quarta-feira, julho 21, 2021

ROGER SCRUTON, E O PTdoG – (1944/2020)


Entre os mais de seus 30 livros, Roger Scruton[1], inglês, filósofo contemporâneo, está “Tolos, Fraudes e Militantes” que acabo de ler. Nele Scruton procura desmascarar as proposta de alguns pensadores que integraram a “Nova Esquerda”[2] no século XX que pretendia, e ainda pretende, consertar o homem e a civilização. Uma das conclusões a que se chega após a leitura é que a intelectualidade ungida é composta de loucos, neuróticos, psicopatas, e quando não, no mínimo dos mínimos, hipócritas cínicos.

De todos os capítulos – quase todos de leitura árida - dois vou referenciar aqui. O primeiro é o que trata de “Guerras culturais no mundo todo: a Nova Esquerda de Gramsci a Said”. Nele Scruton começa lembrando o objetivo síntese de suas ideias – elaboradas no cárcere, é bom lembrar – era o de substituir a cultura burguesa por “uma nova e objetiva hegemonia cultural”. O que passa na cabeça de alguém com essa pretensão? O que ele imaginava ser “objetiva”? Como se pode obter, em qualquer tempo e lugar, “hegemonia cultural” quando em cada canto do mundo o desenvolvimento da cultura se deu sobre a heterogeneidade dos seres humanos e em função de circunstâncias absolutamente particulares e únicas? O nível de arrogância, de pretensão sobre deter a verdade, e de um absolutismo intelectual que chega ao cume além do qual ninguém conseguirá ir além.

Para qualquer mente sana in corpore sano, tal proposição bastaria para deixar tal indivíduo no limbo da história, mas não foi o que aconteceu. Gramsci se tornou o guru, o “grande mestre”, o tutor maior dos perdedores, dos carentes de um guia intelectual, mesmo que não compreendam razoavelmente o que ele diz. Basta gritar “abaixo a burguesia!!!” e seguir marchando de iPhone na mão. Mas este não descarte, ou, resgate extemporâneo, se deu, com especial intensidade, no Brasil. Gramsci está nos fundamentos das ideias e ações de PSOL e, em particular, do PT. Tendo isto como fato, passo a não me interessar mais em analisar Gramsci, mas apenas as ideias deste “intelectual” que estão no âmago da conduta daqueles dois partidos que hoje diariamente e intensamente tentam nos empurrar para o precipício da escuridão utópica que eles defendem.

Passo, então, a me referenciar apenas ao PT do G (Partido dos Trabalhadores de Antonio Gramsci) sempre que citar, daqui em diante, alguma das ideias e sugestões daquele prisioneiro italiano que se tornarem práticas de seus membros. Passagens extraídas do texto de Scruton estarão entre aspas duplas, e se contiverem citações de Gramsci, estas estarão entre aspas simples e itálico.

Entre as maluquices do PTdoG, está a de que seus dirigentes acham que da união entre intelectuais comunistas e as massas (...) ‘emergirá uma nova forma de governo por consenso’.” Para o sujeito minimamente realista que pergunta “como os conflitos serão acomodados ou resolvidos”, eles não têm resposta. Mas é uma enganosa constatação de ignorância. Todos sabemos que o cidadão pode ser maluco, mas não tão burro. Não à toa, portanto, o PTdoG devota parte considerável de sua utopia “ao papel dos intelectuais, afirmando diretamente não apenas que são os verdadeiros agentes da revolução, mas também que devem sua legitimidade à ‘correção’ de suas opiniões”.

Para os “petistas do G”, não há necessidade nenhuma de integrar o “proletariado”. Você pode continuar a ser um bajulador do seu intelectual de estimação, ou cumprir sua “desobrigação” em alguma repartição pública, ou, melhor ainda, “continuar em qualquer cargo confortável que lhe tenha sido oferecido e trabalhar pela derrota da hegemonia burguesa”, mas todos, ressalto, enquanto, hipocritamente, “aproveitam seus frutos”.

Os “petistas do G” desejam um governo que lhes proteja das injustiças da vida. Eles querem saúde, alimento, moradia, segurança e lazer, tudo oferecido por um Estado centralizador. Para tal satisfação estão dispostos a abrir mão da propriedade, as esquecem que quanto mais dependentes, mais limitados serão seus direitos e sua liberdade. E por uma razão simples que eles fingirão não enxergar até alguns milhões de “dissidentes” serem assassinados como sempre o foram na história: “os objetivos, libertação e justiça social, não são compatíveis”.

