Postagem anterior: A Consciência Dos Excluídos - Parte I
A evolução(*) da humanidade não olha para trás, não se arrepende. Uma vez adotada uma nova solução, adeus às vigentes até então. Uma vez que o homem domou o cavalo, o próximo passo foi criar a carroça. Uma vez inventado o motor a combustão que possibilitou o automóvel, o avião veio a seguir e nem mesmo seu uso na revolução de 32 levando Santos Dumont ao suicídio (é o que se pensa), foi capaz de fazer a humanidade voltar à uma época sem máquinas voadoras. O sentido à frente, sem olhar para um retrovisor imaginário, é inexorável tanto na tecnologia quanto nos costumes. Uma outra faceta desta realidade é o que alguém já observou quanto à evolução tecnológica: se pode ser feito, será feito.
Se olhamos para a humanidade em sua essência ao longo da história, concluímos que muito pouco mudou. Nossas necessidades continuam básicas e as mesmas de milênios atrás: aquecimento, abrigo contra intempéries e inimigos, e alimento. Cito Montaigne: "A natureza exige muito pouco para nossa conservação, tão pouco que foge aos golpes possíveis da má sorte". O que mudou foi a forma de suprir tais necessidades. Entretanto, a mudança de forma veio acompanhada da complexidade. Para o homem nômade, caçador-coletor, a simplicidade de obtenção (independente da dificuldade) era o padrão.
A partir de um determinado momento, com o advento da agricultura, surgiu o conceito de trabalho, ou seja, um compromisso sistemático de obrigação de fazer algo para, em um processo de troca, um grupo pudesse obter a renda que propiciasse a satisfação daquelas tais necessidades básicas.
De lá para cá, o tal processo de evolução só fez tornar gradativa e sutilmente mais difícil ter uma atividade de trabalho produtiva o suficiente para todos. Uma nova divisão de categoria de humanos começa a se desenvolver: os que sabem e os ignorantes, os aptos e os inaptos, os incluídos na dinâmica social e os excluídos, os párias.
Até pouco antes do fim da idade média(**), a troca de informação entre diferentes povos, a incorporação de novas soluções, se dava em unidades de tempo muito longas. E mesmo com o desenvolvimento tecnológico da navegação na Renascença e depois, a unidade de tempo de comunicação era da ordem de meses. Antes do telégrafo e do rádio, inventos do século XIX , a informação ganhou velocidade com os primeiros jornais impressos em meados do século XVIII fazendo a unidade de tempo no fluxo da informação se reduzir a semanas (ainda dependente da navegação). É a partir de então que o cidadão - não mais um indivíduo qualquer, mas integrante de uma massa que começa a ter recursos para se manifestar e ser ouvida -, tem acesso a informações que antes lhes eram de total inacessibilidade. Se até então ele se via um excluído graças a uma inevitabilidade da vida, a um resultado infeliz da conjunção dos astros e estrelas no instante de sua concepção ou nascimento, com o acesso à informação ele substitui a aceitação pela consciência de excluído, não mais pelas forças celestiais, mas pelas forças detentoras do poder que lhe obstaculizam de todas as maneiras ascender socialmente e ter acesso às modernidades.
É no início do século XX que surgem as transmissões via rádio. As últimas da política, da economia, da cultura... agora à distância de audição de um botão de sintonia. Minutos depois de, a milhares de quilômetros de distância, ter sido decretado o fim da guerra, as pessoas puderam sair às ruas para comemorar (Ouça Heron Domingues no Repórter Esso). É o máximo! Agora ele sabe que não está sozinho em suas percepções e frustrações. Existem outros excluídos como ele! A consciência de sua condição agora é real e universal. Mas o melhor estava por vir entre os finais das décadas de 1940 e 1970. A televisão, a combinação da transmissão de voz e imagem! E agora com um toque especial: a verdade de sua condição social não só é real e universal, mas é ao vivo e em cores!
Encerrando por hoje, acrescento o que aconteceu nesta semana trágica. O atentado na escola de Suzano - exemplo claro de reação à frustração - e a chacina na Nova Zelândia - exemplo emblemático do "ao vivo e em cores".
Até o próximo sábado.
(*) O sentido de evolução aqui usado é o de aprimoramento da técnica em termos de produtividade, não implicando obrigatoriamente em melhoria do ser humano ou de sua qualidade de vida.
(**) Idade Média: Período da história entre os séculos V e XV d.C., marcado pelo fim do Império Romano.
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