terça-feira, outubro 22, 2019

CHI-CHI-CHI, LE-LE LEVANTE DOS EXCLUÍDOS!!!

Indicação de leitura prévia (pela ordem): A CONSCIÊNCIA DOS EXCLUÍDOS 


A surpresa foi inevitável? Quê? Manifestações (18/10/19) desta ordem de violência no Chile? País com  renda média o dobro da brasileira? Espero, busco mais informação e...


Por trás, na base, o aumento da desigualdade entre o andar de cima e os demais. Frustração. Como o tema é difícil de ser sintetizado para a massa, vamos ao popular e levantemos bandeira contra o aumento das... passagens.  Como a frustração é em escala mundial, no Líbano a reação (17/10/19) foi com base na intenção do governo de taxar em cerca de R$ 0,83 as ligações pelo Whatsapp!!! 


A instantaneidade da comunicação e seu alcance em termos de volume de cidadãos, é uma realidade inevitável e, para o Poder, um problema de governabilidade e passível de só ser controlável depois de muitas mortes (neste instante já são mais de 10 no Chile). O fosso, portanto, é o mote, mas a ação reativa é proporcionada pela era digitrônica, era com caminho sem volta. E aí vêem muitas perguntas sem resposta neste momento.

Como já demonstrado, caminhoneiros podem parar um país prejudicando todos os demais milhões de cidadãos com o único argumento de estarem defendendo seus interesses particulares que têm a seguinte lógica: se o preço do combustível cai, eles querem a manutenção da tabela de preços do frete, mas se o preço subir querem liberdade para cobrar o que acharem devido! Ah! Mas sempre foi assim! Exatamente, a diferença é que "nunca antes na história deste país" jamais houvera uma greve como a de maio de 2018! Antes não havia mecanismo de arregimentação para formar uma força capaz de contrabalançar os interesses do capital (no caso). A partir de agora é possível em poucos minutos convocar um contingente de excluídos para, em turba descontrolada, depredar, saquear, incendiar o que estiver pela frente, tudo em nome "do interesse imediato dos excluídos". Políticos querem que "o povo se exploda", diria o personagem Justo Veríssimo criado pelo gênio Chico Anysio. Caminhoneiros idem. Desempregados idem. Precariados idem. Excluídos idem.

O sistema democrático, como concebido até aqui, terá tempo e condições de se re-inventar? Ou seja, a democracia por meios exclusivamente da representação indireta tem como fazer uma autocrítica rápida e profunda para encontrar um novo modelo capaz de comportar a era digitrônica? E, no Brasil, com a agravante de o dinheiro, portanto, o poder, estar centralizado na esfera federal, ou seja, a distância entre as demandas/necessidades dos cidadãos está a uma distância intransponível daqueles que têm a in/capacidade de legislar/decretar.

Em 8 de agosto a reforma da previdência foi aprovada em segundo turno na câmara e enviada ao Senado. Hoje, 22 de outubro, espera-se pela aprovação em segundo turno. Detalhe: governo e Senado fecharam acordo para não alterar o projeto da Câmara de modo a que este não tivesse que voltar a ser reavaliado e votado pelos deputados e, mesmo assim, são mais de 60 dias decorridos e estamos onde estamos! Isso por que, finalmente, chegou-se a um consenso de que o país estava (ainda está) a caminho da falência provocada pela Constituição de 88, aquela que dá todos os direitos aos cidadão e todos os deveres ao Estado, sem qualquer noção de ou menção à responsabilidade por quem paga a conta!

Sem necessidade de legenda.
Os interesses individuais, particulares, familiares, escusos ou republicanos, continuarão a embotar a visão dos integrantes do parlamento? O encastelamento no Poder levará à construção de um muro virtual em torno da praça dos 3 poderes para manterem-se protegidos da turba ensandecida? Ou, dado que tá difícil andar na ruas e voar em aviões de carreira, mesmo que de primeira ou executiva, vão ter que incluir no orçamento da União uns jatinhos para levar nossa oligarquia pelos céus do Brasil e além?

E se a democracia representativa, independente da vontade dos políticos, vier a ser implodida de fato por uma democracia direta manifesta por redes sociais e movimentos de rua através delas convocados? E agora José, Jair, Luis, Rodrigo, David e outros pretendentes a Rei: o que decidem? Uma coisa é certa, não importa o que os detentores do poder farão ou não farão, um novo sistema será criado mesmo que na marra, pelo simples fato de que algum sistema é preciso ter por base para a vida econômica pode girar. Simples assim.

Ex-Ministro Delfim Netto ao lado de provável General.
Nos primeiros anos da ditadura militar - sim, foi ditadura, foi golpe, foi governo de exceção, foi defesa dos interesses da classe média, foi afastamento de pretensões socialistas, foi combate à guerrilha de dilmas e dirceus, e foi o que abriu as portas para o que está aí, tudo junto e misturado - eu ouvia pela boca de Delfim, que era preciso crescer para dividir o bolo. Hoje constata-se que ele estava corretíssimo: dividiu-se o bolo para os que tinham mais, tirando dos que tinham menos, e aí está o resultado. Dia desses vi o seguinte número: a renda média/mensal em 2018, PRESTA ATENÇÃO, dos 1% brasileiros mais ricos é de cerca de 27,7 mil reais! Enquanto o rendimento dos mais ricos cresceu no ano 8,4%, a queda do rendimento dos 5% mais pobres foi de 3,2%. Entendeu a lógica suicida? Hoje, olhando à distância, tal estratégia - aumentar para distribuir - me soa ilógica. Considerando que a riqueza é medida pelo PIB e que este é resultado da fórmula quantidade de transações multiplicada pelo preço, consequentemente se você aumentar a quantidade de transações estará aumentando o PIB e, consequentemente, a renda per capita! Ora, fica simples entender que se há mais renda para quem tem menos, quem tem menos gasta mais, ou seja, aumenta o giro de transações, mais transações, mais produção, mais renda... Não é difícil de entender, concorda?