O planejamento central reivindicado pelos próceres do PTdoG, é o melhor caminho para a criação de escassez, privilégios de classes, mercado negro, sobrevivência do mais forte (literalmente) e injustiça – para dúvidas quanto a esta afirmação, consultar a história da economia e da vida soviética depois de 1917.

O capítulo encerra com Scruton diagnosticando que “entramos em um período de suicídio cultural, comparável ao sofrido pelo Islã após a ossificação do Império Otomano”.

O último capítulo, “O que é a direita?”, é o segundo do qual trago aqui algumas reflexões. Pouco o texto se dedica a dar uma resposta. A única que Scruton apresenta é que uma vez que um indivíduo é “identificado como de direita (...) seu caráter é desacreditado e sua presença no mundo é um erro”. Independente desta “falha”, no meu entender, ele coloca algumas cerejas neste indigesto bolo que estão pretendendo nos servir em futuro próximo.

De minha parte, o que me chamou a atenção ao longo de toda a obra é falta gritante de uma explanação sobre as bases de um sistema socinista (socialista-comunista). Scruton confessa que buscou, “em vão, nas obras” de diversos autores “uma descrição de como a “igualdade dos seres” defendida em seus atormentados manifestos” poderia ser alcançada. O máximo a que se chega é à utopia das utopias, “uma sociedade da qual tudo que a torna possível – leis, propriedade, costumes, hierarquia, família, negociação, governo, instituições – foi removido”.

A ideologia socinista ou “a ‘práxis revolucionária’ apenas nos leva a destruir o que não sabemos substituir” sem nos dar a mínima pista, “em termos concretos, o fim para o qual trabalha”.

O que fato incontestável é que “a tentativa de conseguir ordem social sem dominação inevitavelmente leva a um novo tipo de dominação, muito mais sinistra que a deposta”.

E é de Foucault que podemos tirar o lembrete de que “um déspota estúpido pode prender seus escravos com correntes de ferro, mas um verdadeiro político os amarra ainda mais firmemente com as correntes de suas próprias ideias [onde] o elo é ainda mais forte porque não sabemos do que é feito”.

Scruton vai chegando ao final. “O mundo do comunismo é um mundo de dominação impessoal no qual todo o poder está nas mãos de um partido” porque “a ideologia é um conjunto de doutrinas (...) de assombrosa imbecilidade (...) A ideia de ‘ditadura do proletariado’ (...) pretendia pôr fim às indagações, de modo que a realidade não pudesse ser percebida”.

Claramente, estamos lidando com uma necessidade religiosa, uma necessidade plantada profundamente em nosso “ser genérico”. (...) E esse desejo é mais facilmente recrutado pelo deus abstrato da igualdade do que por qualquer forma concreta de compromisso social. Defender o que é meramente real se torna impossível quando a fé surge no horizonte com seus atraentes presentes de absolutos.

Como você chegou até aqui me resta, apenas, esperar que você tenha tirado algum proveito.

 



[1] Na wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Roger_Scruton

[2] São eles: Eric Hobsbawn (1917/2012), Edward Thompson (1924/1993), John Kenneth Galbraith (1908/20060, Ronald Dworkin (1931/2013), Jean-Paul Sartre (1905/1980), Michel Foucault (1926/1984), Jürgen Habermas (1929/...), Louis Althusser (1918/1980), Jacques Lacan (1901/1981), Gilles Deleuze (1925/1995), Antonio Gramsci (1891/1937), Edward Said (1935/2003), Alain Badiou (1937/...), e Slavoj Žižek (1949/...).

 

quinta-feira, julho 15, 2021

REFLEXÕES DE THOMAS SOWELL (1930/...)

