ou
A ESCALADA
“O desejo de salvar a humanidade é quase sempre
um disfarce para o desejo de controlá-la”.
Henry Louis Mencken (1956/...) jornalista norte-americano
Escrevo na véspera do 25 de fevereiro de 2024, o domingo da manifestação
convocada pelo ex-Presidente Jair Bolsonaro, a se realizar na avenida Paulista, na
cidade de São Paulo.
Para ter um entendimento melhor do que vou expor, recomendo a
leitura da série de 7 artigos “Extirpando a Democracia” (pelo menos os dois
últimos) que publiquei entre setembro e dezembro de 2023.
O cidadão brasileiro está assistindo o desenrolar de uma
disputa pelo phoder que, em si, é normal, é o padrão histórico. O novo, no caso
do Brasil, é a rapidez e a desfaçatez com que uma tirania sem limites se
estabeleceu entre nós.
Todo rompimento é o fim de um processo que se dá em escalada.
É como o jogo de palitos de nossa infância onde vai-se tirando um a um até que
todo o conjunto restante desabe. É SEMPRE um fim inevitável de um não percebido
início evitável se a desistência fosse possível, o que quase NUNCA é. Só no
jogo de palitos quando a mãe grita que o almoço está na mesa.
NUNCA um casamento, uma amizade, acaba do nada. SEMPRE é
resultado de uma escalada de pequenos eventos que vão se acumulando. NUNCA o
motor de um carro quebra do nada. SEMPRE é resultante de um desgaste que se
acumula até que a resistência de uma peça se torna insuficiente e se rompe. A
falência de uma empresa não se dá como uma grande surpresa, é SEMPRE consequência
do acúmulo de decisões danosas à sua saúde financeira.
Ao longo da história da civilização o poder vigente SEMPRE
acabou em ruptura, dando lugar a um outro grupo que se estabelece no poder
político. Os processos, como se deram, nada importam, pois foram diversos e
característicos das circunstâncias de suas épocas. O que foi e é condição sine
qua non é o porquê tais quebras da normalidade ocorrem. E a resposta é
única: a ruptura interna que SEMPRE acontece quando uma parcela do grupo
oligárquico no poder é alijado, escanteado, marginalizado, das benesses e
privilégios .
O poder, especialmente o poder político, não é um dom, uma
capacidade, uma habilidade de alguém; o poder é SEMPRE uma concessão de
representação - dada a uma personalidade “adequada” -, para exercê-lo em nome
de entidades que se unem por interesses comuns de sugar o Estado até o limite
do possível e que “garantirão” tal delegação até que “a morte os separe”, ou,
mais frequentemente, interesses divergentes os separe.
Assim é o que estamos assistindo. De
um lado a tirania delegada e comprovada pelo silêncio interesseiro - e covarde - de TODAS as instituições
do país, e de outro todos nós, cidadãos assustados, amedrontados, os
perseguidos por desejar, em pensamentos e atos, ser livre para manifestar seus
desejos, seus direitos, suas vontades. Viver sobre suas próprias regras e valores individuais.
Se NUNCA é o povo o autor das
rupturas, SEMPRE é em nome do povo que elas são realizadas. Tanto para o poder quanto para a oposição, o povo é tão somente “massa de manobra”, justificativa
hipócrita para ter o direito de exercer o phoder.
O dilema do atual tirano-mór, é sua
incapacidade de prever o futuro. Ele sabe apenas que há que escalar porque sua
obrigação, seu dever, é para com os que o sustentam. Ele tem que seguir em sua sina de “extirpar” a qualquer custo seus possíveis, imaginários, pretensos ou reais opositores. Recuar
não é uma opção.
O que lhe resta neste momento histórico? Esquecer Bolsonaro e
deixar o barco ao vento vai levá-lo a uma tempestade inevitável, pois a
escalada seguirá sua trajetória. Prendê-lo antes do evento seria armar os
adversários internos desejosos de sangue, o que aceleraria o desfecho
previsível. Prendê-lo depois do evento não seria uma jogada de risco, mas de
suicídio para o sistema, pois, transformado em mártir, o ex-Presidente seria a
bandeira da resistência que faria com que, pouco a pouco, aquelas instituições saltassem para um novo barco rumo ao poder porque o atual estaria fazendo água.
O que sei sobre o futuro é que no jogo de forças NUNCA uma força perdura para SEMPRE.
Tudo é pendular. Cíclico.