvimos nos noticiários. As quantias citadas parecem aumentar com o passar do tempo e com novos acordos de delação premiada. Em uma só dessas delações, ouve-se do interrogado algo mais ou menos assim: "Eu achava que tínhamos acordado 15 milhões de reais, mas ele me disse que não, eram 20 milhões. Então eu lhe dei mais 5 milhões". Como é simples! E o procurador geral Rodrigo Janot nos informa que "os irmãos Batista, da JBS,  relataram o pagamento de propina a quase duas mil autoridades do país"!!!

Estou orgulhoso do Brasil. Somos o único país do mundo na atualidade que discute aberta e profundamente a natureza das relações entre o público e o privado. Aquilo que ao longo da história das nações sempre pertenceu ao mundo da hipocrisia, é exposto aos brasileiros em sua mais completa nudez.

Estou orgulhoso do Brasil. As novas tecnologias estão desestabilizando o status quo dominante. Enquanto nações desenvolvidas ainda se agarram a modelos do passado inócuos para solucionar as demandas provocadas pelas mudanças nos processos de comunicação, só nós, brasileiros, estamos sendo levados a pensar em novos sistemas, novas estruturas, novas formas de participação social e política que incorporem meios para a manifestação  de todos. A democracia, como concebida no passado, não é mais um sistema de governo capaz de nos gerir com eficácia na complexidade do mundo pós-moderno. 

Para uma nova democracia, precisamos de novas ideias. Precisamos de novas mentes. Precisamos de mais jovens comprometidos com o país. Para tanto, precisamos de um novo sistema que crie estímulos para que os psicopatas não se sintam mais atraídos a tomar o poder. Precisamos criar estímulos ao envolvimento político de cidadãos essencialmente altruístas, que pensem primordialmente no outro - este é o papel do político -, ao contrário dos psicopatas que exclusivamente pensam em si mesmos.

Não importa quanto mais venhamos a conhecer sobre como se relacionam Poder e Corrupção. Onde existir poder, haverá corrupção. E onde há corrupção significa que as ações do poder estão direcionadas a um grupo restrito de beneficiados. A corrupção tem mil vidas, ela não se acabará jamais. Nos resta, portanto, trabalhar em duas frentes: criar uma nova classe de políticos e reduzir os estímulos à corrupção (**). 

Estamos dando os primeiros passos neste processo pioneiro entre as nações. Estamos só nas primeiras etapas a caminho do fim da desconstrução do mal. Muito temos por fazer para construir o bem. Muito vamos fazer. 

Estou convicto que vou continuar a me orgulhar do Brasil.


(*) Empresário verdadeiro é aquele que aceita competir correndo os riscos inerentes à sua atividade. Os que jogam sujo e aceitam se locupletar com políticos para ganhar vantagens competitivas não podem ser referenciados como empresários, a estes sempre é necessário preceder o substantivo empresário com o adjetivo "falso".

(**) Vou expor minhas ideias sobre estes caminhos em próximos textos.

terça-feira, maio 09, 2017

A PROPÓSITO DE MORALIDADE (2)

Terminei a leitura de "Ética Pós-Moderna" de Zygmunt Bauman (veja postagem anterior). Como prometido, abaixo mais algumas passagens úteis às reflexões sobre o momento atual do Brasil, do mundo, da vida.

Como sempre, o que está em itálico é do original. Em negrito e entre colchetes, acréscimos meus.

"
Ter um propósito divide as ações entre ações úteis e ações inúteis. O propósito fornece a medida e o critério de escolha.

Ajudar-se mutuamente pode requerer sacrifício, e fazer sacrifício é assunto de moralidade.  (...) O que importa é que dei minha contribuição para a continuação daquele grupo por cujo sucesso se medem o bem e o certo.

Serão as ações sugeridas pelo cálculo de sobrevivência necessariamente morais? E será que a ação não é moral precisamente pelo fato de não ter nenhum valor de sobrevivência?

Não somos morais graças à sociedade (somos apenas éticos ou obedientes à lei graças a ela); vivemos em sociedade, somos sociedade, graças a sermos morais.

Jeremy Bentham acreditava que os seres humanos têm deficiência de altruísmo e por isso precisam da ameaça de coerção para encorajá-los a buscar os interesses da maioria antes que os próprios. 

Como advertiu C. H. Waddington por volta de 1950, "as guerras, torturas, migrações forçadas e outras brutalidades calculadas que constituem muito da história recente foram na maior parte efetuadas por homens que acreditavam sinceramente que suas ações eram justificadas, e, na verdade, exigidas pela aplicação de certos princípios básicos em que acreditavam..."

A proximidade é o campo da intimidade e moralidade; a distância é o campo da estranheza e da Lei.

A curiosidade é a esperança de conhecimento - e, esvanecida a esperança, a curiosidade abre vias à indiferença. Um mistério demasiado hermético que rejeita quaisquer lisonjas e molestações para se permitir abrir, perde seu poder de sedução. Mas também o perde um mistério demais ansioso por se escancarar, de deixar de ser mistério, de exaurir-se em rotina sem surpresa alguma.

FrancescoAlberoni e Salvatore Veca sobre o altruísmo moral: "Se falta a espontaneidade do sentimento do amor, a moralidade seria não obstante possível graças à existência do dever. O dever preenche o vazio deixado pelo amor. (...) A moralidade força-nos a agir como se estivéssemos no amor. O dever "parece" com o amor." 