Thomas Sowell[1] completou 91 anos no dia 30 de junho p.p. É americano, negro, economista, professor universitário, escritor com mais de 30 livros publicados. Um dos mais importantes filósofos do século XX. Não é hipócrita, nem vitimista, e, portanto, contra ações “afirmativas”, como regimes de cotas e outras proposições sociopatas que fingem ignorar a natureza humana. Neste início de segunda década do século XXI, conhecer suas ideias e proposições, refletir com suas reflexões, nos ajuda a iluminar a escuridão intelectual em que a “intelligentsia[2] mundial, em particular, obviamente, a brasileira, quer nos ver subjugados. Não se deixar embromar por narrativas e identificar a hipocrisia dos personagens da cena política atual, se tornou vital para a manutenção de nossa saúde mental. Espero que esta coletânea seja mais uma contribuição para esse propósito.

Bom proveito![3]

 

HOMEM, HUMANIDADE, POVOS

O homem é para o homem, um enigma.

A desigualdade é um traço comum a toda a humanidade.

As limitações morais do homem em geral e seu egocentrismo em particular não foram lamentadas por Adam Smith nem vistas como coisas a serem modificadas. [Smith tratou a tentativa de mudar a natureza humana tanto como vã quanto sem sentido.]

Considerando os limites inerentes dos seres humanos, a pessoa extraordinária (moral ou intelectualmente) é extraordinária somente dentro de uma determinada área muito restrita, talvez à custa de sérias deficiências em algum outro lugar, e pode haver pontos cegos que não lhe permitam ver algumas coisas que são claramente visíveis aos olhos de pessoas comuns.

Quando “os povos” são invocados, os povos concretos tiveram, na realidade, pouco a dizer a respeito das decisões tomadas. (...) Não tinham nem o grau de conhecimento nem a responsabilidade pelas consequências, as quais acabaram sendo desastrosas.

 

VISÕES

“O que são ‘visões’? São as moldadoras silenciosas de nossos pensamentos. (...) Uma visão tem um sentido de causalidade, ou seja, é mais como um palpite ou um “instinto” do que um exercício de lógica ou de verificação factual.” (...) O que faz uma visão ser uma visão não é sua abrangência, mas sua coerência.

Há tantas visões quantos seres humanos (...) e mais de uma visão pode ser compatível com um determinado fato.

Uma visão modela nossa orientação teórica e não a teoria determina nossa visão. (...) Fazemos praticamente qualquer coisa por nossas visões, exceto pensar a respeito delas.

Visões são somente a matéria-prima a partir da qual teorias são construídas e certas hipóteses são deduzidas.

“Conflitos de interesse predominam por períodos curtos, porém conflitos de visões dominam a história.”

Para a visão restrita [liberal], o que é moralmente fundamental é a fidelidade ao dever de seu papel na vida. (...) Já na visão irrestrita [progressista], o dever de uma pessoa é destinar o bem à humanidade.

A capacidade de sustentar asserções sem evidências é outro sinal da força e persistência das visões. (...) [Por esta razão] As visões são: (1) projeções simplificadas da realidade; e (2) estão sujeitas a contradição por fatos (...).

A manipulação dos números pode tornar quaisquer dados estatísticos consistentes com determinada visão, e a manipulação de outros números ou até mesmo dos mesmos números, vistos ou selecionados de forma diferente, pode produzir dados consistentes com a visão oposta.

“As visões são indispensáveis, mas perigosas porque nós as confundimos com a própria realidade.”

 

RACISMO, AÇÕES AFIRMATIVAS, FAVORECIMENTO

Um grupo étnico ou racial que enfatize o trabalho árduo, economize dinheiro e busque uma boa formação acadêmica, geralmente prosperará, independentemente do cenário político ou social. (...) Os negros estariam em melhor situação se progredissem por seus próprios meios.

Os indivíduos favorecidos por ações afirmativas (...) faz com que qualquer conquista de um indivíduo pertencente a esse grupo pareça suspeita.

“Favorecer um lado” provoca geralmente, a ambos os lados, uma situação futura pior, mesmo que de maneiras distintas e em graus diversos.

Uma das violações mais comuns dos padrões intelectuais pelos próprios intelectuais é atribuir uma emoção (racismo, machismo, homofobia, xenofobia, etc.) àqueles que detêm pontos de vista diferentes, em vez de responder a seus argumentos.

“A era das ações afirmativas nos Estados Unidos assistiu ao favorecimento dos negros mais afortunados, enquanto os menos afortunados perderam em termos de suas participações nas rendas.”