O gráfico não em referência a ano, mas é daí para pior.
A primeira mudança para diminuir o abismo é investir junto aos mais ricos para que entendam que quanto maior for a classe média, maior será o mercado (vide mercado americano, alemão, escandinavo e outros), maiores serão as vendas e o ciclo tenderá a ser virtuoso. Para isso, o rendimento de uma aplicação financeira pura(*) no mercado de capitais, na renda fixa ou em fundos de qualquer natureza, não pode ter uma tributação de 15% (algumas até mesmo isentas do IR) enquanto o rendimento do capital a serviço da produção e prestação de serviços paga 34% ou mais! As propostas para uma Reforma Tributária já foi catapultada para 2020 e não tenho informação se uma proposição como esta minha estará contemplada pois ricos têm a infeliz ideia de acharem que vão levar para o Paraíso suas fortunas, mesmo sabendo que no caso dos Faraós isso parece não ter dado muito certo.

Gráfico não datado, mas é daí pra pior.
Uma segunda mudança, também inserida numa futura Reforma Tributária, é a distribuição dos recursos arrecadados. No período da governança militar e depois, foi crescente a transferência dos recursos dos municípios e estados para os cofres do Tesouro Federal. As razões para tal movimento, se foram justificáveis à época, não o são mais. É fundamental uma intensa descentralização da arrecadação de modo a deixar municípios e estados com a maior fatia. Há que se estabelecer uma dinâmica ágil de comunicação e ação entre os anseios da população e as fontes de solução (vereadores e prefeitos, principalmente). Não é em Brasília, mas nas cidades que o cidadão demanda solução nas áreas de educação, saúde, transporte e mobilidade. Contrariamente a este fato inquestionável, indiscutível, a quase totalidade dos municípios e estados está quebrada, com sua arrecadação comprometida com a folha do funcionalismo e de seus pensionistas! Este princípio está no conteúdo das propostas do atual governo federal, mas, como já sabemos, de tão importante a Câmara deixou para 2020.

Gráfico não datado, mas é daí pra pior.
A terceira, visceralmente ligada à segunda, é a estrutura das bases de cálculo dos impostos. Rentistas pagam 15% de IR enquanto consumidores pagam, na maioria dos produtos, impostos entre 30% e 70%!!! Como considero esta inversão uma completa maluquice, e como inverter isto é fundamental para o desenvolvimento do país, tal proposta ficou para ser analisada... em 2020.



Tudo isso só pra cutucar neurônios em descanso. Fui.


(*) Denomino "pura" a aplicação que tem rendimento 100% do rendimento independente da ação do investidor. Ter ações de uma companhia listada em bolsa, em nada pode se equiparar a uma participação societária em uma empresa de responsabilidade limitada.



As imagens aqui inclusas foram obtidas na internet e sem identificação de autor. Caso você seja autor de alguma, por favor me informe para que possa incluir o crédito.

quinta-feira, outubro 17, 2019

QUANDO A JUSTIÇA É INÚTIL

Escrevo na quinta-feira, 17 de outubro de 2019, quando em uma sessão do plenário do STF deverá ser dado mais um passo em direção ao final da discussão sobre a prisão ou não em 2ª instância.

É, na minha ignorante e humilde visão, a mais maluca e idiossincrática discussão que a nossa mais alta Corte já teve oportunidade de protagonizar. Será que você concordará comigo? Vejamos.

Não creio que exista no restante do mundo (*), um país, de governo democrático ou não, que tenha um tribunal de justiça com o objetivo de julgar possíveis crimes e condenar o réu à prisão se provas assim levarem à tal conclusão, mas cuja decisão não possa ser cumprida pelo simples argumento de que tal desfecho possa vir a ser contestado em uma outra instância. Tribunais de justiça têm como única função julgar e punir. Se não é possível aplicar a punição, pra quê julgar? Julgar sem punir é simplesmente um completo non-sense!!! ATENÇÃO: o julgamento é o final de um longo processo no qual defesa e acusação tiveram oportunidades muitas de apresentarem seus argumentos, portanto, tudo passível de contestação pode ser feito até minutos antes de uma sentença ter sido proferida. Voltando ao prático, o noticiário nos dá conta de que o resultado já é "favas contadas" contra a prisão em 2ª instância pelo placar de 6 a 5 ou, um muito provável, 7 a 4!!! Pelo jeito vamos ser vistos como os criadores da maior piada jurídica internacional!!!

Nós temos 4 instâncias judiciais: 1ª, 2ª, STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal. Para você saber as características e o funcionamento dessa estrutura acesse este link.

Ali você vai encontrar a seguinte afirmação: "se o cidadão não concordou com a sentença do juiz de primeiro grau, ele pode recorrer para que o caso seja julgado no TJ". Perfeito, um direito líquido e certo de um réu. Mas alguém conhece ou soube de um réu que ficou satisfeito com uma sentença que lhe foi desfavorável? E nos surpreendemos com a quantidade de processos que abarrotam todas as instâncias!!! Então não pode ser simplesmente "não gostei", "não concordo", mas sim há que estar muito bem estruturada a argumentação de um recurso a uma instância seguinte.

