A ERA DIGITRÔNICA E A
TIRANIA
(Se preferir, ouça o áudio.)
no direito do homem de trabalhar como
quiser,
de gastar o que ganha, de ser dono de
suas propriedades
e de ter o Estado para lhe servir e
não como seu dono.
Essa é a essência de um país livre,
e dessas liberdades dependem todas as
outras."
Margaret Thatcher[1]
Recordemos em síntese. Vimos que existem
modelos diferentes e cada um adaptável ao gosto do opressor da ocasião. De todo
modo, todos são variações sobre a relação entre opressores e oprimidos, poder e
servidão, todos sistemas que fizeram parte da história da civilização humana. Por
milênios, o tempo de transmissão da informação entre emissores e receptores, foi longo o bastante para ser um escudo protetor
das barbaridades cometidas pelos dominadores. Nos séculos recentes, este tempo
veio sendo gradativamente reduzido, mas os governantes, mantendo o controle dos
produtores e distribuidores de conteúdo, e podendo regular as empresas
fornecedoras de acesso às tecnologias de transmissão, continuou protegido da
massa desprezível, mas... necessária.
O poder de ruptura da digitrônica é
tão dramático para o status quo político, que o poder, sem saber como se
defender, recorre à novilíngua[4],
uma maneira para convencê-lo de que o que é, não é, e o que não é, é. Exemplos:
censurar é ser democrático; cancelar e lacrar é ruim, mas é do bem se a boca
que o faz é vermelha; opinião é “fake news” se não for do gosto dos governantes
e dos “supremos”; liberdade de expressão, só para os militantes socinistas; passeata
é tentativa de golpe; não comunista é neofascista, ponto, e deve ser “extirpado”;
o pleito eletronicamente fraudado, é, para os “supremos”, o mais inviolável do
mundo, totalmente imune a fraudes; cidadão que faz perguntas incômodas, é um “mané,
não amola”; conluio entre militares, parlamentares, instituições civis,
todos liderados por Supremos Ministros do STF, podem descondenar um ladrão e
transformá-lo em Presidente, e isto ser proclamado como um ato em defesa do
“Estado Democrático de Direito”, um eufemismo hipócrita para “Estado
Autocrático de Opressão”.
Este é o “estado” em que nos
encontramos. Se é exorcizante a capacidade de todos os cidadãos, independente
de suas circunstâncias econômicas e culturais, ter sua voz, seu grito, sua
revolta, sua opinião digitalmente ecoadas pelo mundo, isso também faz com que
os que ouvem, os ocupantes do poder, se sintam ameaçados por tais manifestações,
o que os estimula ainda mais a produzir instrumentos silenciadores, cerceadores
da liberdade de expressão e de trabalho.
Por uma outra perspectiva, quando podemos
nos manifestar contra intenções do Estado, imediatamente após serem reveladas,
antes mesmo de serem debatidas e testadas, geramos uma consequência desastrosa:
uma dificuldade em agir que tende a imobilizar o governo colocando o sistema
democrático em constante situação de crise. Isto acontece porque para toda e
qualquer ideia há sempre uma parcela da sociedade que será atingida
negativamente se ela for implantada e, então, reage imediatamente em aguerrida
oposição.
Tais realidades exacerbam a reação dos
poderosos que não aceitam ter seus interesses contrariados, muito menos tão
rapidamente, sem que nem mesmo tenham tempo de fazer as manipulações
necessárias para “convencer” a sociedade.
Há mais a ser considerado. Se o
pensamento socinista dominou a formação da geração que hoje tem entre 20 e 30
anos, também é fato que esta é a mesma geração que nasceu na Era Digitrônica.
Enquanto nas salas de aula estes jovens foram submetidos a uma lavagem cerebral
e convencidos a adotar dogmas ideológicos gramscianos[5],
simultaneamente conviveu e convive tendo a possibilidade de acessar e conhecer
outras formas de interpretar o mundo e a vida em sociedade. Mas quantos deles
estão buscando um contraponto?