 

EDUCAÇÃO, PAIS, IGUALDADE

As escolas norte-americanas substituíram a educação pela doutrinação (...) [desviando-se do dever de] fazer com que os alunos sejam capazes de raciocinar por si mesmo.

Depois que os programas de “educação sexual” foram introduzidos nas escolas norte-americanas na década de 1960, coube aos pais o trabalho de colher os cacos e arrumar a bagunça sempre que uma filha adolescente aparecia grávida ou um filho adolescente contraía uma doença venérea. Nenhum professor ou nenhuma professora teve que arcar com as consequências de nada (...).

Professores (...) expandem sua influência, seja por meio de doutrinação ideológica dos alunos ou por sua manipulação psicológica com o intuito de alterar os valores que esses estudantes receberam dos pais.

A crença de que terceiros sabem mais que os outros (...) inclui impedir que as crianças consolidem os valores recebidos pelos pais caso valores mais “avançados” tenham a preferência daqueles que ensinam nas escolas e faculdades.

“Ser compreensivo ou não julgar um jovem com um background culturalmente limitado talvez pareça humano, mas pode ser o beijo da morte no que se refere a seu futuro.”

Qualquer um que pense que uma mãe não é importante para a criança, ou a criança para uma mãe, não sabe nada sobre seres humanos. [negacionistas]

Nas escolas e nas faculdades a intelligentsia alterou o papel da educação, que é de equipar os alunos com o conhecimento e as habilidades intelectuais para que possam avaliar as questões e alcançarem independência mental, transformando a educação em processo de doutrinação, com as conclusões já fornecidas pelo intelectual ungido.

Os intelectuais dão às pessoas que já têm a desvantagem da pobreza outra desvantagem adicional: a de que são vítimas.

É compatível com a visão irrestrita [progressista][4] promover fins igualitários por meios desiguais.

Partidários da visão irrestrita [progressista] colocam a liberdade de expressão acima dos direitos de propriedade.

 

INTELECTUAIS, “INTELLIGENTSIA

[O intelectual ungido] se coloca num patamar moral superior, como alguém preocupado e misericordioso, promotor da paz no mundo, defensor dos oprimidos, alguém que luta por preservar a beleza da natureza e salva o planeta da poluição perpetrada por outros que não comungam a mesma consciência.

[Os ungidos usam a técnica de] contornar a realidade [para implantar sua visão.] Eles não se ajustam à realidade; é a realidade que deve se adaptar a eles.

[O problema para os ungidos é que] a realidade teima em não cooperar. (...) [E a cada dia] há menos lugares para se esconder de evidências cientificas.

[Para o intelectual desconstrucionista] A plausibilidade ou não que uma nova idéia incita depende do que (...) já tem incorporado como crença.

“Alguns intelectuais tendem a gravitar em torno de instituições onde suas ideias ficarão menos sujeitas aos perigos do descrédito factual.”

[Os intelectuais ungidos] se furtam à responsabilidade e ao trabalho árduo de aprender os fatos reais sobre pessoas reais vivendo num mundo real.

Quando o conhecimento é (...) abrangente, (...) difundido de forma mais ampla, (...) os intelectuais não têm vantagem preponderante sobre o homem comum. (...) Intelectuais comportam uma mistura de conhecimentos precisos e vagas noções sobre as coisas.

[Na Idade Média] Valores existentes pareciam ameaçados somente porque a visão em que se baseavam parecia estar ameaçada – e não porque Copérnico e Galileu propagassem valores alternativos. [É a ameaça à verdade de alguém que provoca a reação irada.]

[As elites educadas se legitimam] como guias superiores, declarando que têm o direito de impor o que deve e não deve ser feito na sociedade [pois] estão convencidas da superioridade de seu conhecimento e de suas virtudes, uma fórmula certeira para o desastre.

A confiança no conhecimento acadêmico superior pode ocultar, dos próprios membros da elite, a extensão de sua ignorância e de seus equívocos. (...) [Os “ungidos”] não percebem a necessidade de buscar informações factuais antes de expressar sua indignação.

A real e eficiente rotina de milhões de pessoas (...) dá pouca atenção às supostas “barreiras” sociais tão alardeadas pelos integrantes da intelligentsia.

A discrepância entre o real e o ideal sempre será julgada, pelos infalíveis visionários intelectuais, como fracasso moral da sociedade.

