sábado, fevereiro 08, 2025

HÁ DIFERENÇA ENTRE MORAL E ÉTICA?

Para uns sim, para outros não. Para mim...

Creio que todo mundo já se pegou em dúvida quanto ao significado destas palavras. Muitos não chegaram a uma conclusão e simplesmente largaram de pensar. Vida que segue. Mas há quem se apoquente com dúvidas existenciais, ou morais éticas. Éticas? Ou morais?

Eis que assisto no Youtube um “corte” de um podcast[1] exatamente com esta chamada, onde o entrevistado diz, basicamente, serem os termos equivalentes, sinônimos, e sustenta sua opinião na origem etimológica das palavras. Informa ele que “moral” vem do latim “mores” significando “costume”, enquanto “ethos” vem do grego, significando... “costume”. Consequentemente, “moralis” é o estudo dos costumes em latim, e “ética” é o estudo dos costumes em grego. Simples assim!

Huuummmm! Não é bem assim! Não pra mim.

Vamos por partes. Primeiro, e só pra não deixar passar, costumes latinos são idênticos aos costumes gregos? Deixa pra lá, isso não é relevante para esta discussão.

As raízes da língua portuguesa remontam a mais de dois mil e quinhentos anos, o que,, em princípio, é uma indicação do significado de uma palavra nos tempos modernos. Mas sendo a língua uma entidade viva, que se transforma por sua características de de interpretação subjetiva e maleabilidade de aplicação ao longo do tempo, para se estabelecer o significado presente de um termo, há que se ir um pouco mais fundo na história dos usos dos termos e verificar se não tomaram direções (nuances) diferentes, seja no âmbito erudito, seja no coloquial.

Não me parece ter sido aleatório que Aristóteles tenha dado o título de “Ética a Nicômaco” a uma obra sua que, se não a mais importante, a mais citada, em vez de usar “Moral a Nicômaco”[2]. Em sua escrita, o Filósofo[3]  se dirige ao filho, Nicômaco, mas na realidade  é uma mensagem aos cidadão que viviam sob as regras da polis grega. Não me parece razoável, portanto, que ele tenha pretendido dar “lição de moral” a seu pupilo[4]. Pesquisando na “Grande Rede”, encontrei uma afirmação atribuída ao Filósofo que mostra, IMHO[5], que até ele mesmo estava um tanto confuso quando disse – é o que dizem - que “a moral surge da natureza humana à medida que os seres humanos buscam a felicidade e o bem-estar social”. Danou! 

Analisemos a primeira proposição. Concordo que “a moral surge da natureza humana”, mas a moral nos psicopatas é completamente amoral! O psicopata já nasce psicopata, apenas ele e seus pais só irão descobrir isto quando ele se tornar ministro do STF, quando já será tarde demais.  Desculpem, não resisti!

Quando tratamos da moral, o fazemos como um valor positivo. Quando assumimos que somos indivíduos moralmente íntegros, estamos considerando que somos incapazes de pensamentos, sentimentos e intenções ruins em relação a quem e ao que quer que seja. Quando ajo de acordo com meus valores morais, não estou minimamente preocupado com a opinião, avaliação, interpretação de outrem. Simplesmente me sinto bem porque pensei e/ou agi em nome do bem. Até mesmo a “justiça pública”[6] lida com valores morais. Explico. Aplico a expressão “justiça pública” àquela que lida com os cidadãos a partir de um mesmo conjunto de valores reconhecidos e aceitos por toda uma sociedade. Nesta justiça, não há, pelo menos não deveria haver, nem casos nem indivíduos especiais, “TODOS são iguais perante a lei”[7].

Analisemos agora a segunda proposição. Concordo até “a página 2”[8] que os seres humanos buscam a felicidade e o bem-estar social”. Fora os “mentalmente desequilibrados” em alguma medida, os demais buscam também tal objetivo, pois está até na Constituição Estadunidense[9]. Mas esta não é uma busca moral, pois, me repito, até os psicopatas a buscam, e o fazem com métodos, em sua quase totalidade, amorais, ou até mesmo imorais[10].

E chegamos ao ponto de tratar a “ética” da maneira que a entendo. Acredito que quanto à moral todos estamos de acordo. O problema vem quando nos deparamos com falas, discursos, textos, que citam “a moral e a ética”, pois se os termos têm o mesmo significado, dispensaria o uso de um dos dois, e se são diferentes, teria que estar explicada tal diferença, o que nunca acontece, parecendo esta só existir nos recônditos da mente inescrutável do autor, se é que lá está!!!

Dita esta baboseira toda, vamos “aos finalmentes”.

Depois de muitos neurônios queimados, esfregados e coçados, apaziguei minha angústia “moral e ética” fazendo a seguinte diferenciação:

  A moral diz respeito ao "ser", ao íntimo, aos valores e atos que praticamos independente da cultura, das regras sociais ou da lei. Em síntese, a moral diz respeito ao que faço quando NINGUÉM está olhando e estou livre de julgamentos. Moral é compromisso com meus valores e não importando como foram adquiridos.