A toda ação corresponde uma reação6], só que em política, contrariando a física, esta é sempre de intensidade desproporcionalmente maior[, o que leva a uma sequência de reações a reações em crescente intensidade até que tudo colapsa, sempre deixando um rio de sangue e milhões de mortos que, no fim, não adicionarão nada à evolução civilizatória, ao contrário, fazendo-a retroceder alguns passos.
Sempre fui descrente quanto à
democracia ser uma solução de sistema político. Como empreendedor que fui, o
processo democrático de tomada de decisão vai até antes da tomada da decisão.
Não conheço história longa de sucesso empresarial baseado em decisões
colegiadas e pelo voto[7].
No âmbito da realização, do fazer acontecer, a responsabilidade da decisão é
sempre de um só, exercida sob as experiências vividas, o sexto sentido, a
intuição, a coragem, e sempre solitariamente no recanto de seus medos,
convicções, angústias e esperanças. O que pude constatar no exercício de mais
de 40 anos como dirigente empresarial, quem melhor decide é quem melhor está
preparado para tal. Como o erro é inevitavelmente a posteriori, ao ser
constatado, o mais qualificado para corrigi-lo é quem foi o responsável pela
decisão original.
De certo modo, graças ao mecanismo da
alternância de poder, a democracia como sistema político é a melhor maneira de
desagradar muitos sem que se possa atribuir a quem quer que seja, a responsabilidade
pelos desastres. E com a humanidade chegando aos 9 bilhões de indivíduos,
caoticamente informados[8],
torna-se impraticável obter-se um conjunto suficiente de indivíduos que estejam
de acordo com uma dada solução para qualquer problema.
É neste contexto que vemos iniciativas
que se aproveitam das novas tecnologias para estabelecer controle das massas
através da padronização. As câmeras por todos os lugares, menos que nos dar
“segurança”, nos obrigam a nos comportar de uma maneira padrão para não perdermos
pontos[9] e/ou
não sermos punidos com perda de direitos[10].
A Inteligência Artificial das Alexas, Siris, ChatGPT etc., não nos informa nada,
elas impõem respostas dadas por um “algoritmo”, humano ou robótico, trazendo
como fatos verdadeiros, deslavadas mentiras virtuais.
Nietzsche[11],
o filósofo duro, como já o qualifiquei aqui, observou: “É preciso pensar
bem profundamente e defender-se de toda fraqueza sentimentalista. Eis que a
própria vida é essencialmente apropriação, ofensa, sujeição daquilo que é
estranho e mais fraco, opressão, dureza, imposição de formas próprias,
incorporação e pelo menos, na melhor das hipóteses, exploração”.
Tendo sido a fórmula que nos trouxe
das cavernas para a civilização moderna, é razoável imaginar que a relação
Poder e Servidão continuará para todo o sempre, composta, em minha particular
visão, de 4 tipos fundamentais de humanas personalidades políticas: os Dominadores,
que não se importam com o outro em nenhuma instância (financeira, moral,
familiar, existencial...) e assumem o phoder; os Corruptos[12],
que se associam a estes, não importa o que eles pensem ou façam, desde que
possam usufruir de parte do butim; os Oprimidos, que se submetem
voluntariamente porque não têm índole, ou interesse, ou coragem em colocar em risco sua existência;
e os Amortecedores, que servem de
amenizadores da opressão exercida pelos Dominadores e Corruptos sobre os
Oprimidos, conseguindo, como recompensa, manter suas conquistas, mas sempre se sentindo
culpados em relação às circunstâncias dos Oprimidos e críticos às privilegiadas
circunstâncias dos Dominadores e Corruptos. Hoje, Opressores, com a ajuda dos Corruptos,
estão, xandrinamente, tentando extirpar a democracia da lista de opções
de sistemas políticos. Enquanto isso, os Amortecedores se esforçam para se
manterem vivos e, os Oprimidos..., bem, estes... “entregam pra Deus”.
Algumas conclusões de tudo que vimos
nestas 7 postagens podem ser as que seguem.
1. O Universo é constituído de uma tal diversidade que não há dois elementos idênticos.
2. Não há solução para o Caos, pois isto seria substituí-lo pelo vazio.
3. Neste caos de circunstâncias diversas, toda pretensa maioria é frágil e suscetível de se desfazer ao longo do tempo.
4. Todo poder é concedido, portanto, é frágil, e para se manter é imperioso usar uma força opressiva.
5. A toda força se opõe uma força contrária - é a física que prova.
6. Toda oposição, inevitavelmente, vencerá em algum momento.
7. Todo sistema político está fadado, portanto, a ser substituído no decorrer da trajetória de desenvolvimento da civilização humana.
