domingo, agosto 20, 2023

A FONTE DO PODER

 


Para podermos entender como um sistema qualquer de poder funciona, é míster compreender sua fonte, como se forma e como se sustenta. Este é, portanto, um texto preparatório para o entendimento de um outro onde irei propor uma reflexão sobre qual sistema de poder predominará no mundo ocidental no futuro próximo.

Antes de mais, se me restrinjo à metade ocidental desta nossa laranja cósmica, é por ser a dimensão geopolítica a que nosso parco entendimento está restrito e, consequentemente, estamos muito distantes de compreender como as elites e os povos orientais percebem e tratam as mudanças que estão sendo propostas como resultado do avanço da digitrônica[1] em todos os aspectos da vida.

Indo a fontes de significados, vamos encontrar que poder é “a capacidade de fazer, de realizar algo”. Tal definição é correta, mas se restringe a apontar para o resultado, principalmente, da ação individual no âmbito da vida particular de um indivíduo. Este fazer/realizar pode ser tanto intelectual quanto físico, e pode ser usado para o bem ou para o mal (como aplicar a força física contra um outro mais fraco ou fazer uso de uma arma contra um outro pretensamente mais forte). Isto considerado, também será válido o significado inverso, o de que poder é a “capacidade de destruir ou impedir a realização de algo”. A origem deste poder é pontual e se encontra no estado emocional, no interesse do agente e das circunstâncias no momento de seu uso. O objetivo aqui é buscar a fonte do poder como instituição política e, portanto, de organização das sociedades.

Nossos ancestrais homo sapiens[2], caçadores e coletores viviam, dá para imaginarmos, em pequenos núcleos “familiares” à mercê de satisfazer suas necessidades básicas de modo bastante individual. Nada, ou praticamente nada, era produzido em colaboração com outros indivíduos, até porque nada era produzido, e sim, caçado ou coletado. Mesmo quando descobriram como plantar para colher, cada um podia ou deveria ter sua própria horta. Mas os pequenos grupos foram crescendo em número e se tornando “tribos” – talvez em função de certa melhora na frequência e qualidade da alimentação, e “produzir” em colaboração – divisão e colaboração do trabalho – foi percebido como uma solução melhor, menos desgastante individualmente, mais produtiva coletivamente.

Aqui cabe inserir uma nota. Não há como saber quando um processo cultural começou, mas precisamos, para entender a história da civilização, de estabelecer marcos delimitadores de um “antes” e um “depois”. Apenas um exemplo. Os historiadores usam como marcador do início da idade média o fim do império Romano. Isto não significa que há uma data, uma batalha ganha ou perdida, apenas identifica que na dimensão histórica o destino dos povos ocidentais ganhou outras influências a partir do início do processo de ascensão de outros povos. O que digo, portanto, é que em algum momento o individualismo não deu conta de resolver as novas demandas dos seres humanos, e apenas estou assumindo que o cultivo intencional em uma escala acima da necessidade individual passou a ser uma solução melhor. Continuando.

Naquela fase do desenvolvimento da civilização, quando se passa a produzir de forma colaborativa, dois novos problemas surgem e precisam de solução: a organização da produção e a proteção da terra usada para tal. É neste contexto e época que o poder ganha uma dimensão para além de um atributo pessoal (a força, a arma) e passa a ser um atributo “concedido”. Um conjunto de indivíduos com um mesmo problema a solucionar – a organização do trabalho – concordam em conceder a um deles a tarefa e responsabilidade de determinar como a produção será realizada, e, consequentemente, de determinar a cada um dos demais o que deve fazer.

Se exponho desta forma bem simples a questão da origem do poder é porque, (1) é o tema que mais se discute em nossos dias e (2) porque tenho afirmado em conversas que “ninguém” TEM poder, mas tão somente recebe de outros a concessão para exercê-lo em seus nomes e interesses. Minha afirmação é absolutamente reativa para chamar a atenção de meus interlocutores de que Xandão não tem poder algum intrínseco à sua gênese, mas é o representante de um conjunto de pessoas e entidades que, ao lhe delegarem algumas tarefas e “direitos” de “fazer”, estão, por consequência, comprometidos com aprovar todas as suas decisões e ações, pelo menos enquanto os interesses deles próprios estiverem sendo plenamente atendidos e satisfeitos.

