quarta-feira, dezembro 22, 2021

OS ARTIGOS FEDERALISTAS - Os Homens e o Phoder

Nenhum homem pode ter certeza de que amanhã não será a vítima de um espírito de injustiça que hoje o beneficia.

Alexander Hamilton, um dos “pais fundadores”.

 


Temos a tendência de achar que nossos males são exclusivos. Expressões que começam com “no Brasil as coisas...”, “o brasileiro é...”, “na Suíça não aconteceria (tal coisa)” e outros “ditos” do gênero são comuns em conversas de botequim, barbearias e salões de beleza, academias de ginástica (também em academias de letras), passando por conversa em jantar de amigos e em outras oportunidades menos votadas. Inevitavelmente são recheadas de informações e dados falsos! Acontece que tais expressões são repetidas, em sua maioria, em qualquer país constante do Atlas. Afirmar inferioridade cultural e moral frente a outros povos e nações, é uma prática quase universal (suíço faz isso?).

Lendo os “Artigos Federalistas”, esse sentimento aflora e se reforça a cada página, e evidencia uma outra realidade: mais de 10 gerações depois de escritos, grande parte do que ali foi dito tem total validade e relevância para as reflexões que hoje se desejar fazer sobre que princípios e regras deve uma Constituição[1] ser elaborada, ou como a atuação de qualquer dos 3 poderes deve se pautar.  


AINDA SOBRE A NATUREZA HUMANA

Hamilton bota logo o dedo na ferida ao tratar dos obstáculos e resistências que iriam encontrar para a aprovação de uma Constituição Republicana que integraria, mas também subordinaria os Estados, de alguma forma, a um governo central. Como um dos focos de resistência ele cita a realidade da “ambição depravada” de “homens que desejarão se locupletar à custa da confusão instalada” ou “se iludirão com possibilidades mais sedutoras de ascensão” num outro cenário que não o de ”sua união sob um único governo”.

Como consequência das resistências, seja por qual motivo for, Hamilton tem a convicção de que “Uma torrente de paixões raivosas e malignas será desencadeada”. E acrescenta: “É tão forte essa propensão da humanidade a descambar em animosidades mútuas que, ali onde nenhuma oportunidade real se apresentava, as mais frívolas e fantasiosas distinções foram suficientes para atiçar suas paixões hostis e fomentar os mais violentos conflitos”.

Hamilton finaliza derrubando qualquer ilusão quanto à perfeição do sistema: “É inútil dizer que estadistas esclarecidos serão capazes de ajustar esses interesses conflitantes e submetê-los todos ao bem público.” E não deixa de lembrar aos sonhadores que “nem sempre haverá estadistas esclarecidos no poder.”

 

SOBRE OS HOMENS NO PHODER

Já percebemos que muito do mostrado até aqui, tanto por Hamilton quanto Madison, traz à superfície características do ser humano normalmente deixadas no fundo do poço de nossos medos, e são elas que constroem a espinha sustentadora das decisões políticas.

“Se os homens fossem anjos”, aponta Madison, “não seria necessário governo algum”, e, de outro modo, “se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles”. Em decorrência, controlar os governados e controlar a si próprio, se torna essência no ato de governar.

Pouco se pode esperar de um conjunto qualquer de homens no poder se considerarmos como verdadeira a afirmação de Hamilton de que “é um fato conhecido da natureza humana que suas afeições são em geral tanto mais fracas quanto mais seu objeto é distante ou difuso”. No caso do Brasil, a possibilidade do efeito pernicioso de uma “distância” tende a ser muito mais efetivo porque vem em acréscimo a uma realidade geograficamente distante.

Este distanciamento da realidade vivida pelo povo provavelmente está na raiz de momentos em que “o legislativo poderá estar em oposição ao povo, e em outras o povo poderá estar inteiramente neutro”. Quando uma destas circunstâncias estiver prevalecendo, Hamilton vai buscar solução no poder  executivo que deverá “ousar pôr em prática seu próprio pensamento com vigor e decisão”.