Para os intelectuais ungidos são os defeitos inerentes aos seres humanos que são os problemas fundamentais. (...) A sociedade existente é amplamente discutida a partir de suas insuficiências, as quais precisam ser corrigidas.

Um “respeito decente pelas opiniões da humanidade” não tem hoje mais lugar num mundo pautado pela visão do intelectual ungido.

As burocracias são frequentemente capazes de manipular as visões da intelligentsia para seus próprios interesses (...).

 

IDEOLOGIA, CRENÇAS, FATOS

Os homens não podem criar diretamente resultados sociais, mas somente processos sociais.

Dedicação a uma causa pode legitimamente implicar sacrifícios de interesses pessoais, mas não sacrifícios da mente ou da consciência.

[Uma ideologia] pode aniquilar totalmente as evidências.

Nada parece ser mais difícil que buscar fatos ou argumentos contrários às nossas certezas. (...) porque é mais sedutor se agarrar a certezas que moldam o mundo segundo as nossas próprias convicções.

Quais pressupostos fundamentais existem por trás das tão variadas visões ideológicas de mundo em disputa nos tempos modernos?

Estamos no âmbito de um “discurso de propaganda” pensado para deslocar o eixo das coisas como são para as coisas como “devemos percebê-las”.

“A manipulação retórica é capaz de fazer perguntas de uma forma que torna a resposta desejada quase inevitável, qualquer que sejam os méritos ou deméritos concretos da questão.”

Por mais poderosa que a ideologia seja, ela não é onipotente. Fatos inevitáveis e brutais (...) levaram muitos, simultaneamente, a abraçar ou abandonar uma ideologia.

Na política, pouco importa quão desastrosa uma política possa se tornar, desde que as causas do desastre não sejam compreendidas pelo público  eleitor. (...) [Os políticos] possuem todos os incentivos para negar seus equívocos, uma vez que sua admissão pode condenar toda uma carreira.

Muitos entre a intelligentsia se consideram agentes de “mudança”, um termo muito usado de forma leviana, como se as coisas estivessem tão ruins que a mera e genérica “mudança” pudesse ser tomada como uma mudança para melhor.

Os intelectuais ungidos querem deter o privilégio exclusivo de decidir (...) quais pequenos riscos as pessoas estariam proibidas de contrair e a quais riscos bem maiores estão liberadas.

Os intelectuais buscam (...) apropriar-se das decisões que deveriam ser tomadas pelas pessoas diretamente envolvidas, as quais têm conhecimento e correm riscos pessoais concretos (...).

Na União Soviética [uma economia planejada e controlada pelo Estado] bens encalhados se empilhavam nos depósitos, ao mesmo tempo em que terríveis carências faziam as pessoas esperarem em longas filas por outros bens.

A possibilidade de impor a vontade de alguém no comportamento de outras pessoas é uma característica da visão irrestrita [progressista].

 

SOCIEDADE, DEMOCRACIA, GOVERNO, POLÍTICOS

“No grande tabuleiro da sociedade humana, cada peça individual tem um princípio de movimento próprio, inteiramente diferente daquele que a legislação possa escolher impor sobre ela.”

“Na política, pouco importa quão desastrosa uma política possa se tornar, desde que as causas do desastre não sejam compreendidas pelo público eleitor.”

Se as pessoas não querem uma coisa em particular, mesmo que a intelligentsia a considere desejável ou até imperativa, isso não é uma dificuldade. Isso é democracia.

Ao se conceber o conhecimento, tanto fragmentado quanto amplamente disperso, a coordenação sistêmica entre muitos suplanta a sabedoria especial de poucos.

O governo, enquanto entidade deliberadamente criada, pode agir com intenção e ser moralmente julgado por seus atos, mas não a sociedade. (...) O governo (...) não tem a onisciência de fato para prescrever resultados justos ou iguais.

O problema primordial dos políticos não é trabalhar para o bem público, mas ser eleito e permanecer no poder. (...) Os líderes das nações democráticas são sempre obrigados a se deparar com a perspectiva das eleições, e a atmosfera em que essas eleições são realizadas é de suma importância para os políticos que buscam manter a carreira em andamento e o partido no comando.