·  

A ética diz respeito ao "estar", ao meu exterior, às circunstâncias, às regras que devo respeitar quando inserido na família, na comunidade, numa empresa, em um clube de qualquer natureza e objetivo, em uma cultura, uma sociedade ou país, quando devo agir de acordo com a Lei, independente do meu Ser. Isto, obviamente, se naquele “meio” pretendo me manter, física e psicologicamente, vivo! Em síntese, a ética diz respeito ao que faço quando ALGUÉM está olhando e julgando o que estou fazendo frene a um "código de ética" acordado previamente. Ética é compromisso com valores de outros. Nada mais que “racionalidade prática! para melhor conviver em sociedade, como atribuído a Aristóteles.

Assim como às vezes é nebulosa a fronteira entre o "ser" e o "estar", é nebulosa a fronteira entre a "moral" e a "ética". Me ocorre um exemplo simples: estacionar por "pretensamente" alguns minutos na porta de garagem, é uma questão moral ou ética?

Para responder, talvez ajude observar que a ética não depende de valores morais consequentes da experiência humana vivida por séculos. A ética depende do tempo e espaço em que é exigida, ou seja, a ética é subordinada às circunstâncias. O médico é ético quando exerce sua profissão em estrito respeito às entidades responsáveis por normatizá-las e fiscalizá-las. Aliás, ao se formar e pretender exercer a medicina, há fazer o juramento de Hipócritas. Com o advogado, é ainda mais evidente quando seu trabalho é de defender um homicida confesso. Os valores morais, no exercício honesto de uma profissão, e digo, qualquer profissão, não são relevantes frente o “dever ao código de ética” ao qual a atividade em pauta está subordinada. 

Em minhas observações de casos e reflexões sobre eles, percebi que a moral diz respeito ao equilíbrio e paz de meu eu interior. A ética é o que devo praticar para o equilíbrio e paz com a minha relação com o exterior.

E para quase terminar, vou na mesma “vibe” de exemplo. Algo está muito errado quando um ministro do STF sentencia uma cidadã que escreveu em uma estátua “perdeu mané” - expressão esta dita e propalada por um membro do próprio Supremo -  por estar indignada com o escárnio de um ministro ao povo brasileiro e seu abuso de poder,  e tal ato é punido com uma sentença similar aplicada a um assassino, um traficante renomado de drogas, um estuprador, um pedófilo, ele está sendo absolutamente ético, pois agindo em conformidade, respeito e obediência a interesses e regras ditadas por um grupo que o aprova e sustenta em suas diatribes, por mais que também ele esteja sendo terrivelmente amoral.

Diz Guilherme Freire, o professor e filósofo do podcast, que a “busca da virtude”[11], que significa “rejeitar o vício”, é a base da moral. Você, Leitor, conhece ou consegue imaginar que possa existir um ser humano moralmente psicopata? E um humano psicopaticamente ético?

Fico por aqui.

 

Paulo Vogel

Neste meio, eu sou a mensagem.

Fev/25

 



[1] Podcast Café com Ferri, entrevista o professor de filosofia Guilherme Freire, figurinha já carimbada nas redes.

[2] Por favor, não me considerem pernóstico. Já tentei ler esta obra por duas vezes e não consegui chegar à metade. Se cito Aristóteles é por sua fama de possuir conhecimento e sabedoria em muitas áreas.

[3] O termo "filosofia" foi cunhado por Pitágoras, que o derivou das palavras gregas philo ("amizade", "amor") e sophia ("sabedoria"). 

[4] Ao pesquisar na Wikipedia pelo título da obra, me deparei com a seguinte afirmação: na obra “exposta a sua concepção teleológica e eudaimonista de racionalidade prática (...)”. !!!! Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89tica_a_Nic%C3%B4maco.

[5] Do inglês “In My Humble Opinion”, em português “em minha humilde opinião”.

[6] Em Aristóteles, se encontram definições de “Justiça Geral”, “Justiça Particular” etc. Optei por usar “Justiça Pública” por entender ser mais claro para o que digo.

[7] Artigo 5º da Constituição Brasileira que, desgraçadamente, não vale mais. Eis o que deveria ser respeitado caso valesse: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)”.

[8] É só porque tenho uma tese sobre o “valor maior do interesse” como sendo a busca principal dos seres humanos. Um dia, quem sabe?, mostro minhas ideias.

[9] Assim está redigido o cabeçalho da Constituição Americana: “Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América”.

[10] Amoral: que não leva em consideração preceitos morais; estranho à moral.

Imoral: contrário ao pudor, à decência; libertino, indecente.

[11] “São 4 os elementos da virtude para o homem maduro: Temperança, coragem, justiça (não é igualdade, é senso de proporção no julgamento de equivalência das coisas) e prudência (sabedoria)”. Fonte: o Podcast já referido.