Recorramos a números. Diz o noticiário que se retrocedermos à posição de que a prisão só pode ocorrer depois desta excrescência do "trânsito em julgado", 190 mil casos terão que ser individualmente analisados para se definir se o réu tem direito a ser solto ou não!!! Você pode imaginar a dimensão deste processo?

Se temos 4 instância e "trânsito em julgado" passou a significar "julgado pelo STF", então meu amigo, fodeu: 100% dos casos levados à justiça poderão ser levados ao Supremo!!!


Atentemos para um outro aspecto. A condenação com prisão é apenas uma das modalidades de punição, existem outras. Pensemos em uma condenação em primeira instância a serviços comunitários por um x tempo. Ou uma condenação a prisão domiciliar? E agora? Vai-se esperar por anos até que chegue ao Supremo para, finalmente, estabelecer o "trânsito em julgado". Há quem vá propor agrupar os tipos de condenação para efeito de se estabelecer critérios diferentes para cada grupo. Desse modo teríamos que prisão em cárcere é diferente de prisão domiciliar e por aí em diante. 

Enfim, se há um tribunal que julga e condena, cumpra-se a condenação independente de qual tenha sido. Ou nossa justiça precisa ser totalmente reformulada pois ela não atende seu objetivo principal, qual seja o de estabelecer uma justa avaliação de um evento a ela submetido. Recorrer é um direito inalienável mas de forma alguma pode anular o cumprimento da decisão de um tribunal. Ou acabe-se com o Tribunal!!!

Se você mais ou menos concorda comigo, há de estar se perguntando por que o óbvio não é tão óbvio assim? Bem, aí é que entram os argumentos "não republicamos" como diria Roberto Jefferson nos tempos de Mensalão. Acontece que os réus agora são do andar de cima, são os compadres, são os colegas da oligarquia, são os privilegiados do poder, são os que nos nomearam ou que nomeamos, são aqueles a quem devemos estar onde estamos! Aí, amigos, tudo muda.

Vamos aguardar o final, ou, pelo menos, a modulação anunciada pelo Presidente do STF. Aí você volta aqui e dá uma conferida no Poder e no Phoder (ainda escrevo sobre isso).

(*) Tenha uma ideia de como é em outros países neste link.




sexta-feira, maio 03, 2019

A CONSCIÊNCIA DOS EXCLUÍDOS - CQD

Jeremy Harding
Depois de ter publicado quatro postagens sobre a consciência dos excluídos, onde apresento minhas conclusões sobre a atualidade das revoltas no mundo ocidental, recebo a revista Piauí de abril/19, e encontro o artigo "Os manifestantes estão em pânico - O que querem os coletes amarelos?", de Jeremy Harding, jornalista inglês, que analisa o movimento francês "coletes amarelos" iniciado em novembro de 2018 (*).

Sou apenas um sujeito com uma antena ligada nos acontecimentos à minha volta, seja no espaço real, midiático ou virtual, procurando encontrar as motivações por trás do que acontece. Minhas quatro postagens procuraram apresentar a tese de que na base das revoltas atuais em andamento estão: 1) a frustração dos cidadãos  com o rumo de suas vidas; e 2) a nova era digitrônica, que os faz ter a consciência, zap-a-zap, de que tal realidade é uma condição inevitável do mundo atual. "Abaixo os privilégios", bradaram os manifestantes como slogan antirriqueza. Nada mais que a consciência dos privilégios "dos outros" como argumento.

Que satisfação, portanto, foi encontrar na excelente matéria de Jeremy Harding, os relatos de fatos coincidentes com minha linha de raciocínio. Ressalto nesta postagem o que considerei mais relevante neste caso.

Temos a tendência de achar que o que está acontecendo nas cidades brasileiras, só está acontecendo... no Brasil. Mas veja o que Jeremy conta: "Bordeaux é um modelo típico das impecáveis 'metrópoles' francesas, absolutamente limpas e organizadas, cercadas por uma periferia empobrecida". Fala de Bordeaux, mas podia ser São Paulo, Rio de Janeiro, Recife... Mais adiante ele vai acrescentar que "a cidade de Bordeaux é o bastião que eles estão cercando, sitiando simbolicamente, na esperança de serem reconhecidos". Como é mesmo que você anda se sentindo em sua cidade?

Como observamos entre nós, tais movimentos de revolta não têm liderança, são organizadamente desorganizados, e entre os seus participantes existem muito mais divergências do que convergências, apenas há um implícito e frágil elo que os une por um tempo cujo fim é incerto. Deixo a seguir alguns trechos que se referem a este aspecto do movimento. 

"Os coletes amarelos são cidadãos plenamente inseridos no século XXI, negligenciados e deixados de lado pela globalização. (...) Eles se mobilizam e tomam decisões de última hora, sobretudo pelo Facebook."

"As manifestações são produzidas e concebidas à medida que se desenrolam."

"Em poucos dias, um movimento sem liderança, mas com um punhado de figuras com projeção nas mídias sociais, tornou-se uma revolta sem líder contra o presidente, o governo, os altos impostos e os baixos salários."

"A ausência de liderança e a horizontalidade eram inegociáveis: um colete amarelo carismático como Éric Drouet poderia vir a público e arrebanhar as tropas, mas nem ele nem ninguém podia falar diretamente com o governo em nome de qualquer outro manifestante."

Jeremy também busca entender os integrantes e pergunta: "Quem eram os coletes amarelos?".

"A resposta é que eram residentes de pequenas e médias cidades degradadas na zona rural, onde o trabalho, as habilidades, as tradições, o comércio pujante e o financiamento público haviam evaporado.(...) Poucos deles estão desempregados. Foram na verdade pessoas em empregos mal remunerados, com contratos precários, pensionistas exasperados e pequenos empreendedores (...)."