Hamilton prossegue nesta visão que me parece bem cruel da atividade política. “Nas repúblicas, pessoas guindadas acima do conjunto da comunidade pelo sufrágio de seus concidadãos (...) podem encontrar grandes compensações para trair a confiança deles, o que, para mentes não movidas por virtude superior, pode parecer superar sua participação no interesse comum de compensar os imperativos do dever.” E se o “hábito faz o monge”, Hamilton reafirma o ditado dizendo que “o homem é, em grande medida, um filho do hábito”.

Hamilton então nos apresenta duas questões. “Não estão as assembleias populares frequentemente sujeitas aos impulsos da raiva, do ressentimento do ciúme, da avareza e de outras propensões irregulares e violentas? Não é bem sabido que as determinações dessas assembleias são muitas vezes ditadas por uns poucos indivíduos em que elas depositam confiança, ficando obviamente sujeitas a ser afetadas pelas paixões e opiniões deles?

Mas não só de más intenções, de canalhices, de conchavos espúrios que são pautadas as decisões de uma assembleia. Há razões honestamente justificadas. Hamilton fala que “muitas vezes os homens se opõem a alguma coisa por não terem tido nenhuma participação” no desenrolar do processo de decisão. Em situações como essa, ao dar um voto de não aprovação, “a oposição se torna, a seus próprios olhos, um dever de autoestima”.

Possivelmente tocado pelo ceticismo manifesto por Hamilton, Madison olha para um outro lado e vem lembrar que “o objetivo de toda organização política é, ou deveria ser, em primeiro lugar, obter como governantes os homens dotados da maior sabedoria, para discernir o bem comum, e da maior virtude, para promovê-lo”.

Ele vem mostrar também a importância da liberdade para garantir o direito do povo manifestar desaprovação a decisões do Congresso. Ele pergunta: “O que impedirá os membros [do parlamento americano] de fazer discriminações legais em favor de si mesmos e de uma classe da sociedade?”. Ele mesmo dá a resposta: “Acima de tudo o espírito vigilante e varonil que move o povo da América – um espírito que alimenta a liberdade e é, em troca, alimentado por ela”.

Madison também tem visões práticas. Ele constata que eleições periódicas tendem a mudar a metade dos representantes em suas assembleias: “Desta mudança de homens decorre inevitavelmente uma mudança de opiniões, e desta, uma mudança de diretrizes”. A “consequência inevitável” desta mudança contínua de diretrizes, independente de serem boas, “é incompatível com todas as regras da prudência e perspectivas de êxito”.

E para finalizar, ainda cito Madison ao se preocupar com o que é um dos maiores problemas do Brasil: o impulso criador de leis. “De pouco servirá ao povo que as leis sejam feitas por homens de sua própria escolha se estas forem tão volumosas que não possam ser lidas ou tão incoerentes que não possam ser compreendidas; (...) ou sofrerem alterações tão incessantes que já ninguém que saiba hoje o que é a lei possa adivinhar o que será amanhã”. Esta é uma das realidades, infeliz e insana, a atrasar o desenvolvimento do Brasil.

Jamais concordei com quem pensa e diz que “o povo não sabe votar”. Para mim isto sempre significou simplesmente o seguinte: “O povo não votou como eu queria”. Minha convicção sempre foi de que o povo sempre vota a favor de suas mais prementes necessidades e desejos. Em Madison, encontrei um parceiro desta certeza: “O povo é incapaz de trair deliberadamente os próprios interesses”.

Fico por aqui. Espero que o contato com algumas das ideias dos “pais fundadores” dos Estados Unidos da América esteja ajudando o Leitor a enxergar com ainda mais clareza onde está o famoso “busílis” da questão da diferença sócio-econômica abissal entre estes dois gigantes territoriais nascidos com poucos meses de diferença.

Boas Festas! Bom final de ano. Aproveite seus dias de folga ou férias. Com ou sem máscara. Vacinado com a primeira ou enésima dose. Ou mesmo não vacinado. Eu volto no ano que vem, com

Bolsonaro 2022! Dois passos à frente, nem um passo atrás!

 

FUI!!!



[1] A propósito, deixo aqui os links para as constituições do Brasil e dos Estados Unidos. No caso da Constituição Americana, aconselho seguir por este conteúdo na Wikipédia. Quanto à nossa Constituição, você encontra a íntegra neste link.