Nosso pêndulo das forças políticas
está subindo em direção ao seu auge, a tirania. Só depois de conhecê-la em sua
forma mais terrível, forma que já se apresenta no horizonte do oriente médio,
ele inevitavelmente iniciará uma trajetória em sentido inverso. Mas será que a
civilização sobreviverá a uma nova Era de terror e trevas? Quantos
milhões, quiçá, bilhões, pagarão com a vida o desejo de poder de alguns
milhares? Quão próximo estamos deste momento? Nossos filhos poderão integrar os
mortos? Nossos netos? Bisnetos?
Mas a síntese da síntese, estou
convencido, é a de que qualquer sistema político visa uma coisa só: uma minoria
autoproclamada como a “elite”, a “crème de la crème” do saber, os
ungidos, todos associados com e beneficiários de uma grande plutocracia[13], submetem
a maioria de milhões de cidadãos a seus desejos e psicopatias[14].
A democracia é apenas um “me engana que eu gosto”. Quando criança, minha mãe, autocrática
como todas, ignorando nossos inúteis pirracentos protestos, com a mão direita nos
fazia engolir, “para o nosso bem”, uma colher de óleo de fígado de bacalhau[15]
com um gosto que nos causava vômito. Mas como nos amava, na mão esquerda já
tinha um copo de soda limonada para amenizar aquela horrível sensação.
É isso: a democracia é como uma
soda limonada, ela ameniza a sensação de vômito que a tirania causa.
Com esta postagem, encerro a série
“Extirpando a Democracia: do Laissez-faire à Tirania” e, como bônus, deixo
algumas reflexões de três videntes pensadores.
Obrigado por sua atenção e não se avexe em comentar.
Até uma próxima postagem.
1 - Considerava a existência de duas
morais: a dos nobres ou senhores e a dos escravos.
2 - Em “Vontade de Poder” [o que
chamo de “processo revolucionário]:
·
Fato:
os oprimidos, os rebaixados, toda a enorme massa de escravos e meio-escravos
querem o poder.
·
Primeiro
estágio: libertam-se, - soltam-se, de início imaginariamente, reconhecem-se
entre, defendem-se.
·
Segundo
estágio: entram em guerra, querem reconhecimento, direitos iguais, “justiça”.
·
Terceiro
estágio: querem os privilégios (...).
·
Quarto
estágio: querem sozinhos o poder e o obtêm.
3 - Nenhum filósofo duvidará de qual é
o tipo de perfeição na política: o maquiavelismo.
4 - No fundo, todos juntos somos um
gado e uma plebe que só têm olhos para si.
5 - O “tiranizar” diz respeito aos
grandes homens: eles embrutecem os menores.
6 - O que é medíocre no homem típico?
O fato (...) de combater as situações adversas como se fosse possível passar
sem elas.
ALAIN TURAINE[16] (1925-2023) em “O que é a democracia”?
1 - (...) nos limitamos a definir a
democracia como um conjunto de garantias para evitar a tomada ou manutenção no
poder de uma minoria contra a vontade da maioria.
2 - Para ser democrática, a igualdade
deve significar o direito de cada um escolher e governar sua própria
existência.
3 -Toda tentativa para opor a política
universalista aos atores sociais particularistas culmina na reivindicação de
privilégios e direito de governar feita por uma elite de sábios desligados das
preocupações dos trabalhadores comuns, ou na redução do cenário político ao
choque de interesses particulares.
4 - Um governo nacional ou local que
estivesse a serviço direto da opinião pública teria efeitos deploráveis.
5 - Quase por toda a parte, os grandes
partidos populares de massa constituíram ameaças para a democracia, em vez de
serem seus defensores.
6 - O preço da liberdade não pode ser
a renuncia à identidade.
7 - Só é possível conhecer o interesse
coletivo (ou da maioria) depois de se conhecer os interesses individuais (ou da
minoria).