Monitorar o desejo de um grande número de resultados individuais costuma estar além das capacidades de qualquer indivíduo ou conselho.

“Marx e Engels (...) desconsideraram que o planejamento central seria uma perpétua tentação para os detentores do poder político em dirigir a economia inteira para a satisfação de seus próprios propósitos – incluindo o poder militar – ao invés de deixá-la servir o interesse dos consumidores.”

Na visão restrita [liberal] o controle deveria ser tão disperso quanto possível.

“O marxismo deve ser julgado como a arrogância de imaginar que uma sociedade inteira poderia ser construída a partir da base estabelecia pela visão de um único homem, ao invés de envolver a experiência de milhões de pessoas pelas gerações séculos afora.”

Sowell identifica 5 axiomas:

1 - problemas sociais existem [porque os ignorantes] não têm o conhecimento que os ungidos têm;

2 - desprezo por soluções descentralizadas (...) que sobreviveram a processos de aprendizado por tentativas e erros;

3 - condenação moral dos ignorantes pelos resultados não desejados pelos ungidos;

4 - os problemas podem ser evitados pela imposição da visão superior dos ungidos;

5 - as resistências contra as políticas dos ungidos se dão pelas limitações morais e intelectuais dos oponentes, não pelas leituras diferentes de evidencia complexa e inconclusiva.

Os 4 estágios típicos desse padrão ideológico são:

1 – uma crise é identificada;

2 – é proposta uma solução “definitiva” para o problema;

3 – constatação de resultados opostos aos desejados;

4 – e, por fim, a reação envolve afirmar que, se não fossem pelas políticas adotadas, os resultados seriam ainda piores.

Todo mundo é progressista segundo sua própria ótica.

[Os promotores do planejamento econômico centralizado] Em vez de confiarem nas interações sistêmicas dos mercados (...) preferem a imposição da visão da elite.

 

PROPRIEDADE, CAPITALISMO, LIBERDADE

“O que se observa é que aqueles países cujos inputs envolvem menos trabalho e mais empreendimento tendem a ter, em larga escala, mais altos padrões de vida, incluindo horas de serviço mais curtas.”

Exemplo de observação distorcida: o capitalismo tornou os trabalhadores mais pobres como se eles tivessem sido mais prósperos antes.

Os benefícios econômicos para a sociedade não foram buscados intencionalmente pelos indivíduos, mas surgiram sistematicamente de interações do mercado, sob pressões da concorrência e impulsionados pela motivação do ganho individual.

O fato é que a riqueza é produzida. Ela não é um simples fator natural já dado. Milhões de sujeitos são pagos segundo o valor atribuído ao que produzem e isso é feito subjetivamente, por milhões de outros indivíduos.

O conceito básico de liberdade, como não se sujeitar às restrições impostas por outras pessoas, e o conceito de poder, como habilidade de restringir as opções mantidas por outros, ficaram, ambos, de cabeça para baixo em alguns dos “reempacotamentos” [verbais] que sofreram nas mãos dos intelectuais que discutem assuntos econômicos.

Os direitos de propriedade são barreiras legais contra políticos, juizes e burocratas que arbitrariamente buscam se apropriar do patrimônio de alguns seres humanos, transferindo-os para outros.

 

JUSTIÇA

Por vezes, a “dificuldade” em se mudar as leis e especialmente a dificuldade em se criar emendas constitucionais é invocada como razão para justificar por que os juízes devem se tornar os agentes que aceleram as mudanças.

O ativismo judicial é um cheque em branco no qual se pode explorar qualquer direção, em qualquer questão dependendo das predileções de cada juiz em particular.

As elites intelectuais anseiam ampliar sua esfera de influência de poder decisório usando os tribunais como meio.

As batalhas políticas diárias são um pot-pourri de interesses específicos, emoções coletivas, conflitos de personalidade, corrupção e vários outros fatores.

Fundamentalmente para o conceito de justiça social é a noção de que indivíduos têm direito a alguma parte da riqueza produzida por uma sociedade simplesmente por serem membros daquela sociedade, independentemente de quaisquer contribuições individuais feitas ou não para a produção de tal riqueza.

 

TECNOLOGIA, MÍDIA, JORNALISMO, DIGITRÔNICA

As maravilhas tecnológicas modernas trouxeram pouca melhora para o que o rico já tinha, porém revolucionaram muito as vidas das massas.

