Para
podermos entender como um sistema qualquer de poder funciona, é míster
compreender sua fonte, como se forma e como se sustenta. Este é, portanto, um
texto preparatório para o entendimento de um outro onde irei propor uma reflexão
sobre qual sistema de poder predominará no mundo ocidental no futuro próximo.
Antes de
mais, se me restrinjo à metade ocidental desta nossa laranja cósmica, é por ser
a dimensão geopolítica a que nosso parco entendimento está restrito e,
consequentemente, estamos muito distantes de compreender como as elites e os
povos orientais percebem e tratam as mudanças que estão sendo propostas como
resultado do avanço da digitrônica[1]
em todos os aspectos da vida.
Indo a
fontes de significados, vamos encontrar que poder é “a capacidade de fazer, de realizar algo”. Tal definição é correta,
mas se restringe a apontar para o resultado, principalmente, da ação individual
no âmbito da vida particular de um indivíduo. Este fazer/realizar pode ser
tanto intelectual quanto físico, e pode ser usado para o bem ou para o mal (como
aplicar a força física contra um outro mais fraco ou fazer uso de uma arma contra
um outro pretensamente mais forte). Isto considerado, também será válido o
significado inverso, o de que poder é a “capacidade
de destruir ou impedir a realização de algo”. A origem deste poder é
pontual e se encontra no estado emocional, no interesse do agente e das
circunstâncias no momento de seu uso. O objetivo aqui é buscar a fonte do poder
como instituição política e, portanto, de organização das sociedades.
Nossos
ancestrais homo sapiens[2],
caçadores e coletores viviam, dá para imaginarmos, em pequenos núcleos
“familiares” à mercê de satisfazer suas necessidades básicas de modo bastante
individual. Nada, ou praticamente nada, era produzido em colaboração com outros
indivíduos, até porque nada era produzido, e sim, caçado ou coletado. Mesmo
quando descobriram como plantar para colher, cada um podia ou deveria ter sua
própria horta. Mas os pequenos grupos foram crescendo em número e se tornando “tribos”
– talvez em função de certa melhora na frequência e qualidade da alimentação, e
“produzir” em colaboração – divisão e colaboração do trabalho – foi percebido
como uma solução melhor, menos desgastante individualmente, mais produtiva
coletivamente.
Aqui cabe
inserir uma nota. Não há como saber quando um processo cultural começou, mas
precisamos, para entender a história da civilização, de estabelecer marcos
delimitadores de um “antes” e um “depois”. Apenas um exemplo. Os historiadores
usam como marcador do início da idade média o fim do império Romano. Isto não
significa que há uma data, uma batalha ganha ou perdida, apenas identifica que
na dimensão histórica o destino dos povos ocidentais ganhou outras influências
a partir do início do processo de ascensão de outros povos. O que digo,
portanto, é que em algum momento o individualismo não deu conta de resolver as
novas demandas dos seres humanos, e apenas estou assumindo que o cultivo
intencional em uma escala acima da necessidade individual passou a ser uma
solução melhor. Continuando.
Naquela fase
do desenvolvimento da civilização, quando se passa a produzir de forma
colaborativa, dois novos problemas surgem e precisam de solução: a organização
da produção e a proteção da terra usada para tal. É neste contexto e época que
o poder ganha uma dimensão para além de um atributo pessoal (a força, a arma) e
passa a ser um atributo “concedido”. Um conjunto de indivíduos com um mesmo
problema a solucionar – a organização do trabalho – concordam em conceder a um
deles a tarefa e responsabilidade de determinar como a produção será realizada,
e, consequentemente, de determinar a cada um dos demais o que deve fazer.
Se exponho
desta forma bem simples a questão da origem do poder é porque, (1) é o tema que
mais se discute em nossos dias e (2) porque tenho afirmado em conversas que
“ninguém” TEM poder, mas tão somente recebe de outros a concessão para
exercê-lo em seus nomes e interesses. Minha afirmação é absolutamente reativa
para chamar a atenção de meus interlocutores de que Xandão não tem poder algum
intrínseco à sua gênese, mas é o representante de um conjunto de pessoas e
entidades que, ao lhe delegarem algumas tarefas e “direitos” de “fazer”, estão,
por consequência, comprometidos com aprovar todas as suas decisões e ações,
pelo menos enquanto os interesses deles próprios estiverem sendo plenamente
atendidos e satisfeitos.