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LEMBRE-SE: 
O objetivo principal deste blog é expor a hipocrisia que nos cerca e envolve, nos cega e conduz, e nos ajuda a tocar a vida de um jeito "me engana que eu gosto".

domingo, dezembro 19, 2021

OS ARTIGOS FEDERALISTAS – E o Brasil de 2021

 

É uma verdade atestada pela experiência de todas as eras que o povo está em geral mais ameaçado quando os meios de violar seus direitos estão na posse daqueles de quem ele menos suspeita.

Alexander Hamilton, um dos “pais fundadores”.


Enquanto os americanos têm 234 anos de estabilidade constitucional, os brasileiros têm 130[1] de golpes e retrocessos institucionais. Faz algum tempo andei me perguntando que circunstâncias tornaram os Estados Unidos da América “a” mais bem sucedida democracia capitalista do mundo, enquanto, em idêntico período, o Brasil cavou um pib-abismo de distância? Hoje posso me responder com um certo grau de convicção que a estabilidade institucional fez toda a diferença e, digo mais, faz toda a diferença para qualquer nação que pretenda atender o objetivo que os “pais fundadores” estabeleceram para sua República: zelar “pela felicidade do povo”[2].

Para Leitores possíveis defensores de utopias distópicas - é a única rotulagem para esse tanto de desavisados & sabichões[3] - desligados do estudo da história das nações e da própria história da civilização ocidental, pois estão “muito ligados”, ou chapados, ou cheirados, ou injetados, ou, no mínimo, mentalmente lobotizados pelo vitimismo PSOL-PTdoG aprendido em patéticas aulas práticas em nossas escolas e universidades controladas por integrantes da chamada intelligentzia, digo apenas que a destruição de valores institucionais e culturais de uma sociedade são desejos de déspotas psicopatas que, quando no phoder, tomam como primeira providência degolar/fuzilar os inocentes úteis que, obrigatória e automaticamente, se tornam inúteis.


AS AMBIÇÕES HUMANAS

Volto aos “pais fundadores”. Falas frequentes nos artigos se referem à natureza humana, basicamente para chamar a atenção para a necessidade de as Leis preverem os desvios e as contradições naturais entre os homens no phoder, garantindo mecanismos de regulação das legítimas disputas.

Hamilton lembra que “os homens são ambiciosos, vingativos e gananciosos”. Mostra ser um homem experiente ao acrescentar que “homens (...) muitas vezes abusaram da confiança de que desfrutavam; e, tomando por pretexto alguma razão pública, não tiveram escrúpulos em sacrificar a tranquilidade nacional por benefícios ou recompensas pessoais”.

Ao tratar das diferenças, ele entende que, para os homens, enquanto existe “o vínculo entre sua razão e seu amor-próprio, suas opiniões e paixões influirão umas sobre as outras”Mas Madison faz um alerta: “É inútil opor barreiras constitucionais ao impulso de auto-preservação”. Portanto, o jogo é pesado, parece admitir ao dizer que “o poder é abusivo por natureza e que deve ser efetivamente impedido de transpor os limites a ele atribuídos”. Conclui que a solução de tudo passará pelo fato de que “a justiça é a finalidade do governo. (...) Ela sempre será perseguida até ser alcançada, ou até que a liberdade seja perdida nessa busca”.

 

PARALELOS COM O BRASIL

Foi entendimento de Montesquieu que “dos três poderes, o judiciário é quase nada”, com o que, além de concordar, pois o considero tão-somente guardião e aplicador das leis e, portanto, sem qualquer poder, pois este é o da Lei que visa a equidade e a justiça em sua aplicação. Entretanto, no caso do Brasil de 2021, há que se trocar o advérbio: aqui, atualmente, dos três poderes, o judiciário é quase tudo. Hamilton nos lembra outra obviedade: “Se os indivíduos formam uma sociedade, as leis dessa sociedade devem ser o regulador supremo de sua conduta”. Ele encerra deixando claro que “o judiciário não tem (...) nenhum controle sobre a força nem sobre a riqueza da sociedade, e não pode tomar nenhuma resolução ativa. Pode-se dizer que não tem, estritamente, força nem vontade”. No momento brasileiro não é o caso.

