INTRODUÇÃO
Como o que pretendo trazer à
reflexão trata de conceitos que precisam ser entendidos por todos os leitores
de uma mesma maneira, este texto é introdutório aos demais que trarei em
seguida.
Uma das lições aprendidas na
faculdade de administração que até hoje estão na minha memória foi a que apresentou
às três formas de administração - as técnicas de conduzir com sucesso algum
processo produtivo (em sentido amplo). São elas: a autocracia[1],
a democracia e o laissez-faire[2].
Cada uma tem suas próprias características e a escolha de qual aplicar em cada
caso é determinada pela avaliação de três fatores: circunstâncias, objetivo e tempo
Nós, humanos, temos diferenças no
modo de conduzir nossas vidas. Temos os bonzinhos, os mauzinhos e os nem tanto.
Mas não é disso que vamos tratar, apesar
do fato de sermos os agentes ativos e passivos nos processos produtivos. Isto
será tratado ao longo desta prosopopeia na medida em que for preciso separar o
indivíduo da técnica. Na vida particular, cada um tem seu jeito próprio de
conduzir as coisas, temos de nos responsabilizar por nossas decisões e arcar
com as consequências, quer tenhamos extraído[3]
aprendizado delas ou
não. Na vida social, profissional, econômica e política, as coisas são
diferentes porque existem os outros, e como alguém já identificou, “o inferno
são os outros”!
Nesta introdução, apresento
apenas os 3 conceitos sem entrar nas reflexões sobre sistemas políticos.
Ressalto que é muito provável que você ache o que mostro hoje pueril, óbvio, e
por aí, mas entenda que preciso equalizar entre todos os leitores uma mesma base
de informação conceitual para que não haja muitas dúvidas quanto ao que estiver
sendo dito mais à frente.
O que chamo previamente atenção do
Leitor é para o fato de que cada uma das 3 técnicas produz o melhor resultado
dependendo da combinação dos 3 fatores citados. Elas não são intercambiáveis, onde
se aplica uma com melhor resultado, as demais serão um desastre. Esta afirmação
a faço como dedução de minhas vivências, tanto profissionais, quanto familiares.
LAISSEZ-FAIRE
Nesta introdução, vou usar esta
expressão em substituição a liberalismo, termo que tem significados diferentes
dependendo de que país e de em que espectro político estamos inseridos.
Podemos assumir que no princípio
era o laissez-faire. O homo sapiens das cavernas não estava
sob a vontade de um outro, e, em tese, era dono de seu nariz. Ele podia
escolher caçar ou dormir. Banhar-se no rio ou caminhar pela mata. Deitar-se
sobre a relva ou, depois de extrair uma resina de um “Pau Brasil”, pintar
imagens nas paredes de sua caverna. As escolhas só dependiam de suas próprias
circunstâncias, objetivos e tempo. “Deixe
estar, se faltar comida eu resolvo depois”.
Naqueles tempos, muito pouco do
que se fazia em benefício próprio, pouco ou nada afetava um outro ou seu
pequeno grupo de caçadores-coletores.
Nestes termos, fica evidente que
tal técnica, ou modo de agir, tem seu valor quando o objetivo de produção do
que quer que seja é de exclusivo interesse do autor do processo. Uma área de
maior aplicação deste princípio de produção está, evidentemente, nas artes,
todas as artes, porque o produto final é fruto da vontade, intenção e forma de expressão
de seu autor. Mas não só. Também nos esportes individuais, na medicina, na
advocacia, são áreas em que esta é, na maioria dos casos, a única técnica cabível
para a concretização de um objetivo.
Para não deixar nenhuma dúvida,
imagine se Gala, musa de Salvador Dalí, ficasse espreitando por trás de seus ombros
e emitindo opinião sobre o que ele estivesse pintando! Imagine o professor de uma
especialidade qualquer da medicina que, depois de diplomado seu aluno mais
brilhante, resolvesse se colocar ao lado de seu pupilo em uma sala de cirurgia
e ficasse opinando ou criticando o que ele estivesse fazendo!? Ou se algum
diretor de equipe de Fórmula 1 ficasse dando ordens a Barrichelo para que deixasse
Schumacher ultrapassá-lo a 100 metros da linha de chegada. Ah! Isto já
aconteceu!!! Estas são evidências de decisões autocráticas em circunstâncias em
que elas não resultarão no melhor resultado.
Podemos, ainda, usando os mesmos
exemplos imaginar um debate democrático entre Dalí e Gala sobre qual a forma
que o relógio derretendo deveria aparecer sobre a mesa; entre o mestre e o
aluno enquanto o paciente estivesse anestesiado e com seu coração exposto em um
peito aberto, ou, uma discussão entre todos os membros de uma equipe se tal
ordem de ultrapassagem seria moralmente aceita ou não!? “Hoje sim, hoje nãããooo!”
AUTOCRACIA
Na aula já citada, o professor
ilustrou cada forma através de exemplos práticos. Me lembro dele usar para
justificar a autocracia a atuação dos bombeiros em um incêndio e do exército em
uma batalha, por mostrarem que as duas outras opções, consideradas as
circunstâncias, o objetivo e o tempo, teriam um altíssimo índice de probabilidade
de resultar em um tremendo desastre, ou algum nível de insucesso, quanto ao objetivo
final de ter as chamas debeladas no menor tempo possível ou de vencer a batalha
com as menores perdas de vida possível.
