sábado, março 30, 2019

A CONSCIÊNCIA DOS EXCLUÍDOS - Parte IV

Postagens anteriores: A Consciência Dos Excluídos - Parte I - A Consciência Dos Excluídos - Parte II - A Consciência Dos Excluídos - Parte III

Sentir-se excluído do que quer que seja, não enseja como consequência inevitável, tornar-se um assassino solitário ou em série, um suicida, um traficante, um estuprador ou um bandido de qualquer naipe. É preciso ter uma base, um alicerce, que sirva de sustentação para as ações de revolta. 

A psicopatia(*), para uns, é um distúrbio psíquico (condição adquirida por eventos ao longo da vida), enquanto, para outros, é neurológico (genético). Para o que nos interessa, a origem não tem relevância, apenas sua existência, pois significa que o portador desta condição tem como característica fundamental a total insensibilidade aos sentimentos alheios. É este estado emocional que o faz cometer um leque de maldades sem que sinta o mínimo remorso ou culpa de seus atos cruéis (mais adiante discordo parcialmente desta última conclusão) (**).  

Psicopatas sempre existiram, é uma das alternativas de constituição de um ser humano. Seus atos estão apenas mais expostos nos dias atuais, tanto pelo imediatismo da informação, quanto pela tecnologia, basta nos lembrarmos da câmera transmitindo ao vivo o australiano assassinando pessoas na Nova Zelândia. 

A psicopatia, portanto, vem à frente da frustração. Indivíduos no poder não precisam se sentir frustrados para roubar uma empresa estatal - em benefício próprio e de políticos comparsas ou mandantes -, sem pudor, remorso ou culpa, mas só enquanto não são pegos (depois choram e fazem delação premiada). E no caso de executivos em ascensão meteórica, o estímulo da frustração é facilmente substituído pela ganância, o que lhes facilita enormemente destruir competidores, sem dó nem piedade, no trajeto ao topo (***). Assim como o psicopata não precisa da frustração para se manifestar, o frustrado não carece da psicopatia para mostrar sua insatisfação, basta nos reportarmos às manifestações dos coletes amarelos na França, ou à passeata do 13 de junho de 2013, no Brasil.

Há de existir um "elemento-gatilho", algo que dispara a ação psicopata. Acredito que 99% das manifestações psicopatas são contra alvos não rotulados, ou difusos, não personificados. Tais atos são considerados de interpretação moral subjetiva, dependendo de que lado se está. Para o autor da ação, a justificativa é inocente, do tipo "só estou cuidando dos meus interesses", "se não for eu, será outro", e por aí vai. Apenas não olham para trás, e assim não enxergam as vidas despedaçadas que deixam pelo caminho, o contingente de "almas" destruídas (Sérgio Naya em relação às vitimas do Palace II é exemplar).

Sobra-nos o 1% quando o alvo é a aniquilação de vidas humanas. Nestes casos, o gatilho que dispara a ação e aciona a arma, tem origens mais profundas. No meu entender, está no fundo do sentimento de frustração em se ver vítima de um outro, de um grupo social, econômico, étnico, ou de um governo, ou de uma injusta decisão divina. Seja nos tantos estupradores e feminicistas do cotidiano brasileiro; em Adélio, no caso Bolsonaro; nos dois jovens de Suzano; nos tantos outros aderentes ao Estado Islâmico; ao não tão jovem serial-killer de Cristchurch; em todos estes casos, houve um fato "click", o acionador do interruptor que ligou sinapses com destino certo: acabar com a vida de outro(s). 

O leque de "clicks" a que me refiro, é de raio infinito. Pode ser uma mulher em uma rua deserta, pode ser uma dada interpretação do texto sagrado, pode ser, nos dias atuais, o hábito de matar personagens em jogos eletrônicos. 

E aqui estou chegando ao fim destas quatro postagens. Tanto no caso de Cristchurch, quanto no de Suzano, minha convicção é a de que os assassinos agiram sob um surto psicótico que os levou para dentro de um jogo de guerra em uma tela de computador (resultado de psicopatia+frustração+estímulo). Em ambos os casos eles se viram atirando em personagens de desenho animado. Mas em Suzano, aconteceu algo mais. Ao perceber a chegada da polícia, o jovem de 17 anos acorda do transe, percebe o terror de seu ato, mata seu amigo e parceiro, e se suicida (por este fato minha discordância quanto a nunca "sentir o mínimo remorso" citado no 2º parágrafo).

Há quem esteja atribuindo "ao lado negro da internet" a razão de tal massacre. É, como se diz, atribuir ao sofá a traição do cônjuge, ao invés de aceitar o direito inalienável, inevitável, do outro decidir o que fazer com o... sofá. Quantos milhões e milhões de crianças têm estado nestes últimos anos à frente de telas de computador por horas a fio assumindo o controle de personagens rambóticos à caça de inimigos saídos da imaginação de mentes, no mínimo, extremamente criativas? Quantos deles estão se transformando em potenciais reais matadores? Que tal olhá-las como crianças felizes com o prazer de estar brincando com o aquilo que o mundo contemporâneo lhes está a disponibilizar?

Quando criança, adorava jogar búlica(****) na beira do rio (minha mãe me pegava pela orelha para ir almoçar). Para ganhar era preciso não deixar que os outros meninos chegassem primeiro na última búlica. A estratégia era "tecar" com força a bolinha de gude de um adversário, mandando-a para o mais distante possível. Nem por isto, quando adolescente ou adulto, me tornei um atirador de bolas de vidro na cabeça dos outros!!!

Até o próximo tema, espero que no próximo sábado!  



(*) Para saber sobre psicopatas .

(**) Em média, entre 1% e 3% da população mundial pode ser classificada como psicopata. Neste artigo da BBC, você tem mais informações. 

(***) É interessante o que está acontecendo atualmente com Jorge Paulo Lemman - o mago da meritocracia e do ¨fodam-se os demais" -, seus sócios e suas mega-empresas (ver revista Época de março/19).

(****) Conheça as regras do jogo de búlica..


As imagens aqui inclusas foram obtidas na internet e sem identificação de autor. Caso você seja autor de alguma, por favor me informe para que possa incluir o crédito.

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