Christophe Guilluy
Ele adiciona o que Christophe Guilluy, geográfo, salienta como extrato de suas pesquisas: "o crescente fosso entre as grandes metrópoles e a 'periferia', 'a terra esquecida das pequenas e médias cidades e áreas rurais, lar da maioria da classe trabalhadora'. E mais. "Guilluy tinha visto a raiva se acumulando e previu o choque que traria para o sistema político, mesmo que a rigor ela estivesse muito longe de ser capaz de 'derrubá-lo'."

A matéria também aborda a reação do governo francês. Um grande debate nacional, conhecido como "Cahiers de doléances" [cadernos de queixas] foi proposto por Macron. "O governo abriu uma plataforma online por meio da qual era possível propor reuniões públicas."

Macron
"As reuniões parecem ter sido um estrondoso sucesso. (...) No início de março, 10 mil haviam ocorrido ou estavam agendados. Alguns [encontros] são menores do que se imagina, outros são grandes atos políticos, com a presença de celebridades locais e de parlamentares do partido de Macron."

Jeremy participou de uma dessas reuniões. Ele conta que "cada um de nós recebeu dois cartões coloridos, um vermelho e um verde". "Assim que os cidadãos começavam a falar, devíamos levantar o cartão verde se fôssemos a favor do que estava sendo dito, e o vermelho caso contrário (...)."

[Um cidadão] se referiu ao presidente simplesmente como 'Macron' sem tratá-lo com a devida cortesia e polidez (...) e era favorável à energia nuclear. (...) Cartões vermelhos se agitaram, com desalento. 

Como "governo" é algo imaterial, intocável, não-palpável, para descontar a raiva pelo "fosso" entre os andares do prédio socio-econômico, parte-se para o ataque aos diferentes, e é aqui que surgem as agressões contra os outros, outros que estão entre os próprios.

"O antissemitismo se tornou o principal tipo de manifestação racista, mas não é o único: uma mulher muçulmana foi obrigada a tirar seu hijab num bloqueio de estrada, uma deputada negra foi descrita nas mídias sociais como 'uma crioula gorda macronista, recém-chegada da África'; sentimentos arabofóbicos´ou anti-islâmicos afloram nas mídias sociais."

"(...) o movimento continua sendo uma reunião espontânea de cidadãos enraivecidos que vivem na pobreza e em precárias condições de trabalho."

"(...) muitos coletes amarelos condenaram, eles próprios, de maneira feroz, as manifestações racistas em suas fileiras."

Etienne Balibar
O autor do artigo, cita Etienne Balibar, filósofo francês: "aqueles no topo já não podem mais governar como antes, e aqueles na ponta de baixo não querem mais ser governados como antes".

Próximo ao fim de seu relato, Jeremy lembra que na Europa não há código de conduta que proteja as minorias "contra os intermináveis insultos a que são submetidos por notícias de salários lunáticos e bonificações de banqueiros". "Eles se sentem párias marginalizados e, embora sejam uma imensa multidão, se veem como um novo tipo de minoria, desprovida de instrumentos para se defender da discriminação econômica."

E finaliza: "(...) a raiva e a frustração que hoje se constatam na França muitas vezes dão a impressão de serem uma espécie de pânico do futuro sublimado - sejam lá quais forem os incômodos do presente".

Nos meus tempos de ginásio, nas aulas de matemática, o professor encerrava a demonstração de suas fórmulas escrevendo na "lousa": 
Como Queríamos Demonstrar

Bom final de semana que hoje é sexta!

(*) Para melhor entendimento, leia a íntegra do artigo.

sábado, março 30, 2019

A CONSCIÊNCIA DOS EXCLUÍDOS - Parte IV

Postagens anteriores: A Consciência Dos Excluídos - Parte I - A Consciência Dos Excluídos - Parte II - A Consciência Dos Excluídos - Parte III

Sentir-se excluído do que quer que seja, não enseja como consequência inevitável, tornar-se um assassino solitário ou em série, um suicida, um traficante, um estuprador ou um bandido de qualquer naipe. É preciso ter uma base, um alicerce, que sirva de sustentação para as ações de revolta. 

A psicopatia(*), para uns, é um distúrbio psíquico (condição adquirida por eventos ao longo da vida), enquanto, para outros, é neurológico (genético). Para o que nos interessa, a origem não tem relevância, apenas sua existência, pois significa que o portador desta condição tem como característica fundamental a total insensibilidade aos sentimentos alheios. É este estado emocional que o faz cometer um leque de maldades sem que sinta o mínimo remorso ou culpa de seus atos cruéis (mais adiante discordo parcialmente desta última conclusão) (**).  

Psicopatas sempre existiram, é uma das alternativas de constituição de um ser humano. Seus atos estão apenas mais expostos nos dias atuais, tanto pelo imediatismo da informação, quanto pela tecnologia, basta nos lembrarmos da câmera transmitindo ao vivo o australiano assassinando pessoas na Nova Zelândia. 

A psicopatia, portanto, vem à frente da frustração. Indivíduos no poder não precisam se sentir frustrados para roubar uma empresa estatal - em benefício próprio e de políticos comparsas ou mandantes -, sem pudor, remorso ou culpa, mas só enquanto não são pegos (depois choram e fazem delação premiada). E no caso de executivos em ascensão meteórica, o estímulo da frustração é facilmente substituído pela ganância, o que lhes facilita enormemente destruir competidores, sem dó nem piedade, no trajeto ao topo (***). Assim como o psicopata não precisa da frustração para se manifestar, o frustrado não carece da psicopatia para mostrar sua insatisfação, basta nos reportarmos às manifestações dos coletes amarelos na França, ou à passeata do 13 de junho de 2013, no Brasil.