A autocracia tem como fundamento a
ação a partir de uma ordem inquestionável, não porque seja a melhor – não há nem
mesmo tempo para se tentar descobrir qual seria ela -, mas porque existem
situações – até mesmo na vida pessoal – em que algo, qualquer algo, precisa ser
imediatamente feito. Em tais circunstâncias a ação pensada, estudada, medida,
tem que ser substituída pela ação/reação. E não importa o jeito como ela
exercida. Também não importa se quem está no comando, na responsabilidade de decidir,
tem um conhecimento prévio que o capacita, ou por ameaçar no presente com uma
arma apontada para a cabeça dos demais, ou por ameaça/promessa de retaliação
futura. A autocracia não tem como objetivo a melhor solução, ela simplesmente
está a serviço de acabar com o problema, a ameaça, a resistência, a rebeldia,
ou, então,... o fogo, a catástrofe, o desastre.
O corolário desta tese é que quando
a autocracia age sobre processos onde a democracia (ou o laissez-faire) é a
técnica que produz com qualidade o que se quer produzir, ou seja, onde não há
demanda por urgência, ela tem o poder de corromper (em todos os sentidos) tanto
o correr do processo quanto o resultado final.
Cuidado, não atribuir autocracia
à liberdade e direito de fazer. A autocracia é sempre uma força externa ao
autor da ação e independente de sua vontade. A escravidão no passado, a
servidão ideológica no presente, não é uma escolha nem livre, nem democrática.
Ela é impositiva, todos os possíveis direitos lhe são negados. Extraídos.
DEMOCRACIA
A forma democrática de conduzir
processos produtivos é associada sempre a regime político, eleições,
alternância de poder etc. O termo[4]
foi criado para rotular um sistema político que parte da vontade da maioria[5]
para a imposição de leis sobre a totalidade dos cidadãos, em tese, ignorando os
anseios de minorias. Considerado este fim, ela só se diferencia da autocracia
pelo fato de a imposição não vir de um só, ou um pequeno grupo, mas pelo
consenso e desejo de uma pretensa “maioria”, mesmo que apenas de 50% mais 1.
Os livros de história indicam a
Grécia antiga como seu berço. Foi Aristóteles que defendeu a ideia de que “democracia
seria definida enquanto um Estado em que os homens livres governassem”.
Nos tempos modernos não é bem isso que acontece. Mas vou deixar para discutir a
democracia no campo político para depois.
Para entendermos democracia no
âmbito da vida familiar, social e profissional, é mais adequado usarmos o
conceito de participação na tomada de decisões.
No ambiente empresarial e mesmo
familiar e social, podemos sintetizar os processos de tomadas de decisão “democráticos”
como “participativos”. Todos são ouvidos, as ideias vão sendo escrutinadas e
eliminadas gradativamente as que apresentam maiores riscos, menor chance de bom
resultado, até que uma maioria chega a um consenso sobre o caminho que menor
dano lhes causa. Os descontentes que se mudem! Tal sistema é amplamente
utilizado no âmbito da justiça criminal através de júris compostos por diversos
cidadãos, ou magistrados, que buscam formar, ou a unanimidade – como no sistema
judicial americano -, ou a maioria de metade mais um, como em nosso sistema
judicial, onde o exemplo mais notório é o nosso tão “estimado” STF.
A opção pelo laissez-faire é
evidentemente impraticável, pois a justiça diz respeito à tomada de uma decisão
cujas consequências recairão sobre um outro e não sobre quem a toma, e fazer uso
da autocracia será sempre a imposição de uma sentença ignorando os direitos de
defesa de um pretenso réu infrator.
Com estas poucas considerações creio
que todos os leitores têm elementos para identificar em qualquer processo de solução
de problema, qual forma de administração deve prevalecer como escolha.
[1] Autocracia tem o sentido, a partir da análise dos radicais gregos autos e kratos, de poder por si próprio.
[2] Laissez-faire é uma expressão em francês, significa “deixe fazer”, que
simboliza o liberalismo econômico.
[3] Evidentemente uso o verbo “extrair” instigado
por 9Fingers que recentemente (jul/23) manifestou o desejo e intenção de
“extirpar” cidadãos brasileiros do convívio com os demais humanos.
[4] A origem do termo remonta à Grécia antiga,
onde “demo”, povo, e “kracia”, governo.
[5] O termo “maioria” na verdade nunca foi
respeitado ao longo da história. Em nossa Era moderna isto é fácil de ser
constado olhando o resultado das eleições em qualquer país do ocidente. Lá
vamos verificar que “maioria” significa em torno de 30% do eleitorado, e, em
muitos casos, o número dado ao vencedor é menor do que os que não votaram
(nulos, brancos e ausentes).
Gosto da forma como você explana os assuntos com muita clareza , são boas aulas 👏
ResponderExcluira cada dia fica mais difícil a realidade do nosso Brasil , ter sabedoria e equilíbrio nas tomadas de decisões é fundamental , agradeço por compartilhar seu conhecimento .
" o voto impresso veio nesse 7 de setembro como imagens "
Ana Cristina