8 - As revoluções transformam movimentos democráticos em regimes antidemocráticos.
GEORGE ORWELL (1903-1950) em “1984”
1 - [No mundo do Grande Irmão] Nada
pertencia ao indivíduo, com 2 - exceção de alguns centímetros cúbicos dentro do
crânio.
2 - “Quem controla o passado” dizia o
lema do Partido, “controla o futuro; quem controla o presente, controla o
passado”.
3 - As duas metas do Partido são
conquistar toda a superfície da terra e extinguir de uma vez para sempre
qualquer possibilidade de pensamento independente. Um deles é descobrir o que
pensa outro ser humano, e o outro é matar várias centenas de milhões de pessoas
em alguns segundos sem dar aviso prévio.
4 - Só há quatro modos de um grupo
governante abandonar o poder. Ou é vencido de fora, ou governa tão
ineficientemente que as massas são levadas à revolta, ou permite o aparecimento
de um grupo médio forte e descontente, ou perde a confiança em si e a disposição
de governar.
5 - O poder está em se despedaçar os
cérebros humanos e tornar a juntá-los da forma que se bem entender.
6 - Se queres uma imagem do futuro,
pensa numa bota pisando um rosto humano – para sempre.
7 - Nós [o Partido] criamos a natureza
humana. Os homens são infinitamente maleáveis.
8 - [Diz a personagem Julia:] A gente
quer que a coisa aconteça ao outro. Não se importa que sofra. Só nós temos
importância [o militante, o ideologicamente abduzido].
[1] Margareth Hilda Thatcher, foi uma política britânica que exerceu o cargo de primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990 e líder da Oposição
entre 1975 e 1979. Foi a primeira-ministra com o maior período no cargo durante o século XX e a primeira mulher a ocupá-lo.
[2] Yuval Noah Harari (1976-...), professor israelense de
História e autor do best-seller internacional Sapiens: Uma breve história da
humanidade.
[3] Blockchain: tecnologia que possibilita a existência de
moedas criptografadas.
[4] Novilíngua, conceito enunciada por George Orwell em 1948.
[5] Antonio Sebastiano Francesco Gramsci (1891-1937), foi um
filósofo marxista, escritor, teórico político e co-fundador e secretário geral
do Partido Comunista Italiano. Na prisão onde ficou por cerca de 8 anos,
escreveu Cartas do Cárcere, obra hoje fundamental para o pensamento e ações da
extrema esquerda.
[6] O enunciado da Terceira Lei de Newton (Princípio
da Ação e Reação) é descrito da seguinte forma: “A toda ação há
sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de
dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em
sentidos opostos.”
[7] Sobre Democracia Participativa: Conheço casos de tentativa
de democracia como base de decisão empresarial, e que não deu em nada ou deu em
empresa falida, Eu mesmo me envolvi pessoalmente em uma experiência sobre Participação
nos Lucros, no início dos anos 1990.
[8] O supremacista Alexandre de Moraes, defende, em proveito
próprio, que suas ações censoras visam combater a “desinformação”, conceito que
só encontra sentido na mente de um tirano, pois “desinformado” é o indivíduo
que “não tem informação”.
[9] A China tem um sistema de crédito social. Para saber mais,
acesse: https://www.poder360.com.br/internacional/entenda-o-sistema-de-credito-social-planejado-pela-china/
[10] Punição: O STF no Brasil parece estar na liderança deste
tipo de método corretivo.
[11] Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo prussiano, autor
de “Vontade de Poder”, “Assim falou Zaratustra”, “Além do bem e do mal”, e
“Humano, demasiado humano”.
[12] Incluo entre os Corruptos, grande parte do funcionalismo
público, sempre bajulador e braço executivo do poder da ocasião, independente
de sua ideologia. São verdadeiros camaleões políticos e, neste sentido, tal
como os Amortecedores, mas em sentido inverso, buscam a manutenção de seus
privilégios.
[13] Plutocracia (ploutos: riqueza; kratos: poder) seria, em
tese, um sistema político governado por um grupo de pessoas que detém o
poder econômico.
[14] Para saber sobre controle das massas, acesse este link: https://villadobem.com.br/manipulacao_massa/
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