Há de existir um "elemento-gatilho", algo que dispara a ação psicopata. Acredito que 99% das manifestações psicopatas são contra alvos não rotulados, ou difusos, não personificados. Tais atos são considerados de interpretação moral subjetiva, dependendo de que lado se está. Para o autor da ação, a justificativa é inocente, do tipo "só estou cuidando dos meus interesses", "se não for eu, será outro", e por aí vai. Apenas não olham para trás, e assim não enxergam as vidas despedaçadas que deixam pelo caminho, o contingente de "almas" destruídas (Sérgio Naya em relação às vitimas do Palace II é exemplar).

Sobra-nos o 1% quando o alvo é a aniquilação de vidas humanas. Nestes casos, o gatilho que dispara a ação e aciona a arma, tem origens mais profundas. No meu entender, está no fundo do sentimento de frustração em se ver vítima de um outro, de um grupo social, econômico, étnico, ou de um governo, ou de uma injusta decisão divina. Seja nos tantos estupradores e feminicistas do cotidiano brasileiro; em Adélio, no caso Bolsonaro; nos dois jovens de Suzano; nos tantos outros aderentes ao Estado Islâmico; ao não tão jovem serial-killer de Cristchurch; em todos estes casos, houve um fato "click", o acionador do interruptor que ligou sinapses com destino certo: acabar com a vida de outro(s). 

O leque de "clicks" a que me refiro, é de raio infinito. Pode ser uma mulher em uma rua deserta, pode ser uma dada interpretação do texto sagrado, pode ser, nos dias atuais, o hábito de matar personagens em jogos eletrônicos. 

E aqui estou chegando ao fim destas quatro postagens. Tanto no caso de Cristchurch, quanto no de Suzano, minha convicção é a de que os assassinos agiram sob um surto psicótico que os levou para dentro de um jogo de guerra em uma tela de computador (resultado de psicopatia+frustração+estímulo). Em ambos os casos eles se viram atirando em personagens de desenho animado. Mas em Suzano, aconteceu algo mais. Ao perceber a chegada da polícia, o jovem de 17 anos acorda do transe, percebe o terror de seu ato, mata seu amigo e parceiro, e se suicida (por este fato minha discordância quanto a nunca "sentir o mínimo remorso" citado no 2º parágrafo).

Há quem esteja atribuindo "ao lado negro da internet" a razão de tal massacre. É, como se diz, atribuir ao sofá a traição do cônjuge, ao invés de aceitar o direito inalienável, inevitável, do outro decidir o que fazer com o... sofá. Quantos milhões e milhões de crianças têm estado nestes últimos anos à frente de telas de computador por horas a fio assumindo o controle de personagens rambóticos à caça de inimigos saídos da imaginação de mentes, no mínimo, extremamente criativas? Quantos deles estão se transformando em potenciais reais matadores? Que tal olhá-las como crianças felizes com o prazer de estar brincando com o aquilo que o mundo contemporâneo lhes está a disponibilizar?

Quando criança, adorava jogar búlica(****) na beira do rio (minha mãe me pegava pela orelha para ir almoçar). Para ganhar era preciso não deixar que os outros meninos chegassem primeiro na última búlica. A estratégia era "tecar" com força a bolinha de gude de um adversário, mandando-a para o mais distante possível. Nem por isto, quando adolescente ou adulto, me tornei um atirador de bolas de vidro na cabeça dos outros!!!

Até o próximo tema, espero que no próximo sábado!  



(*) Para saber sobre psicopatas .

(**) Em média, entre 1% e 3% da população mundial pode ser classificada como psicopata. Neste artigo da BBC, você tem mais informações. 

(***) É interessante o que está acontecendo atualmente com Jorge Paulo Lemman - o mago da meritocracia e do ¨fodam-se os demais" -, seus sócios e suas mega-empresas (ver revista Época de março/19).

(****) Conheça as regras do jogo de búlica..


As imagens aqui inclusas foram obtidas na internet e sem identificação de autor. Caso você seja autor de alguma, por favor me informe para que possa incluir o crédito.

sábado, março 23, 2019

A CONSCIÊNCIA DOS EXCLUÍDOS - Parte III


A estrutura que dominou a organização das sociedades pós agricultura, foi, e ainda é, fundamentada em um grupo - não mais que 10% da população(*) - que manda porque detém o poder através da exclusividade do uso legal da força, e uma massa - os 90% restantes - de cidadãos cuja única opção era (ainda é) a obediência pelo simples fato de estar sempre muito atrás do momento de reação, independente de ter recursos para tal. Não é mais. Atenção: estou apenas apontando o que me parece óbvio. 

Da eternidade de tempo entre o envio da mensagem e o recebimento de um retorno, padrão na Idade da Pedra, passando por meses no início da Idade Média, por semanas e dias na Idade Moderna, e chegando a horas e minutos no mundo Contemporâneo do século XXI, foram milhares de anos de distância. Mas para chegarmos à instantaneidade da intercomunicação de nossos dias, bastaram 3 exatas décadas(**) desde que o cientista do CERN, Tim Berners-Lee, teve a ideia de criar uma rede mundial de computadores. Não tenho dúvida de que a virada do século XX para o XXI, ficará registrado na história como o momento responsável pela desestrutura radical das regras de condução das sociedades. Neste barco, ocidente e oriente, hemisfério norte e sul, estão todos enjoados e prestes a vomitar.

