Venho insistindo que a democracia tem que ser reinventada. Enquanto não, o Brasil, principalmente, vem aprimorando dia-a-dia uma caocracia(*), o governo do caos, onde ninguém governa, os poderes se confundem e se confrontam, e os cidadãos, principalmente agora quando não tendo o que mais fazer, se afogam em debates midiáticos e digitais ao sabor dos interesses de forças que disputam o poder pelo direito de saquear os cofres públicos.
Na minha vida como publicitário, aprendi que por mais inteligente, criativa, instigante que uma campanha publicitária seja, não se mantém em pé depois de meia hora de questionamentos. Um casamento, por mais juras, não se sustenta. Uma amizade, por mais enraizada e profunda, não resiste. Mesmo o mais íntegro dos seres humanos se verá arrasado, derrotado, depois de enfrentar um bombardeio de suposições, invasão de vida pessoal e levantamento de dúvidas sobre intenções imaginadas escusas. Mas é exatamente isto que estamos vivendo todos os dias, todas as horas, um constante ataque a não importa o quê o Presidente diga ou faça.
Quando a democracia foi imaginada, o tempo era muito longo. Pra tudo. De cozinhar a conquistar outros povos, levava um tempo muito maior do que agora. O microondas e novos vírus oriundos de condições de saúde pública precárias, oferecem solução mais imediata! Na Ágora ateniense, em uma pracinha com meia dúzia de gente sem ter o que fazer, o representante do imperador colocava em discussão aquilo que lhe interessava e, através de uma boa retórica, aprovava sua pauta. Dali até uma nova "assembleia", passariam meses ou mesmo anos.
Hoje, no mundo, todos os que têm recursos de acesso à digitrônica se sentem impelidos a participar. No Brasil, todos, eu incluso, se sentem aptos a opinar sobre tudo com a veemência dos pretensos especialistas, enquanto especialistas são bombardeados com ataques dos que ignoram sobre o que falam e escrevem. Um mar de blogueiros e youtubers a conquistar cliques que os levem aos píncaros de seus 15... segundos de fama.
Mas na caocracia tudo é imediato, tudo "precisa" ser publicado agora porque toda opinião perde a validade em poucas horas. Nesta caocracia, tudo é possível, todos podem, ninguém é responsabilizado, não há limites, não há princípios, ou melhor, o princípio é destruir para conquistar. Ética e moral se tornaram absolutamente relativas ou simplesmente postas de lado, haja vista a falta delas nas atitudes de Moro ao deixar o ministério.
Na nossa caocracia de ocasião, os três poderes se auto-questionam em seus papéis. O legislativo quer governar - Rodrigo Maia quer atuar como primeiro ministro -, o judiciário quer interferir no Congresso - Celso de Mello pede explicações a Maia sobre não pautar pedidos de impeachment, uma questão de regimento do poder legislativo -, o executivo tem seus decretos não votados pela câmara - porque Maia deixa caducar prazos propositalmente -, nomeações são anuladas por razões sem pé nem cabeça - Alexandre de Moraes impede nomeação do Diretor da Polícia Federal por este ser amigo de Bolsonaro. Enquanto isso governadores querem o dinheiro do governo federal mas não querem se submeter a um plano nacional de combate ao COVID-19. Sem contar que três direitos constitucionais são violados sem qualquer rubor: 1) O direito de ir e vir por governadores algemando cidadãos no exercício de sua liberdade; 2) o direito de manifestar opinião em manifestação pública pelo Ministro, novamente, Alexandre de Moraes, a pedido do Procurador Geral, Augusto Aras, alegando atos "antidemocráticos"; e 3) o direito ao sigilo de resultado de exames pela juíza Ana Lúcia Petri Betto que deu 48 horas para Bolsonaro e pelo deputado Rogério Correia do PT que lhe deu 30 dias, o que ressalta o completo non-sense do status atual da pandemia que infecta nossas instituições.
Neste grande jogo político, antes jogado por elites intelectuais e/ou políticas sedentas de meter a mão nos recursos do Estado em benefício próprio, tem agora como partícipes todos nós - antes apenas almas de uma massa informe de manobra -, agora nos vemos pretensos e ilusórios protagonistas de nossos destinos moldados por robôs formadores e interpretadores de nossos desejos contabilizados por likes e dislikes.
Nesta grande caocracia do sul, nesta era digitrônica que já chega perto dos 30 anos, quem perde eleição não aceita derrota, abre mão de fazer oposição construtiva para agir destrutivamente. Basta-nos ver a quantidade de impeachments solicitados ao longo destes anos: FHC (27), Lula (37), Dilma (68), Temer (33) e Bolsonaro já passando dos 30.
Para encerrar, inspiro-me no poeta Petrarca (**):
impichar
é preciso,
governar
não é preciso.
(*) Criei o termo caocracia - o governo do caos - para identificar uma democracia que precisa ser reinventada antes que o caos que se observa atualmente justifique a chegada de uma autocracia de direita ou simplesmente uma ditadura de esquerda, ambas desejada por duas minorias opostas de brasileiros. O termo provém do grego Χάος, (Cháos ou "caos"), e de κράτος (kratos ou "poder").