Como Paul Ricouer sugere: "A lei é um pedagogo que ajuda o penitente a constatar que é pecador".

A multidão é quebradiça e de pouca duração: seus gloriosos momentos são momentos fugazes. Suspendeu-se a estrutura, mas não se desmantelou. A multidão é uma licença de ausência da estrutura, mas em nenhum lugar não há senão estrutura para voltar depois de terminar a licença.

Na multidão, somos todos iguais. Andamos juntos, dançamos juntos, nos acotovelamos juntos, ardemos juntos, matamos juntos - "sendo a única coisa importante que todos possam se banhar  no ambiente emotivo".

Michel Maffesoli: "A sucessão de presentes" (sem nenhum futuro) é a melhor caracterização da atmosfera do momento.

Quanto mais "estranho" for o estranho, tanto menos confiança tenho de, por minha decisão, atribuir-lhe um tipo. (...) O estranho porta uma ameaça de classificação errônea, mas ele é uma ameaça à classificação como tal, à ordem do universo, ao valor de orientação do espaço social - ao meu mundo de vida como tal.

Para viver com estranhos, é preciso dominar a arte do mau-encontro. A aplicação dessa arte é necessária se os estranhos, meramente por seu número senão por qualquer outra razão, não se podem domesticar para se tornarem próximos.

Com toda probabilidade continuaremos a praticar atos tanto irracionais como imorais - assim como atos que são irracionais sendo morais, e atos que são racionais e todavia imorais. 

poder de minha fantasia é o único limite que tem a realidade que eu imagino, é o único de que se precisa. A vida é um monte de episódios dos quais nenhum é definido, inequívoco, irreversível; a vida é como um jogo.

Robert Dreyfus: "Você quer legislar qualidade de vida e você se vê perante esse estranho problema de que os aspectos receptivos e espontâneos da qualidade de vida se perderiam se você legislasse sobre ela."

O dilema tecnológico (...) refere-se à ideia (...) de que se você se deparar com uma dificuldade tecnológica, sempre poderá esperar resolvê-la inventando outro dispositivo tecnológico.

Só a tecnologia pode "melhorar" a tecnologia, curando doenças de ontem com drogas maravilhosas de hoje, antes que seus próprios efeitos colaterais se interponham amanhã e exijam drogas novas e melhoradas.

[A explicação para os avanços tecnológicos é simples] Foi feito porque podia ser feito. E isso é tudo.

O dilema tecnológico é, em penúltima análise, a declaração de independência dos meios dos fins; em última análise, o anúncio da soberania dos meios sobre os fins. "Tens carro, podes viajar". A destinação não é nada, é o ter carro que importa. É estar em posição para tratar todos os lugares como destinos que conta - e a única coisa que conta.

Se alguma coisa pode ser feita, não existe nenhuma autoridade na terra ou no céu que tenha o direito de proibir seu acontecimento (a não ser que a autoridade disponha de capacidade ainda maior de fazer as coisas acontecerem a seu arbítrio).

Para manter bem lubrificadas as rodas do mercado consumidor, é preciso constante suprimento de novos perigos bem propalados. E os perigos, de que se precisa, devem ter capacidade de se traduzir em demanda do consumidor: esses perigos são "feitos na medida" para o combate privatizado de riscos. 

A declaração de guerra contra o colesterol manda os produtores de laticínios às ruas em defesa dos mercados do leite e da manteiga.

Preocupamo-nos profundamente com o que chamamos de explosão demográfica, mas todos nós - naturalmente -, aplaudimos como progresso os avanços feitos para prolongar vidas individuais - e, obviamente, cada um de nós deseja participar pessoalmente de suas façanhas.

(...) o que se precisa para as pessoas se juntarem na luta é só o conhecimento dos riscos e, particularmente, da universalidade dos perigos que implicam.

A moralidade superior é sempre a moralidade do superior.

A globalização da economia e da informação e a fragmentação da soberania política não são tendências opostas e em consequência mutuamente conflitivas e incompatíveis; são antes fatores coevos no contínuo rearranjo de vários aspectos de integração sistemática.

A pós-modernidade tem duas faces (...): De um lado a fúria sectária da auto-afirmação neotribal, o ressurgimento da violência como o principal instrumento de construção da ordem, a busca febril das verdades caseiras de que se espera preencher o vazio da ágora desertada. De outro lado, a recusa dos retores [retóricos] de ontem da ágora a julgar, discriminar, escolher entre escolhas: toda escolha vale, contanto que seja escolha, e toda ordem é boa, contanto que seja uma das muitas e não exclua outras ordens.

A tolerância dos retores nutre-se da intolerância das tribos. A intolerância das tribos haure [extrai] confiança da tolerância dos retores.

[Sobre o Estado do Bem-estar]: o que costumava ser uma segurança coletiva contra desastres individuais converteu-se numa nação dividida entre os pagadores de seguro e os recebedores do beneficio. (...) o desmantelamento do Estado de Bem-estar desenvolve interesses econômicos como meio de libertar o calculo político de constrições morais. A responsabilidade moral é uma vez mais algo "pelo qual é preciso pagar" e, consequentemente, que alguém pode bem ser "incapaz de aguentar pagar".

As pessoas investidas de confiança pública precisam ser confiáveis e provar que o são.

A política não é mais o que os políticos fazem; pode-se aventurar a dizer que a política que verdadeiramente importa é feita em lugares muito distantes dos escritórios dos políticos. 
"