Basicamente, o que apresentei até aqui, tem o propósito de justificar, respaldar, as observações do parágrafo precedente e tentar imaginar as consequências que já se observa e como poderá vir a ser o futuro de médio e longo prazo.

Nas duas postagens anteriores, apresentei a ideia de que na maior parte da história evolutiva do homo sapiens, o conceito de frustração social faz um caminho gradativo da sua total inexistência até o estabelecimento, no indivíduo, do sentimento de consciência de excluído, de rejeitado, renegado por um sistema a que só privilegiados podem ter acesso. É nestas últimas décadas que tal consciência se expande através da Grande Rede, permitindo a conexão de todo excluído com seu semelhante em status social e vêm à tona o sentido grupal. Agora é a consciência dos excluídos. Não mais o indivíduo. Agora uma massa de cidadãos frustrados com suas desgraçadas vidas, não que o sejam tão desgraçadas, mas o são, obviamente, se comparadas à de uma minoria privilegiada com acesso a tudo, de saneamento básico a conexão com o mundo na palma da mão, passando por acesso a formação profissional, viagens pelo mundo, mulheres e homens que se parecem com deusas e deuses Gregos. Tudo isso, na maior parte da história, era desconhecido, distante, impreciso, e coisas de abençoados pela sorte. Hoje, interligados, interconectados, não estão mais sozinhos, não têm mais que se conformar com coisa alguma, não atribuem mais à sorte, aos astros,  ao acaso ou à providência divina tais benesses. Agora têm a consciência de que são a maioria, que podem se unir espontaneamente, dispensam, recusam lideranças, e como unidade de movimento, entendem que tudo tem que ser concedido a todos. Um pouco mais que isso: direito de todos, obrigação do Estado, esta supra-entidade da qual se espera mais do que se espera de uma divindade qualquer.  

Tomemos a discussão da reforma da previdência. Até o final do século XX, ninguém sabia quanto ganhava um deputado, um senador, um ministro do Supremo, um juiz de qualquer instância. Menos ainda quais eram as regras de aposentadoria destes ocupantes do poder. Hoje, as redes sociais estão entupidas de bits de informação mostrando como tudo funciona e o abismo de realidade econômico-financeira que há entre os ocupantes dos poderes e o cidadão da massa de trabalhadores que, na essência, os sustenta. Quem acredita que isto vai mudar? Quem apostará que a sociedade em Rede aceitará ser prejudicada em nome de reduzir um déficit orçamentário sem que os privilegiados abram mão de suas gordíssimas e injustificadas remunerações e passem a fazer parte de uma realidade vivida pela maioria? A resposta é: A Rede, o golpe não previsto na estrutura de poder.


Por quanto tempo mais a sociedade brasileira, em especial, irá aceitar os absurdos ganhos de todos os que ocupam posições na estrutura de poder, em qualquer nível? Por quanto tempo mais a sociedade aceitará conviver com a regra imoral do "efeito cascata", principalmente nas instituições do judiciário onde um aumento no STF se espraia por todas as funções de todos os órgãos abaixo? Que justificativa haverá para que 13 milhões de desempregados aceitem a monumental diferença entre o salário mínimo e a remuneração mensal total de um vereador, deputado, senador, juiz, desembargador etc?

Agora vamos dar uma olhada na violência no Brasil (acontece ao redor do mundo, mas não tenho base para tratar neste âmbito). A criminalidade aumentou desproporcionalmente ao aumento da população (atente para o gráfico). Veja a coincidência da realidade entre o aumento da instantaneidade da informação em Rede e o aumento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes. Simples coincidência? Ou o gradativo aumento da consciência de excluído de um enorme contingente de cidadãos jovens que estão completamente frustrados frente à visão de total ausência de perspectiva de futuro?

Como podemos imaginar uma solução para tamanho contingente de excluídos que se defrontam todo santo dia, o dia todo, com as tantas novidades tecnológicas que lhes são ofertadas como obrigatórias, a 10 vezes sem juros e com a ameça de que o seu não consumo lhe deixará infeliz por não participar deste "maravilhoso mundo novo"? Como suportar ver tantas selfies, hipócritas, falsas, na quase totalidade (mas e daí?), de gente sempre feliz quando se é parte de 13 milhões de desempregados, enfrentando filas imensas de candidatos a uma vaga (quando há) improvável de ser conquistada ? É razoável imaginar que este contingente cônscio de sua condição inevitável de excluído irá permanecer passivo para sempre? A que atitudes reacionárias (no sentido básico da palavra) tamanha frustração pela consciência de excluído inevitável os irá levar? 

Até o próximo sábado.

(*) Distribuição da Renda no Brasil em 2017

(**) A primeira proposta de criação da WWW foi apresentada no dia 25 de março de 1989. Não por acaso, o Muro de Berlim vem abaixo em 9 de novembro do mesmo ano.


As imagens aqui inclusas foram obtidas na internet e sem identificação de autor. Caso você seja autor de alguma, por favor me informe. 


sábado, março 16, 2019

A CONSCIÊNCIA DOS EXLUÍDOS - Parte II


Assim como o globo terrestre se mantém girando infinitamente num só sentido, a história da humanidade não retrocede. Uma vez adotada uma nova solução, uma nova tecnologia, uma nova maneira de fazer qualquer coisa, não voltamos a fazer como antes, independente do resultado que esteja sendo obtido com a novidade. Obviamente estou considerando que tanto o planeta quanto o ecossistema não sejam abalroados por uma catástrofe monumental (um asteroide vir a colidir com a Terra, ou uma era do gelo vir a destruir as condições de vida atuais) e continuem a se comportar como sempre tem sido. Considerando estas exceções, o primeiro um exemplo raro de evento aleatório, imprevisível, pois, de resto, tudo é cíclico na natureza e no próprio universo.

