Apesar de passados 27 anos desde a publicação da primeira edição, é desconcertante, atordoante, a atualidade de suas análises, tanto em relação ao mundo como quanto ao que se pode aplicar para o entendimento do que vivemos no Brasil.
A seguir, reproduzo algumas passagens para dar uma ideia do que estou dizendo. Muito mais há além disso, especialmente sobre moralidade na pós-modernidade. O extrato completo você acessa aqui.
(*) Só foi publicado no Brasil em 2011, pela Zahar!!!
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Sobrevivência é o
nome do jogo, e a sobrevivência em questão é, em regra, sobreviver até o próximo
por do sol. As coisas são tomadas à medida que se apresentam, esquecidas à
medida que se vão.
Determinação
para viver um dia de cada vez, descrever a vida cotidiana como uma sucessão de
pequenas emergências, passam a ser os princípios orientadores de toda conduta
racional.
[Segundo George Steiner,
no mundo atual, a mensagem a ser transmitida é construída para ter] impacto máximo e obsolescência instantânea,
uma vez que o espaço por ela ocupado precisa ser esvaziado tão logo tenha sido
preenchido, para abrir espaço a novas mensagens que já forçam a entrada.
Ruas
hoje arrumadas se tornam perigosas amanhã, as fábricas desaparecem com os
postos de trabalho, habilidades não encontram mais compradores, o conhecimento
se transforma em ignorância, a experiência profissional se converte em
deficiência, redes de relações seguras desmoronam e enlameiam o espaço com lixo
pútrido.
O
cotidiano deve ser cada vez mais sangrento, chocante e, além do mais,
"criativo", a fim de despertar algum sentimento que seja, e
verdadeiramente chamar a atenção.
Um sintoma amplamente
divulgado do retorno da violência é a crescente dificuldade em manter separada
orientação paterna firme e abuso infantil; flerte e assedio, investida sexual e
atentado violento ao pudor.
"A
tecnologia se desenvolve porque se desenvolve"; cada vez mais novos meios
são criados seguindo apenas seu próprio ímpeto (o ímpeto dos laboratórios de
pesquisa e dos lucros do marketing).
É banal dizer que
se pode matar hoje sem nunca olhar a vitima no rosto. Depois que afundar uma
faca num corpo, estrangular ou atirar a curta distância foram substituídos por
pontos que se deslocam numa tela de computador - como se faz nos divertidos
consoles de viedogame ou na tela de um Nintendo portátil -, o assassino não precisa mais ser impiedoso. Ele não tem a
oportunidade de sentir piedade. Este, entretanto, é o aspecto mais óbvio e
trivial, ainda que o mais dramático, de "uma ação à distância".
Os vira-latas de
ontem eram os não produtores; os de hoje, são os não consumidores.
O
divórcio entre a autarquia política e autarquia econômica não poderia ser mais
completo, e parece irreversível.
A disputa pela
soberania torna-se cada vez mais a competição por um melhor negócio na
distribuição mundial de capital. Isso se aplica aos dois tipos de clamor por
soberania ora observados. De um lado, os provenientes de localidades prósperas,
como a Lombardia (Itália), a Catalunha (Espanha) (...)
[Uma explicação para
o que enfrentamos nos relacionamentos com as empresas nos dias atuais.] As
organizações se defendem [de nós] através do fenômeno da "flutuação de
responsabilidade". Considerando que o membro da organização siga suas
regras fielmente e faça o que seus superiores lhe disseram para fazer, não é
ele quem assume a responsabilidade por qualquer efeito que sua ação possa
produzir sobre seus objetivos. Quem assume, então? A questão é atordoante, uma
vez que todos os outros membros da organização também seguem procedimentos e
ordens. Parece, diz Hannah Arendt, que a organização é governada por ninguém -
ou seja, é movida apenas pela lógica impessoal de princípios autopropulsores.
Nas
palavras de Mulgan,
"o egoísmo e a ganância, além da corrupção no governo e nas empresas,
passaram a ser as marcas distintivas da era
neoconservadora.
[E quanto à sua
história de fidelidade com as empresas, especialmente com bancos, não valer
mais de nada] cada transação comercial, para ser verdadeiramente racional, deve
começar do zero, esquecendo méritos passados e dívidas de gratidão.
Num mundo em mudança, à deriva, que possível
beneficio pode um indivíduo obter da união de forças com outros também em
destroços?
Quem precisa de
política quando os interesses e significados seguem direções apartadas? O
interesse pela política sempre teve seus altos e baixos, mas agora parece que
conhecemos uma cepa totalmente nova do vírus da apatia eleitoral.
Mais
importante e ainda menos provável é a perspectiva de um esforço legislativo que
siga imperativos éticos de longo prazo, em vez de ser empurrado como um
plâncton por cálculos e ganhos eleitorais imediatos e de curta duração.
As
pessoas podem influenciar os assuntos que lhes digam respeito de duas maneiras:
por meio da voz ou por meio da saída. A diferença entre voz e saída é a
diferença entre compromisso e desprendimento, responsabilidade e indiferença,
ação política e apatia.
O perigo é de a
sede humana de controle e supremacia degenerar em crueldade e opressão
desumanas.