quarta-feira, dezembro 15, 2021

OS ARTIGOS FEDERALISTAS - Apresentação

“Os que se mantêm atentos às atividades humanas

terão por certo percebido que elas apresentam fluxos e refluxos.”

Jonh Jay – um dos “pais fundadores”



Alexander Hamilton
Acabei de ler “Os Artigos Federalistas” (são  85), editado em 2021 pelo selo Avis Rara da Faro Editorial. Tais artigos foram escritos por 3 integrantes do grupo que a história os reconhece como os “pais fundadores” dos Estados Unidos da América. São eles:   Alexander Hamilton (autor de 50 artigos e que, junto com Gouverneur Morris formou a dupla mais influente na elaboração do que viria a ser a Constituição Americana), James Madison (autor de 30 artigos, foi, posteriormente, o 4º presidente) e John Jay (autor de 5 artigos). Entre outros que participaram da primeira e única Constituição americana estavam:  George Washington (o 1º presidente), John Adams (o 2º) e Thomas Jefferson (o 3º).

A Convenção da Filadélfia (convocada a elaborar uma Constituição para estabelecer e regular uma União, das até então, colônias inglesas, em uma República Federativa) foi composta por 55 homens com alto nível de formação como se pode perceber pelas atividades que exerciam: 32 advogados, 11 comerciantes, 4 políticos, 2 militares, 2 doutores, 2 professores/educadores, 1 inventor, e 1 agricultor.

Como sempre, fiz o “extrato” desta leitura, mas desta vez optei por reunir parte delas em 3 artigos que pretendem dar uma certa unidade para as reflexões que hoje se tornam absolutamente necessárias a uma compreensão do presente político brasileiro e à construção de uma visão do que será preciso fazer para um futuro do Brasil mais promissor. Esta apresentação tem o caráter de introdução[1] a outras duas vindouras postagens onde reproduzirei e comentarei alguns argumentos apresentados pelos autores, por considerá-los pertinentes ainda hoje, mesmo que formulados há mais de dois séculos.

O propósito dos “artigos federalistas” foi o de quebrar a resistência de opositores em alguns estados, em especial, Nova York, à legislação proposta[2]. Se não abrangem a maior parte dos temas, com certeza tratam das crítica aos mais relevantes e sensíveis, e foram publicados entre outubro de 1787 e abril de 1788.

Nesta apresentação, creio ser importante que o Leitor volte sua mente para 245 anos atrás quando 13 colônias inglesas resolvem proclamar sua independência, o que vai gerar uma guerra que durou cerca de 7 anos, e guarde na mente a cronologia dos fatos principais: 

·        05/09/1774 – Primeiro Congresso Continental (reuniu 12 das 13 colônias inglesas, evento que deu início às hostilidades com a Coroa Inglesa).

·        10/05/1975 – Segundo Congresso Continental (reuniu as 13 colônias, já com a guerra acontecendo)

·        04/07/1776 -  O Congresso aprova a Declaração de Independência, criando o governo provsório dos “Estados Unidos da América”, uma união de estados autônomos com fins militares e diplomáticos comuns.

·        17/12/1777 – Foram aprovados os Artigos da Confederação.

·        03/09/1783 – Termina a Guerra da Independência.

·        25/05/1787 – Criação da Convenção da Filadélfia.

·        17/09/1787 – Conclusão da proposta e encaminhamento aos 13 estados, mas bastando a aprovação de 9 para entrada em vigor, mas que só foi ratificada pelos 13 estados em 1789.

Para se ter alguma ideia do que regia os pensamentos dos autores (e, provavelmente, da maioria dos “pais fundadores”), é de se notar a frequência com que atribuem ao povo não só a origem de todo o poder, mas o objeto fundamental do poder[3]. Como exemplo, veja o que diz Madison ao definir que o objetivo do governo é, em primeiro lugar, fidelidade ao objetivo do governo, que é a felicidade do povo”. Portanto, há muitas razões para que o texto tenha sido encabeçado com a expressão 

Uma outra conceituação que fundamenta seus argumentos é quando ele estabelece uma curiosa diferença entre República e Democracia: “A diferença entre República e democracia é que, numa democracia, o povo se junta e exerce o governo pessoalmente; numa República, ele se reúne e o administra por meio de seus representantes e agentes.”  Ao abandonar a diferenciação entre Democracia Direta e Democracia Representativa, ele opta por fazer uma óbvia proposição de confronto ao modelo de subordinação das colônias à Monarquia Inglesa. Penso que seu interesse tenha sido o de ressaltar o caráter federativo, ou seja, uma real distribuição do poder entre os 3 níveis, federal, estadual e municipal, de modo a tornar a República um regime efetivamente democrático em oposição à Monarquia Inglesa, onde o poder era exercido por uma oligarquia centralizada. E quanto ao exercício do poder ele faz uma interessante ressalva, qual seja a de ser “administrado por pessoas que conservam seus cargos enquanto são aprovadas e por um período limitado, ou enquanto exibem bom comportamento.” A necessidade de que seja mantido esse fundo ético aparece também em artigos de Hamilton. E Madison faz uma diferenciação entre República e Democracia:

O feito dos “pais fundadores” que já proporcionou 234 anos de estabilidade constitucional pode ser considerado quase como obra de “deuses” e pode, obviamente, ser atribuída a várias circunstâncias. Destaco as seguintes: o reduzido número de “convencionais” (55); a homogeneidade intelectual existente entre eles; a união em torno da causa da independência[4]; a limitação dos artigos em torno de valores fundamentais (entre estes a exaltação da ética, mecanismos para desestimular a improbidade administrativa, precedência do poder dos Estados e dos Condados em detrimento de um poder centralizador, e o povo como origem e objeto dos atos dos 3 poderes). 