A reação a
Bolsonaro nada mais foi do que a percepção de que os habituais garantidores do
poder estavam sendo boicotados, seja por
um desejo utópico do ex-presidente de “mudar o mundo”, seja por um desejo
rasteiro de atender aos interesses de seus próprios garantidores – há
apoiadores tanto destas duas hipóteses quanto de outras intermediárias.
Alguém
formulou que se ninguém obedecer ao “supremo”, nenhum poder ele terá. Como
todos, indivíduos e instituições, estão, neste Brasil de 2023, calados, é de se
entender que os interesses estão sendo atendidos, por enquanto, na dimensão e
qualidade pré-definidas.
Precisamos
ainda dar mais um passo. Com o crescimento populacional, depois do objetivo de
organizar a produção, chegou-se ao problema da propriedade da terra e de sua
proteção. Tribos vizinhas e preguiçosas viram nas terras produtivas a solução para sua própria fome e
não viram nenhum problema em invadi-las e usufruir do produto cultivado, mesmo que
para isso tivessem que matar. Para tal “olho perversamente grande”, as tribos
produtivas se uniram e enxergaram uma solução: criar uma brigada de homens que
“cuidariam” de dar um “corretivo” em outros homens das tribos não adeptas do
esforço pessoal. Neste ponto de nossa trajetória humana, o poder deixou de ser
apenas um instrumento de organização do trabalho e se aprimorou como
instrumento de poder regulador, opressor
e punidor do comportamento do homem em
sociedade. Não estou fazendo juízo moral,
apenas constatando.
O processo
de vingança a que estamos submetidos como sociedade neste ano (e sem enxergarmos
um horizonte de fim), é a vingança e a punição dos recalcitrantes e desavisados.
Tal momento e fatos expõem as entranhas apodrecidas de nosso sistema político.
Simplificadamente podemos dividir os brasileiros que minimamente têm
envolvimento com tais discussões, entre dois grupos: os perplexos, assustados
e, ainda, sem bandeira, sem rumo, sem líder, e os COCOCOS, covardes e corruptos
(todo corrupto é um covarde, e todo covarde se torna corrupto, ambos para
sobreviver e por lhes faltar coragem moral) e os coniventes beneficiários
temporários, os sujeitos ocultos de uma oração subordinada ao interesse
umbilical.
Repito. O
poder político, em especial, é um poder concedido. Revogada a concessão,
revogado está o poder.
Toda essa conversa minha tem um fundamento. Estou com a paciência esgotada de ouvir[3] jornalistas renomados e outros alçados à proeminência de seus 15... segundos, ficarem a criticar as arbitrárias ações de atuais “elegidos” pela oligarquia de sempre, clamando por uma Constituição e outras leis de menor importância que são absoluta e integralmente ignoradas por tais “supremos”. O ex-Brasil é resultado deste novo processo de constituir um novo Estado, qual seja, o de um governo que não prescinde de leis, basta a vontade do tirano de plantão. Constatar que 250 anos depois volta-se à "verdade" de que "o Estado sou eu" é a prova de que a história se repete, inexoravelmente!
Antes de deixar meu leitor aproveitar melhor seu dia, quero chamar a atenção para o que aconteceu (e acontece) na distribuição e acumulação de capital na digitrônica. O conceito de “cauda longa”[4] que surgiu na virada do milênio criou fortunas imensuráveis em um bit de tempo. Empresas e indivíduos estão fazendo fortunas e mudando o modo de como o poder do capital interfere em nossas decisões e nos destinos de nossas vidas. E este, apesar de ser um poder que nós concedemos, também é um poder impingindo pela tecnologia, pois se não cedermos, temos a sensação de que estamos perdendo algo, algo que não sabemos o que é, nem as consequências de se o perdermos.
Fique em
paz!
Esta é a síntese da mensagem! |
[1] Digitrônica é o termo que uso para sintetizar a revolução provocada pelas tecnologias digitais e eletrônicas surgidas e aprimoradas nas últimas 3 décadas.
[2] Antropólogos situam a condição de “homo
sapiens” às capacidades surgidas há 300 mil anos. Fonte: wikipedia.org
[3] E olha que eu nem mesmo assisto canais de
TV há décadas, mas do tal do Whatsapp ainda não consegui me livrar e é por ele
que os “podcasts” me atingem em cheio.
[4] Explicação simples para a “cauda longa”: é
disponibilização de um produto digital por um preço ínfimo para uma quantidade
absurda de consumidores. Antes assinávamos um jornal por X reais ao mês, hoje
assinamos 10 canais de YouTube por 1/5 de X. Faça a conta e descubra que este
exemplo dá 2X de gasto.