A justificativa para o que vem acontecendo quanto às instituições brasileiras[4], tem muitas razões importadas. Deixadas essas de lado, relaciono alguns princípios defendidos pelos “pais fundadores” com os eventos e movimentos originados por nosso momento específico político. Já é reconhecido pela parte da população que se mantém minimamente informada, que estamos sob uma ditadura do supremo poder judiciário. O STF como um todo, mas fatiado em decisões monocráticas de “iluministros”, rouba “na mão grande” atribuições do legislativo e do executivo com absoluta desenvoltura, com a certeza da impunidade acobertada por forças “ocultas” que, não identificadas, não sofrem resistência. Diz Madison: “O acúmulo de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário, nas mesmas mãos, (...) pode ser justamente considerado a própria definição de tirania”. Creio que para não ser acusado de estar exagerando, recorreu a Montesquieu acrescentando: “Quando o poder de julgar se une ao de legislar, a vida e a liberdade do súdito ficam expostas a controle arbitrário, pois o juiz poderia agir com toda a violência de um opressor”.

Considerando os inquéritos inconstitucionais de Alexandre de Moraes (não descartando decisões dos demais) parece que ao fazer tais referências estivesse Madison nos vendo através de um potente telescópio reverso, que em vez de apontar para os acontecimentos passados do universo, apontava para dois séculos e meio no futuro ao sul do Equador.

Já Hamilton repete o que se observou na História da humanidade até aqui: “dos homens que destruíram as liberdades de repúblicas, a maioria iniciou suas carreiras cortejando de maneira servil o povo: eles começaram como demagogos e terminaram como tiranos”.

Hamilton, usando o mesmo telescópio, preveniu sobre uma obviedade “ululante”: “Nenhum homem deve ser juiz em causa própria, ou em nenhuma causa em relação à qual tenha o mínimo interesse ou predisposição”, porque “seu interesse certamente distorceria o julgamento e, provavelmente, corromperia sua integridade”. Este é um fato que não admite interpretações dúbias, e que é hipocritamente ignorado pelas mais altas e importantes instituições brasileiras – tendo no topo o Senado Federal[5] -, mas contra o qual deveriam estar se insurgindo veementemente[6]. Hamilton é peremptório ao constatar que “uma vez sacada a espada, as paixões dos homens não respeitam limites de moderação”.

Hamilton aponta a máxima arbitrariedade contra os direitos de um cidadão ao dizer que “o poder sobre o sustento de um homem é um poder sobre sua vontade”. Sua veemência na defesa deste princípio o leva a citar William Blakstone (jurista britânico): “Despojar um homem da vida ou confiscar seus bens pela violência, em acusação ou julgamento, seria um ato tão brutal e notório de despotismos que deve de imediato fazer soar o alarme da tirania por toda a nação; mas confinar a pessoa, arrastando-a secretamente para a prisão, onde seus sofrimentos são ignorados ou esquecidos, é um expediente menos público, menos chocante e, portanto mais perigoso do governo arbitrário”. Mas nada impediu e continua impedindo Moraes de prender sem acusação e sem processo, e de obrigar plataformas digitais a impedir a monetização de cidadãos que escolheram exercer a lícita atividade de manifestar suas opiniões através de participação em redes sociais.

Alexandre de Moraes e seus “parceiros” têm absoluta consciência disso tudo e, frequentemente, agem contra aqueles que discordam de suas “verdades” se assumindo como um desses “homens que, o mais das vezes, (...) deixam-se levar (...) e acabam (...) se deixando confundir por astúcias”, como Hamilton observou.

Fico por aqui. Espero que o contato com algumas das ideias dos “pais fundadores” dos Estados Unidos da América esteja ajudando o Leitor a enxergar com ainda mais clareza onde está o famoso “busílis” da questão ”porque somos o que somos e porque eles são o que são”.

Volto já já, com minha última postagem deste meio que insano 2021 com “Os Artigos Federalistas – Os Homens e o Phoder”

 


[1] Desconsiderei a Constituição de 1824 por ter vigorado por 67 anos.

