terça-feira, julho 24, 2018

REFLEXÕES CAÓTICAS: O viés regulatório

Estava em um momento inspirador quem cunhou o rótulo "esquerda caviar" para abarcar a intelectualidade que nos vê, da janela do apartamento de Paris, como bois no pasto à espera de serem conduzidos, por eles, ao curral em que nossas mentes serão imunizadas contra este conceito arcaico, na opinião deles, que é o direito à liberdade de conduzir os próprios, nossos, destinos.

Para esta turma, existem 3 categorias de cidadãos: eles, "o povo" e a "elite". A base do pesamento "deles" é que precisam ocupar todos os espaços em todos os níveis da estrutura do Estado para que, com suas inteligências superiores, possam dar proteção ao "povo" contra uma "elite" usurpadora, capitalista, mas da qual "eles" dependem para que a conta das benesses possa ser paga. Nesta direção, trilham os caminhos da regulação de tudo, pois o "povo": a) não sabe o que quer; b) não tem como saber; c) não tem como se defender e; d) principalmente, não sabe votar (exceto quando vota "neles"). 

Este viés regulatório (e sempre de caráter protecionista) foi adotado pelos constituintes de 88, tornando nossa Constituição atual uma relevante razão (existem outras) para estarmos no presente caos político e institucional. Mas não somos privilegiados. Este viés atinge muitos dos países que são atores relevantes no cenário politico mundial. Mesmo com constituição enxuta, caso dos Estados Unidos, ou mesmo sem constituição alguma, caso da Inglaterra, há uma tendência a criar leis e penduricalhos regulatórios em seus sistemas jurídicos.

Mas este viés tem por tese que a regulação é capaz de resolver todo e qualquer conflito nas inter-relações entre humanos e destes com a máquina pública. Para que este objetivo possa um dia ser alcançado, é fundamental (para eles) que para toda regulação haja uma entidade controladora instrumentalizada com poder e mecanismos punitivos. Mas o poder corrompe e, como tal, o resultado da utopia regulatória é o inverso do desejado. A história está repleta de exemplos, mas a esquerdopatia não gosta de história, pois ela bota água suja no Romanée-Conti.
E eis que recebo um vídeo gravado por não menos que o Procurador Deltan Dallagnol (por quem tenho admiração), me convidando para aderir a uma iniciativa da Transparência Internacional, uma ong global com sede em Berlim, que no Brasil ganhou a adesão da FGV e outros para levar ao Congresso um pacote de propostas para "construir um mundo livre da corrupção" (*). Raias do utopismo, e digo eu, raias da insanidade coletivizada.

Justifico.

Não há como tornar "o mundo livre" do que quer que seja, pois sempre há espaço e circunstâncias para tudo. Pior em se tratando de corrupção. Esta é uma característica geneticamente impressa, em intensidades diferentes, nos indivíduos da espécie humana, mas lembrando que não é o conceito moral de corrupção que está em  nosso DNA, mas tão somente um mecanismo de ação que seres humanos usam para driblar as adversidades e sobreviver. 

Para a parcela menor da humanidade que se sente à vontade com a prática da corrupção, sinto muito dizer que a mensagem "Seja honesto" não tem qualquer impacto. É da natureza destes ser corrupto. E para a maioria que só usa tal recurso genético em situações raras, especiais e extremas, é chover no molhado, pois não ser corrupto é seu padrão de conduta. Mesmo os "bons", portanto, podem ser corruptos em uma ou outra situação. Vou dar um exemplo extremo. Seu filho tem uma doença grave e precisa de um transplante. Um conhecido de um conhecido seu, por quaisquer razões, pode providenciar o transplante, sem entrar na fila, mediante uma propina cujo valor lhe é possível pagar. O que você faz? Outra menos dramática. Seu carro está sendo rebocado quando você chega. Você sabe que ele vai para um depósito longínquo, com risco de ser depenado, você vai ficar sem carro, vai perder dia de trabalho para retirá-lo, vai pagar multa e os dias de estadia no depósito do Detran. O guarda (ou reboquista) lhe acena com uma proposta que equivale a 20% do que você imagina lhe custará se bancar o durão. O que você faz? O que quero mostrar é que há situações, circunstâncias, em que somos confrontados a escolher valores que se opõem. Ou você nunca se viu frente a uma delas?

A corrupção que nos corrói, é a daqueles que têm de, por definição de suas funções, agir em nome e em benefício do cidadão, mas cujo único propósito de vida é se servir da Nação. É a daqueles que foram eleitos ou elegidos temporariamente para ocupar posições de poder em qualquer instância das empresas, autarquias e instituições do Estado, mas cujo objetivo real é se perpetrar como oligarca. Para tanto, só há um caminho: ter nestes postos pessoas que não se propõem nem aceitam a corrupção como norte de suas vidas. Isto obtido, nenhuma regulação é necessária! E, inversamente, se não obtido, nenhuma regulação é capaz de, mesmo parcial e pontualmente, reduzir a corrupção. A questão a enfrentar, portanto, é: como atrair cidadãos não-psicopatas?

Para o Brasil tal objetivo está a uma distância monumental. Nosso sistema político evoluiu  (ou involuiu?) para atrair e perpetrar no poder os piores de  nós. Nosso sistema, por não viabilizar o exercício digno de um mandato, não atrai os "bons". Eles sabem que serão expelidos em curto prazo. Todo aquele que almeja o poder político no Brasil - considerando as atuais regras -, invariavelmente é detentor de uma personalidade psicopata. Só aquele que só se importa consigo mesmo e não se avexa nem um tico em assaltar os cofres públicos - em prima instância, recursos extraídos de nosso trabalho -, é que se sente à vontade em um cargo público. Existe um segundo grupo, formado por não-psicopatas, que não almejaram o poder, mas se viram constrangidos e obrigados a aceitar tirar seu sustento de um sistema corrompido, sob pena de terem que procurar outra fonte de sustento, ou mesmo de serem eliminados. Estes são os que levam migalhas da corrupção, mas são as vigas de sustentação de tais sistemas.

Para atrair os "bons", serão necessárias muitas mudanças sobre pressão popular e voto em novos nomes, mesmo que sob o risco de que alguns sejam novos nomes do mesmo. O fato é que nenhum sistema se auto-destrói e todos os que fazem parte do sistema político hoje, estão, no mínimo, contaminados. Este sistema precisa ser corroído por agentes infiltrados. É daí minha divergência com um dogma do Partido Novo: não usar recurso do fundo partidário. Ok!  Mas se alguém quer entrar no jogo, tem jogar de acordo com as regras vigentes para ter alguma chance. Jogando, você tem chance de ganhar e mudar o jogo. Por mais contribuições que o Partido Novo venha arrecadar de seus filiados e simpatizantes, irá ficar fora do jogo, ou, no mínimo sem qualquer chance de ganhar. E mesmo porque, na minha opinião, o problema de financiamento de campanhas é irrelevante frente ao fato de que o sistema político está feito para perpetuar oligarquias. Isto sim, tem que mudar urgentemente.

Por hora é isso. 

(*) Você pode acessar aqui o conteúdo completo das tais propostas utópicas, ou acessar o post seguinte a este com um resumo das medidas e breves comentários meus.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Dê sua opinião. Discorde, acrescente, aponte algum erro de informação. Participe deste blog.

ATENÇÃO: No Chrome, quando você insere comentário sem que tenha se logado no navegador, você aparece como usuário "Unknown".

Obrigado.