Se olharmos para as circunstâncias quando da elaboração de nossa Constituição de 1824[5], à parte o “Poder Moderador” do Imperador, vamos encontrar algumas semelhanças: o fato de ser uma Constituição outorgada; a independência proclamada em 1822; o reduzido número de “constituintes” (Ministros e Conselheiros do Imperador); e, obviamente, o alto padrão intelectual de todos. Infelizmente, em vez de se inspirarem na Constituição americana de 1787, os “constituintes” optaram pela francesa de 1791, espanhola de 1812, a norueguesa e a portuguesa. Mesmo assim, é, entre todas as nossas 7 constituições (1824, 1891, 1934, 1937, 1966, 1967 e 1988), a mais duradoura. Esta sequência é o retrato inquestionável do fluxo e refluxo de nossas marés políticas. Não se pode desejar o desenvolvimento de uma nação dando tantos passos atrás em tão curtos espaços de tempo!!! 

Assisti, há poucos dias, um documentário na Netflix sobre a febre dos patinetes elétricos nos Estados Unidos (lá são chamados de scooters). Ali vemos a comprovação de uma diferença radical com o Brasil expressa pela inexistência de qualquer burocracia quanto à liberdade de realização empreendedora. As empresas simplesmente saíram colocando os patinetes nas ruas e fazendo seu marketing de venda do serviço e fim de papo. Os problemas ocasionados só foram tratados, pelos condados, quando surgiram. Em contraposição, e coincidentemente no dia seguinte, assisto Bolsonaro dando de seu governo ter conseguido aprovar um decreto que dá direito ao comerciante de abrir seu negócio caso a prefeitura não responda a seu pedido de alvará em... 30 dias.

A sensação síntese que tive ao final da última página de "Artigos Federalistas" é a de que há mais do que uma "simples" diferença de renda entre o Brasil e os Estados Unidos. Há um Everest ético e moral[6] a ser escalado pelas próximas gerações. Enquanto percebemos princípios fundamentais e perenes na Constituição americana, as nossas são resultado de subordinação pendular a utopias ideológicas e desejos tirânicos que se revezam no "phoder".

Será que precisamos de um evento que justifique uma ruptura institucional (uma guerra externa ou interna, uma tomada de poder pelas forças militares, uma revolta popular) para se fazer, aí sim, um “great reset” federativo em condições similares às existentes no final do século XVIII na América do Norte? 

Antes de deixá-lo navegando ao vento de suas reflexões, encerro recorrendo a James Madison: 

A experiência é o oráculo da verdade; e suas respostas, quando inequívocas, são definitivas e sagradas.” 

Fico por aqui. Espero que o contato com algumas das ideias dos “pais fundadores” dos Estados Unidos da América esteja ajudando o Leitor a enxergar com ainda mais clareza onde está o famoso “busílis” da questão. 

Volto em breve com “Os Artigos Federalistas – Brasil 2021”.


[1] Nesta apresentação me servi também da wikipedia.

[2] É Hamilton que no primeiro artigo já deixa claro o tamanho do problema: “Entre os mais duros obstáculos com os quais a nova Constituição terá de deparar, podemos distinguir prontamente o óbvio interesse de uma certa classe de homens em todos os Estados em resistir a todas as mudanças que possam significar uma diminuição de poder, remuneração e importância dos cargos que detêm nas instituições do Estado; e também a ambição depravada de outra classe de homens que desejarão se locupletar à custa da confusão instalada em seu país, ou se iludirão com possibilidades mais sedutoras de ascensão num cenário de subdivisão da nação em diversas confederações parciais do que num cenário de sua união sob um único governo.” E ainda acrescenta que “Uma torrente de paixões raivosas e malignas será desencadeada.”

[3] Eis o preâmbulo da Constituição: “Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma união mais perfeita, estabelecermos justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral e assegurar as bênçãos da liberdade para nós mesmos e nossa prosperidade, ordenamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.” 

[4] A mesma estabilidade se deu em relação à nossa Constituição de 1824 que durou até 1891, após o advento da República.

[5] A íntegra do texto da Constituiçãode Brasileira de 1824.

[6] Aproveito para dar a minha definição da diferença entre ética e moral. A moral se constitui de normas e valores de conduta que um indivíduo segue dentro de uma dada cultura, mas que partem de seus próprios natos-valores, podendo estes merecer adaptação ou não ao todo, e que se mantém estável por toda a vida. A ética é um conjunto de normas e valores a serem seguidas por compromisso com um dado meio em que se está inserido em um dado momento. Enquanto a moral é perene e conceitualmente abrangente, a ética é casual, temporal. Um indivíduo pode ter um alto sendo de moralidade, e pode ter ou não senso ético, pois este é um compromisso assumido para atender interesse específico. Um indivíduo considerado ético, pode ter um senso moral fraco ou mesmo ausente. A moral é algo pertencente às escolhas livres de um ser humano. A ética é a adoção de compromissos de comportamento com algo que lhe é externo. Para a moral, portanto, há um certo e um errado independente do externo. Para a ética, o que vale é um "se comportar de acordo" com o externo independente de certo ou errado, independente do senso moral. Um exemplo que me parece bastante esclarecedor é o do integrante de uma facção criminosa: sem moral, mas extremamente ético quanto à obediência às regras e valores do grupo a que pertence. 

Não é bem isso que você vai encontrar ao pesquisar sobre ética e moral na internete. Pesquise se for de seu interesse.

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