[2] Tenho lá minhas divergências com o tema “busca da felicidade”, mas apoio a definição de Hamilton que visa reforçar o compromisso dos governos com o povo.

[3] Desavisado & Sabichão é o título do único livro que escrevi até hoje.

[4] Abordei sobre a crise de papel das instituições brasileiras na postagem “NOSSAS INSTITUIÇÕES E A CONSPIRAÇÃO PÚBLICA”.

[5] É o Senado Federal a instituição à qual cabe, pela Constituição, julgar ações que em princípio possam ser consideradas “anti-constitucionais”.

[6] Entendo que o excepcional aumento de decisões monocráticas em detrimento de decisões colegiadas em audiências no plenário do STF se destinam a proteger seus integrantes de virem a ser expostos e julgados interesses conflitantes.

quarta-feira, dezembro 15, 2021

OS ARTIGOS FEDERALISTAS - Apresentação

“Os que se mantêm atentos às atividades humanas

terão por certo percebido que elas apresentam fluxos e refluxos.”

Jonh Jay – um dos “pais fundadores”



Alexander Hamilton
Acabei de ler “Os Artigos Federalistas” (são  85), editado em 2021 pelo selo Avis Rara da Faro Editorial. Tais artigos foram escritos por 3 integrantes do grupo que a história os reconhece como os “pais fundadores” dos Estados Unidos da América. São eles:   Alexander Hamilton (autor de 50 artigos e que, junto com Gouverneur Morris formou a dupla mais influente na elaboração do que viria a ser a Constituição Americana), James Madison (autor de 30 artigos, foi, posteriormente, o 4º presidente) e John Jay (autor de 5 artigos). Entre outros que participaram da primeira e única Constituição americana estavam:  George Washington (o 1º presidente), John Adams (o 2º) e Thomas Jefferson (o 3º).

A Convenção da Filadélfia (convocada a elaborar uma Constituição para estabelecer e regular uma União, das até então, colônias inglesas, em uma República Federativa) foi composta por 55 homens com alto nível de formação como se pode perceber pelas atividades que exerciam: 32 advogados, 11 comerciantes, 4 políticos, 2 militares, 2 doutores, 2 professores/educadores, 1 inventor, e 1 agricultor.

Como sempre, fiz o “extrato” desta leitura, mas desta vez optei por reunir parte delas em 3 artigos que pretendem dar uma certa unidade para as reflexões que hoje se tornam absolutamente necessárias a uma compreensão do presente político brasileiro e à construção de uma visão do que será preciso fazer para um futuro do Brasil mais promissor. Esta apresentação tem o caráter de introdução[1] a outras duas vindouras postagens onde reproduzirei e comentarei alguns argumentos apresentados pelos autores, por considerá-los pertinentes ainda hoje, mesmo que formulados há mais de dois séculos.

O propósito dos “artigos federalistas” foi o de quebrar a resistência de opositores em alguns estados, em especial, Nova York, à legislação proposta[2]. Se não abrangem a maior parte dos temas, com certeza tratam das crítica aos mais relevantes e sensíveis, e foram publicados entre outubro de 1787 e abril de 1788.

Nesta apresentação, creio ser importante que o Leitor volte sua mente para 245 anos atrás quando 13 colônias inglesas resolvem proclamar sua independência, o que vai gerar uma guerra que durou cerca de 7 anos, e guarde na mente a cronologia dos fatos principais: 

·        05/09/1774 – Primeiro Congresso Continental (reuniu 12 das 13 colônias inglesas, evento que deu início às hostilidades com a Coroa Inglesa).

·        10/05/1975 – Segundo Congresso Continental (reuniu as 13 colônias, já com a guerra acontecendo)

·        04/07/1776 -  O Congresso aprova a Declaração de Independência, criando o governo provsório dos “Estados Unidos da América”, uma união de estados autônomos com fins militares e diplomáticos comuns.

·        17/12/1777 – Foram aprovados os Artigos da Confederação.

·        03/09/1783 – Termina a Guerra da Independência.

·        25/05/1787 – Criação da Convenção da Filadélfia.