A reação a Bolsonaro nada mais foi do que a percepção de que os habituais garantidores do poder estavam  sendo boicotados, seja por um desejo utópico do ex-presidente de “mudar o mundo”, seja por um desejo rasteiro de atender aos interesses de seus próprios garantidores – há apoiadores tanto destas duas hipóteses quanto de outras intermediárias.

Alguém formulou que se ninguém obedecer ao “supremo”, nenhum poder ele terá. Como todos, indivíduos e instituições, estão, neste Brasil de 2023, calados, é de se entender que os interesses estão sendo atendidos, por enquanto, na dimensão e qualidade pré-definidas.

Precisamos ainda dar mais um passo. Com o crescimento populacional, depois do objetivo de organizar a produção, chegou-se ao problema da propriedade da terra e de sua proteção. Tribos vizinhas e preguiçosas viram nas terras  produtivas a solução para sua própria fome e não viram nenhum problema em invadi-las e usufruir do produto cultivado, mesmo que para isso tivessem que matar. Para tal “olho perversamente grande”, as tribos produtivas se uniram e enxergaram uma solução: criar uma brigada de homens que “cuidariam” de dar um “corretivo” em outros homens das tribos não adeptas do esforço pessoal. Neste ponto de nossa trajetória humana, o poder deixou de ser apenas um instrumento de organização do trabalho e se aprimorou como instrumento de poder regulador,  opressor e punidor do comportamento do  homem em sociedade.  Não estou fazendo juízo moral, apenas constatando.

O processo de vingança a que estamos submetidos como sociedade neste ano (e sem enxergarmos um horizonte de fim), é a vingança e a punição dos recalcitrantes e desavisados. Tal momento e fatos expõem as entranhas apodrecidas de nosso sistema político. Simplificadamente podemos dividir os brasileiros que minimamente têm envolvimento com tais discussões, entre dois grupos: os perplexos, assustados e, ainda, sem bandeira, sem rumo, sem líder, e os COCOCOS, covardes e corruptos (todo corrupto é um covarde, e todo covarde se torna corrupto, ambos para sobreviver e por lhes faltar coragem moral) e os coniventes beneficiários temporários, os sujeitos ocultos de uma oração subordinada ao interesse umbilical.

Repito. O poder político, em especial, é um poder concedido. Revogada a concessão, revogado está o poder.

Toda essa conversa minha tem um fundamento. Estou com a paciência esgotada de ouvir[3] jornalistas renomados e outros alçados à proeminência de seus 15... segundos, ficarem a criticar as arbitrárias ações de atuais “elegidos” pela oligarquia de sempre, clamando por uma Constituição e outras leis de menor importância que são absoluta e integralmente ignoradas por tais “supremos”. O ex-Brasil é resultado deste novo processo de constituir um novo Estado, qual seja, o de um governo que não prescinde de leis, basta a vontade do tirano de plantão. Constatar que 250 anos depois volta-se à "verdade" de que "o Estado sou eu" é a prova de que a história se repete, inexoravelmente!

Antes de deixar meu leitor aproveitar melhor seu dia, quero chamar a atenção para o que aconteceu (e acontece) na distribuição e acumulação de capital na digitrônica. O conceito de “cauda longa”[4] que surgiu na virada do milênio criou fortunas imensuráveis em um bit de tempo. Empresas e indivíduos estão fazendo fortunas e mudando o modo de como o poder do capital interfere em nossas decisões e nos destinos de nossas vidas. E este, apesar de ser um poder que nós concedemos, também é um poder impingindo pela tecnologia, pois se não cedermos, temos a sensação de que estamos perdendo algo, algo que não sabemos o que é, nem as consequências de se o perdermos.

Fique em paz!

 

Esta é a síntese da mensagem!

 


[1] Digitrônica é o termo que uso para sintetizar a revolução provocada pelas tecnologias digitais e eletrônicas surgidas e aprimoradas nas últimas 3 décadas.

[2] Antropólogos situam a condição de “homo sapiens” às capacidades surgidas há 300 mil anos. Fonte: wikipedia.org

[3] E olha que eu nem mesmo assisto canais de TV há décadas, mas do tal do Whatsapp ainda não consegui me livrar e é por ele que os “podcasts” me atingem em cheio.

[4] Explicação simples para a “cauda longa”: é disponibilização de um produto digital por um preço ínfimo para uma quantidade absurda de consumidores. Antes assinávamos um jornal por X reais ao mês, hoje assinamos 10 canais de YouTube por 1/5 de X. Faça a conta e descubra que este exemplo dá 2X de gasto.