A evolução(*) da humanidade não olha para trás, não se arrepende. Uma vez adotada uma nova solução, adeus às vigentes até então. Uma vez que o homem domou o cavalo, o próximo passo foi criar a carroça. Uma vez inventado o motor a combustão que possibilitou o automóvel, o avião veio a seguir e nem mesmo seu uso na revolução de 32 levando Santos Dumont ao suicídio (é o que se pensa), foi capaz de fazer a humanidade voltar à uma época sem máquinas voadoras. O sentido à frente, sem olhar para um retrovisor imaginário, é inexorável tanto na tecnologia quanto nos costumes. Uma outra faceta desta realidade é o que alguém já observou quanto à evolução tecnológica: se pode ser feito, será feito.

Se olhamos para a humanidade em sua essência ao longo da história, concluímos que muito pouco mudou. Nossas necessidades continuam básicas e as mesmas de milênios atrás: aquecimento, abrigo contra intempéries e inimigos, e alimento. Cito Montaigne: "A natureza exige muito pouco para nossa conservação, tão pouco que foge aos golpes possíveis da má sorte". O que mudou foi a forma de suprir tais necessidades.  Entretanto, a mudança de forma veio acompanhada da complexidade. Para o homem nômade, caçador-coletor, a simplicidade de obtenção (independente da dificuldade) era o padrão. 

A partir de um determinado momento, com o advento da agricultura, surgiu o conceito de trabalho, ou seja, um compromisso sistemático de obrigação de fazer algo para, em um processo de troca, um grupo pudesse obter a renda que propiciasse a satisfação daquelas tais necessidades básicas.

De lá para cá, o tal processo de evolução só fez tornar gradativa e sutilmente mais difícil ter uma atividade de trabalho produtiva o suficiente para todos. Uma nova divisão de categoria de humanos começa a se desenvolver: os que sabem e os ignorantes, os aptos e os inaptos, os incluídos na dinâmica social e os excluídos, os párias. 

Até pouco antes do fim da idade média(**), a troca de informação entre diferentes povos, a incorporação de novas soluções, se dava em unidades de tempo muito longas. E mesmo com o desenvolvimento tecnológico da navegação na Renascença e depois, a unidade de tempo de comunicação era da ordem de meses. Antes do telégrafo e do rádio, inventos do século XIX , a informação ganhou velocidade com os primeiros jornais impressos em meados do século XVIII fazendo a unidade de tempo no fluxo da informação se reduzir a semanas (ainda dependente da navegação). É a partir de então que o cidadão - não mais um indivíduo qualquer, mas integrante de uma massa que começa a ter recursos para se manifestar e ser ouvida -, tem acesso a informações que antes lhes eram de total inacessibilidade. Se até então ele se via um excluído graças a uma inevitabilidade da vida, a um resultado infeliz da conjunção dos astros e estrelas no instante de sua concepção ou nascimento, com o acesso à informação ele substitui a aceitação pela consciência de excluído, não mais pelas forças celestiais, mas pelas forças detentoras do poder que lhe obstaculizam de todas as maneiras ascender socialmente e ter acesso às modernidades.

É no início do século XX que surgem as transmissões via rádio. As últimas da política, da economia, da cultura... agora à distância de audição de um botão de sintonia. Minutos depois de, a milhares de quilômetros de distância, ter sido decretado o fim da guerra, as pessoas puderam sair às ruas para comemorar (Ouça Heron Domingues no Repórter Esso). É o máximo! Agora ele sabe que não está sozinho em suas percepções e frustrações. Existem outros excluídos como ele! A consciência de sua condição agora é real e universal.  Mas o melhor estava por vir entre os finais das décadas de 1940 e 1970. A televisão, a combinação da transmissão de voz e imagem! E agora com um toque especial: a verdade de sua condição social não só é real e universal, mas é ao vivo e em cores! 

Encerrando por hoje, acrescento o que aconteceu nesta semana trágica. O atentado na escola de Suzano - exemplo claro de reação à frustração - e a chacina na Nova Zelândia - exemplo emblemático do "ao vivo e em cores".

Até o próximo sábado.


(*) O sentido de evolução aqui usado é o de aprimoramento da técnica em termos de produtividade, não implicando obrigatoriamente em melhoria do ser humano ou de sua qualidade de vida.

(**) Idade Média: Período da história entre os séculos V e XV d.C., marcado pelo fim do Império Romano.

(***) Renascimento/Renascença: Período da história entre o final da Idade Média, meados do século XIV, e final do século XVI.  



As imagens aqui inclusas foram obtidas na internet e sem identificação de autor. Caso você seja autor de alguma, por favor me informe para que possa incluir o crédito. 


sábado, março 09, 2019

A CONSCIÊNCIA DOS EXCLUÍDOS - Parte I

Em quase toda a história da humanidade os indivíduos estiveram (e estão) divididos em duas categorias básicas: dominadores e dominados, ou opressores e oprimidos, ou senhores e escravos, ou oligarcas e povo, ou realeza e plebe, ou privilegiados e excluídos.

Nos primórdios, na idade da pedra, antes dela e um tanto depois, é razoável imaginar que nossos ancestrais trogloditas não tinham o que desejar ou invejar. Quaisquer pequenos grupos caçadores-coletores que se deparassem no meio da savana africana, ao mesmo tempo em que assumiam uma atitude defensivo-agressiva perante o outro num primeiro momento, depois de superadas as incertezas deviam perceber serem essencialmente iguais em aparência, modo de vida, necessidades, dúvidas e medos.  