(**) Francisco Petrarca nasceu em 20 de julho de 1304, Arezzo, Itália. Foi um intelectual, poeta e humanista italiano, famoso, principalmente, devido ao seu romanceiro. É considerado o inventor do soneto, tipo de poema composto de 14 versos. "Fonte: Wikipédia
Na minha vida como publicitário, aprendi que por mais inteligente, criativa, instigante que uma campanha publicitária seja, não se mantém em pé depois de meia hora de questionamentos. Um casamento, por mais juras, não se sustenta. Uma amizade, por mais enraizada e profunda, não resiste. Mesmo o mais íntegro dos seres humanos se verá arrasado, derrotado, depois de enfrentar um bombardeio de suposições, invasão de vida pessoal e levantamento de dúvidas sobre intenções imaginadas escusas. Mas é exatamente isto que estamos vivendo todos os dias, todas as horas, um constante ataque a não importa o quê o Presidente diga ou faça.
Ágora ateniense |
Hoje, no mundo, todos os que têm recursos de acesso à digitrônica se sentem impelidos a participar. No Brasil, todos, eu incluso, se sentem aptos a opinar sobre tudo com a veemência dos pretensos especialistas, enquanto especialistas são bombardeados com ataques dos que ignoram sobre o que falam e escrevem. Um mar de blogueiros e youtubers a conquistar cliques que os levem aos píncaros de seus 15... segundos de fama.
Mas na caocracia tudo é imediato, tudo "precisa" ser publicado agora porque toda opinião perde a validade em poucas horas. Nesta caocracia, tudo é possível, todos podem, ninguém é responsabilizado, não há limites, não há princípios, ou melhor, o princípio é destruir para conquistar. Ética e moral se tornaram absolutamente relativas ou simplesmente postas de lado, haja vista a falta delas nas atitudes de Moro ao deixar o ministério.
Na nossa caocracia de ocasião, os três poderes se auto-questionam em seus papéis. O legislativo quer governar - Rodrigo Maia quer atuar como primeiro ministro -, o judiciário quer interferir no Congresso - Celso de Mello pede explicações a Maia sobre não pautar pedidos de impeachment, uma questão de regimento do poder legislativo -, o executivo tem seus decretos não votados pela câmara - porque Maia deixa caducar prazos propositalmente -, nomeações são anuladas por razões sem pé nem cabeça - Alexandre de Moraes impede nomeação do Diretor da Polícia Federal por este ser amigo de Bolsonaro. Enquanto isso governadores querem o dinheiro do governo federal mas não querem se submeter a um plano nacional de combate ao COVID-19. Sem contar que três direitos constitucionais são violados sem qualquer rubor: 1) O direito de ir e vir por governadores algemando cidadãos no exercício de sua liberdade; 2) o direito de manifestar opinião em manifestação pública pelo Ministro, novamente, Alexandre de Moraes, a pedido do Procurador Geral, Augusto Aras, alegando atos "antidemocráticos"; e 3) o direito ao sigilo de resultado de exames pela juíza Ana Lúcia Petri Betto que deu 48 horas para Bolsonaro e pelo deputado Rogério Correia do PT que lhe deu 30 dias, o que ressalta o completo non-sense do status atual da pandemia que infecta nossas instituições.
Neste grande jogo político, antes jogado por elites intelectuais e/ou políticas sedentas de meter a mão nos recursos do Estado em benefício próprio, tem agora como partícipes todos nós - antes apenas almas de uma massa informe de manobra -, agora nos vemos pretensos e ilusórios protagonistas de nossos destinos moldados por robôs formadores e interpretadores de nossos desejos contabilizados por likes e dislikes.
Nesta grande caocracia do sul, nesta era digitrônica que já chega perto dos 30 anos, quem perde eleição não aceita derrota, abre mão de fazer oposição construtiva para agir destrutivamente. Basta-nos ver a quantidade de impeachments solicitados ao longo destes anos: FHC (27), Lula (37), Dilma (68), Temer (33) e Bolsonaro já passando dos 30.
Para encerrar, inspiro-me no poeta Petrarca (**):
impichar
é preciso,
governar
não é preciso.
(*) Criei o termo caocracia - o governo do caos - para identificar uma democracia que precisa ser reinventada antes que o caos que se observa atualmente justifique a chegada de uma autocracia de direita ou simplesmente uma ditadura de esquerda, ambas desejada por duas minorias opostas de brasileiros. O termo provém do grego Χάος, (Cháos ou "caos"), e de κράτος (kratos ou "poder").
(**) Francisco Petrarca nasceu em 20 de julho de 1304, Arezzo, Itália. Foi um intelectual, poeta e humanista italiano, famoso, principalmente, devido ao seu romanceiro. É considerado o inventor do soneto, tipo de poema composto de 14 versos. "Fonte: Wikipédia