·        17/09/1787 – Conclusão da proposta e encaminhamento aos 13 estados, mas bastando a aprovação de 9 para entrada em vigor, mas que só foi ratificada pelos 13 estados em 1789.

Para se ter alguma ideia do que regia os pensamentos dos autores (e, provavelmente, da maioria dos “pais fundadores”), é de se notar a frequência com que atribuem ao povo não só a origem de todo o poder, mas o objeto fundamental do poder[3]. Como exemplo, veja o que diz Madison ao definir que o objetivo do governo é, em primeiro lugar, fidelidade ao objetivo do governo, que é a felicidade do povo”. Portanto, há muitas razões para que o texto tenha sido encabeçado com a expressão 

Uma outra conceituação que fundamenta seus argumentos é quando ele estabelece uma curiosa diferença entre República e Democracia: “A diferença entre República e democracia é que, numa democracia, o povo se junta e exerce o governo pessoalmente; numa República, ele se reúne e o administra por meio de seus representantes e agentes.”  Ao abandonar a diferenciação entre Democracia Direta e Democracia Representativa, ele opta por fazer uma óbvia proposição de confronto ao modelo de subordinação das colônias à Monarquia Inglesa. Penso que seu interesse tenha sido o de ressaltar o caráter federativo, ou seja, uma real distribuição do poder entre os 3 níveis, federal, estadual e municipal, de modo a tornar a República um regime efetivamente democrático em oposição à Monarquia Inglesa, onde o poder era exercido por uma oligarquia centralizada. E quanto ao exercício do poder ele faz uma interessante ressalva, qual seja a de ser “administrado por pessoas que conservam seus cargos enquanto são aprovadas e por um período limitado, ou enquanto exibem bom comportamento.” A necessidade de que seja mantido esse fundo ético aparece também em artigos de Hamilton. E Madison faz uma diferenciação entre República e Democracia:

O feito dos “pais fundadores” que já proporcionou 234 anos de estabilidade constitucional pode ser considerado quase como obra de “deuses” e pode, obviamente, ser atribuída a várias circunstâncias. Destaco as seguintes: o reduzido número de “convencionais” (55); a homogeneidade intelectual existente entre eles; a união em torno da causa da independência[4]; a limitação dos artigos em torno de valores fundamentais (entre estes a exaltação da ética, mecanismos para desestimular a improbidade administrativa, precedência do poder dos Estados e dos Condados em detrimento de um poder centralizador, e o povo como origem e objeto dos atos dos 3 poderes). 

Se olharmos para as circunstâncias quando da elaboração de nossa Constituição de 1824[5], à parte o “Poder Moderador” do Imperador, vamos encontrar algumas semelhanças: o fato de ser uma Constituição outorgada; a independência proclamada em 1822; o reduzido número de “constituintes” (Ministros e Conselheiros do Imperador); e, obviamente, o alto padrão intelectual de todos. Infelizmente, em vez de se inspirarem na Constituição americana de 1787, os “constituintes” optaram pela francesa de 1791, espanhola de 1812, a norueguesa e a portuguesa. Mesmo assim, é, entre todas as nossas 7 constituições (1824, 1891, 1934, 1937, 1966, 1967 e 1988), a mais duradoura. Esta sequência é o retrato inquestionável do fluxo e refluxo de nossas marés políticas. Não se pode desejar o desenvolvimento de uma nação dando tantos passos atrás em tão curtos espaços de tempo!!! 

Assisti, há poucos dias, um documentário na Netflix sobre a febre dos patinetes elétricos nos Estados Unidos (lá são chamados de scooters). Ali vemos a comprovação de uma diferença radical com o Brasil expressa pela inexistência de qualquer burocracia quanto à liberdade de realização empreendedora. As empresas simplesmente saíram colocando os patinetes nas ruas e fazendo seu marketing de venda do serviço e fim de papo. Os problemas ocasionados só foram tratados, pelos condados, quando surgiram. Em contraposição, e coincidentemente no dia seguinte, assisto Bolsonaro dando de seu governo ter conseguido aprovar um decreto que dá direito ao comerciante de abrir seu negócio caso a prefeitura não responda a seu pedido de alvará em... 30 dias.