Esse quadro pode não ser o melhor instantâneo de um passado onde a humanidade ainda não conhecia a propriedade privada e todos os indivíduos partilhavam de um similar modo de vida, mas qualquer outra visão será muito semelhante no reconhecimento de que houve uma época em que não havia o que almejar além de garantir o sustento e se manter vivo, livre da fome das feras predadoras do homem.

A escassez de alimentos e/ou uma eventual drástica mudança climática obrigaram os humanos a cultivar a terra e a nela se fixar por longos períodos para produzir no hoje o alimento de amanhã. É aí que as diferenças se manifestam e passam a reger, ou no mínimo, interferir nas inter-relações tribais, pois houve os que viram no trabalho a saída para a sobrevivência e aqueles que, por preguiça ou incapacidade, apenas usufruíram do trabalho alheio. Não à toa, tal mudança é considerada como a primeira revolução na estrutura social até então vigente. Daí para a adoção do conceito de propriedade, tanto da produção, quanto da terra, foi a consequência óbvia, e associada ao excedente de produção, a humanidade, sem querer, criou o "mercado", onde produtores aumentavam suas posses fazendo escambo de seus produtos por outros de seu desejo.

As cidades - no princípio pequenos aglomerados - surgiram para atender a necessidade de pontos de troca e de oferta de serviços agregados (transporte de mercadorias, produção de ferramentas, sementes etc). 

Uma pequena digressão. Me vem à mente um dito popular, mas revelador de quem saiu no lucro, de que na busca do ouro quem mais obteve proveito foram aqueles que garimparam oportunidades de comercializar produtos e serviços que atendessem as necessidades dos mineiros. Seria mais ou menos isso que ocorreu na antiguidade? Voltemos ao tema.

Impossível se torna a participação de todos como nos primórdios das cavernas, quando um grupo era uma família (ou pouco mais que isso), sendo fácil de controlar e identificar transgressores. Quando surgem os agrupamentos, "todos" passa a significar um contingente de indivíduos, ou melhor, de tribos que, em conjunto, formam um corpo difuso, confuso, desordenado e descontrolado.

O advento das cidades exigiu a elaboração de acordos sociais, de regras regulatórias para um razoável e estável convívio de indivíduos e para que as trocas de mercadorias e serviços ocorressem num ambiente de equilíbrio entre as partes envolvidas nas transações. Indivíduos mais ousados, mais ambiciosos, almejaram o controle e assumiram a tarefa de legislar sobre a massa, controlar sua aplicação e punir os transgressores. 



Nascem os sistemas políticos e surge o que conhecemos como civilização, uma alternativa à barbárie como solução de conflitos (há milênios perseguimos a utopia de extirpá-la por completo) em troca da obediência a códigos de conduta que implicassem no reconhecimento dos direitos do outro. Mas controlar sempre foi uma tarefa inglória pois há muitas maneiras de evitar ser pego nas transgressões. Tal reconhecimento abriu a cabeça de alguém que viu no transcendente - o homem desde sempre temeu e teme aquilo para o quê não encontra explicação - um útil mecanismo de auto-regulação do comportamento. Nos primórdios, ameaçar com a ira dos deuses e, mais tarde, com o fogo dos infernos para aqueles que pretendessem violar as normas.  

Considerando o aspecto sistêmico, os humanos passam a se dividir entre os que mandam - os que têm a força - e os que obedecem. Acredito que por milênios tal condição não mereceu qualquer questionamento. Foi um período em que "assim é a vida" e estamos conversados. Não por vontade, mas pela falta de recursos de comunicação para aglutinar os cidadãos em torno de uma ideia que os levasse a uma revolta contra o status quo. As primeiras construções de sistemas políticos se deu com base no princípio de que alguns humanos eram mais humanos que outros, que alguns eram eleitos pelos deuses e deuses não eram questionados: senhores são senhores e vassalos são vassalos. Tal aceitação, portanto, não gerava qualquer frustração e sentir-se excluído ou desconsiderado não tinha o menor sentido. Simples assim.  Hoje, não mais.

O poder da Igreja Católica(*), em especial, vai se mostrar absoluto na idade média, a tal ponto que a primeira providência de um proclamado Rei era se ajoelhar aos pés do Papa para lhe pedir uma abençoada aprovação. Tal providência era a garantia, através do aval papal, que ao morrer teria seu lugar no céu ao lado de Deus. Os reis, neste pormenor, eram tão humanos quanto seus súditos e como tal tementes ao transcendente.

Não sou historiador. O máximo que me atribuo é a capacidade de olhar para o passado e tentar descobrir o que fez com que a história (qualquer que seja o período considerado) tenha sido do jeito que foi. A partir daí, avaliar o processo que nos fez estar onde estamos e, consequentemente, ter alguma ideia das consequências sobre o futuro.

A síntese das sínteses que apresentei nos parágrafos acima, com todos os erros históricos contidos, tem o único intuito de preparar uma base referencial de um mundo do passado para poder apresentar algumas ideias sobre o ser humano em nossos dias sob a égide da nova era digitrônica.

Até o próximo sábado.

(*) Só a existência de um período marcado pela Inquisição bastaria para realçar tal poder, mas  neste link você tem acesso a um quadro geral da Igreja na Idade Média.


As imagens aqui inclusas foram obtidas na internet e sem identificação de autor. Caso você seja autor de alguma, por favor me informe.