A sensação síntese que tive ao final da última página de "Artigos Federalistas" é a de que há mais do que uma "simples" diferença de renda entre o Brasil e os Estados Unidos. Há um Everest ético e moral[6] a ser escalado pelas próximas gerações. Enquanto percebemos princípios fundamentais e perenes na Constituição americana, as nossas são resultado de subordinação pendular a utopias ideológicas e desejos tirânicos que se revezam no "phoder".

Será que precisamos de um evento que justifique uma ruptura institucional (uma guerra externa ou interna, uma tomada de poder pelas forças militares, uma revolta popular) para se fazer, aí sim, um “great reset” federativo em condições similares às existentes no final do século XVIII na América do Norte? 

Antes de deixá-lo navegando ao vento de suas reflexões, encerro recorrendo a James Madison: 

A experiência é o oráculo da verdade; e suas respostas, quando inequívocas, são definitivas e sagradas.” 

Fico por aqui. Espero que o contato com algumas das ideias dos “pais fundadores” dos Estados Unidos da América esteja ajudando o Leitor a enxergar com ainda mais clareza onde está o famoso “busílis” da questão. 

Volto em breve com “Os Artigos Federalistas – Brasil 2021”.


[1] Nesta apresentação me servi também da wikipedia.

[2] É Hamilton que no primeiro artigo já deixa claro o tamanho do problema: “Entre os mais duros obstáculos com os quais a nova Constituição terá de deparar, podemos distinguir prontamente o óbvio interesse de uma certa classe de homens em todos os Estados em resistir a todas as mudanças que possam significar uma diminuição de poder, remuneração e importância dos cargos que detêm nas instituições do Estado; e também a ambição depravada de outra classe de homens que desejarão se locupletar à custa da confusão instalada em seu país, ou se iludirão com possibilidades mais sedutoras de ascensão num cenário de subdivisão da nação em diversas confederações parciais do que num cenário de sua união sob um único governo.” E ainda acrescenta que “Uma torrente de paixões raivosas e malignas será desencadeada.”

[3] Eis o preâmbulo da Constituição: “Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma união mais perfeita, estabelecermos justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral e assegurar as bênçãos da liberdade para nós mesmos e nossa prosperidade, ordenamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.” 

[4] A mesma estabilidade se deu em relação à nossa Constituição de 1824 que durou até 1891, após o advento da República.

[5] A íntegra do texto da Constituiçãode Brasileira de 1824.

[6] Aproveito para dar a minha definição da diferença entre ética e moral. A moral se constitui de normas e valores de conduta que um indivíduo segue dentro de uma dada cultura, mas que partem de seus próprios natos-valores, podendo estes merecer adaptação ou não ao todo, e que se mantém estável por toda a vida. A ética é um conjunto de normas e valores a serem seguidas por compromisso com um dado meio em que se está inserido em um dado momento. Enquanto a moral é perene e conceitualmente abrangente, a ética é casual, temporal. Um indivíduo pode ter um alto sendo de moralidade, e pode ter ou não senso ético, pois este é um compromisso assumido para atender interesse específico. Um indivíduo considerado ético, pode ter um senso moral fraco ou mesmo ausente. A moral é algo pertencente às escolhas livres de um ser humano. A ética é a adoção de compromissos de comportamento com algo que lhe é externo. Para a moral, portanto, há um certo e um errado independente do externo. Para a ética, o que vale é um "se comportar de acordo" com o externo independente de certo ou errado, independente do senso moral. Um exemplo que me parece bastante esclarecedor é o do integrante de uma facção criminosa: sem moral, mas extremamente ético quanto à obediência às regras e valores do grupo a que pertence. 

Não é bem isso que você vai encontrar ao pesquisar sobre ética e moral na internete. Pesquise se for de seu interesse.

quinta-feira, dezembro 02, 2021

ONDAS DO AR


Na postagem “Nossas Instituições e a Conspiração Pública” me perdi nos argumentos influenciado e indignado que estava com as declarações públicas de dois ministros do STF articulando um golpe de Estado. Volto, então, de certa forma ao tema, para dar uma unidade e objetividade aos argumentos.

O “Tratado de Lisboa”[1] é uma etapa avançada de um projeto de tomada do poder pelos discípulos de Gramsci que estão dentro e fora do PT, o que torna a eleição de 9Fingers irrelevante. Foi com a intenção de ressaltar a intenção do evento lisboeta que fiz uma introdução mostrando estar o movimento (que tem  fundamentos e recur$o$ vindos de fora do Brasil) em contraposição a outro movimento, também crescente, das ideias atribuídas a conservadores e liberais/neoliberais.

Quando usei superficiais exemplos do comportamento de algumas das instituições brasileiras, o intuito era demonstrar estarem elas inseridas nesta onda para invadir a praia razoavelmente lotada de estóicos portando as bandeiras defendidas pelo Presidente Bolsonaro e adotadas por quase 58 milhões de eleitores. Tal como as instituições, também estão as diversas instâncias e autarquias da máquina pública, cujo aparelhamento com “progressistas” vem sendo feito desde a promulgação da  Constituição[2] de 88.

Como fiquei enredado nas instituições não cheguei onde queria, propor a seguinte reflexão: se tudo é movimento e confronto, o que leva a um vai-e-vem de ondas que destronou o PTdoG, estamos assistindo ao aumento da massa de brasileiros que colocou a “direita” no Poder Executivo e que vai consolidar sua posição em 2022 reelegendo o Presidente e um número de candidatos ao Congresso capaz de proporcionar uma melhor governança, ou, estamos assistindo à crescente virulência reativa dos “perdedores” de 2018 que não abrirão mão de fazer o que for preciso para, não só voltar ao poder, mas, definitivamente, se inserir no projeto globalista do “great reset”, a Agenda 2030, subjugando a maioria da população às ideias utópicas de construir uma nova humanidade servil a um poder mundial regulador?[3]

Considerada esta questão maior, podemos listar perguntas e dúvidas que só mesmo o tempo nos trará respostas. Será que depois de passado alguns meses dos casos Daniel Silveira e urnas auditáveis, os deputados aceitarão novas ingerências do STF? A ida de Bolsonaro para o PL atrelada a compromissos assumidos por ambas as partes e com a parceria do PP e Republicanos vai viabilizar propostas do governo em 2022? A CPI da Pandemia se liquefaz sem final, ou chega a um pedido de impeachment julgado no Congresso? Como o Congresso vai se comportar frente a investida do STF com a proposta de semipresidencialismo? E quanto à autoproclamação (ainda não avaliada pelo plenário) de ser a Suprema Corte o “Poder Morador” sugerido à revelia da  Constituição? E já que falei em “supremo”, o que respalda o Senador Omar Aziz a declarar que “abaixo de Deus, só o Supremo Tribunal Federal no Brasil, e abaixo do Supremo Tribunal, (...), os poderes Legislativo e Executivo”? [4]

E aí, quais suas avaliações e apostas? Quão turbulentas – ou não! – serão as ondas do ar que respiraremos em 2022? Tempestades à vista ou uma improvável calmaria? Enfim, onde e como adentraremos o ano de 2023?[5]


[1] - Sim, não tenho a menor dúvida de que foram acordadas ações e atribuídos papéis e responsabilidades aos participantes.

[2] Que ninguém se iluda, até a Polícia Federal está fortemente aparelhada. Quando o STF impediu o Presidente de exercer seu direito constitucional de nomear o Diretor da PF, foi para evitar que assumisse alguém “não alinhado”

[3] Sem contar a destruição da família, a desconstrução da integridade e do equilibrio psicológico de crianças e adolescentes através de uma “reeducação sexual”, a política de vitimização dos criminosos, e o desmonte do arcabouço de valores da civilização ocidental construído a ferro, fogo, lágrimas e mortes ao longo de alguns milênios. 

[4] Se Aziz tivesse dito que abaixo de Deus a Constituição representada pelo STF e abaixo dela os poderes Legislativo e Executivo, eu até concordaria, pois, como já disse anteriormente, o judiciário, como um todo, não elabora nada, apenas se atem a aplicar as leis para a solução de conflitos.

[5] Nem faço referência à COVID e às “medidas” de nossos governantes frente ao que se anuncia para o futuro de curto prazo.