É necessário somente que aqueles que têm o poder de filtrar as informações, seja no papel de jornalistas, editores, professores, acadêmicos ou produtores e diretores de filmes, decidam que há certos aspectos da realidade que as massas “não compreenderiam corretamente” e que um senso de responsabilidade social clama, por parte dos que detêm o poder de filtragem, pela supressão de alguns dados.

A influência dos intelectuais sobre o curso dos eventos na sociedade em geral, por meio de sua influência sobre o grande público, era menor do que hoje porque, na maioria dos paises em outros tempos, o público em geral exercia muito pouca influência na condução das políticas nacionais. [Esta era a realidade que a digitrônica mudou radicalmente.]

Fatos simplesmente não parecem importar para mitos na mídia, uma vez que eles têm um estereótipo fixo em suas mentes.

[Quando se trata de jornalismo] Em última instância (...) o importante é ser honesto com o leitor, o qual, afinal de contas, não pagou para aprender sobre o psiquismo ou a ideologia do escritor, mas para adquirir algum conhecimento real sobre o mundo.


[2] Uso o termo aqui para identificar os intelectuais que se manifestam tendo como padrão a proposição de verdades políticas e filosóficas inquestionáveis, pois tudo por eles elaborado está acima da capacidade, tanto de elaboração, quanto de entendimento, do homem comum. Neste grupo aparecem pensadores, escritores, educadores, jornalista, juristas et caterva. Por esta razão, tal como Sowell, trato os membros desta "classe" como "Ungidos".

[3] As citações selecionadas nesta postagem foram agrupadas de acordo com a similaridade ou correlação dos assuntos. Citações literais do autor aparecem entre aspas e, quando não, são conclusões a partir do entendimento de suas ideias; e entre colchetes é sempre uma anotação minha visando a melhor compreensão do texto.

[4] Sowell propõe dois conceitos para identificar as visões filosóficas: a restrita e a irrestrita. Como para entendê-las é preciso ler sua obra, podemos associar a visão restrita à visão “liberal-conservadora”, e a irrestrita à visão “progressista”.


domingo, julho 11, 2021

REFLEXÕES DE AYN RAND (1905/1982)

Em 1957, ou seja, há quase 65 anos, Ayn Rand escreveu Atlas Strugged (A Revolta de Atlas), um romance ficcional que pode ser considerado como um libelo, uma ode ao liberalismo como o melhor e mais eficaz sistema econômico, ao empreendedorismo como principal ferramenta impulsionadora do desenvolvimento, e à liberdade de pensamento e ação do cidadão como seu direito mais fundamental.

 Por ser uma obra de 1.200 páginas e consequentemente ter reduzidas chances de ser lida amplamente, vou partir dela para iniciar uma série de postagens que trarão o que filósofos e pensadores em geral – desde séculos a.C. - nos deixaram em reflexões sobre os mais diversos aspectos da vida, do mundo, das sociedades, da história etc., mas, em particular, sobre os temas que mais estão presentes em nossa contemporaneidade. As postagens poderão ter duas estruturas: ou trazendo as reflexões de vários autores sobre um ou mais temas específicos (mas que se relacionam) ou, quando se justificar, como no caso de hoje, reflexões de um só pensador, quando o volume suas manifestações se justificar. Em todas as postagens haverá uma introdução minha seguida, então, por uma lista de citações. Vou procurar colocar o maior número possível de links onde o leitor poderá encontrar mais informações, tanto sobre o autor quanto sobre sua obra. Ressalto que, de qualquer forma, parte do que você vai encontrar aqui foi extraído da Wikipédia, e outra parte dos “extratos” das leituras que faço.

As citações selecionadas nesta postagem[1] não são declarações de Ayn, mas sim extraídas de falas de diversos de seus personagens em A Revolta de Atlas[2]. Agrupei-as de acordo com a similaridade ou correlação dos assuntos. Como introdução, destaco o pequeno diálogo que justifica o título (a única vez em que identifico os personagens), e o que aparecer entre colchetes é uma anotação minha.

Franciso D’Anconia:

Sr. Rearden, se o senhor visse Atlas, o gigante que sustenta o mundo todo em seus ombros, se o senhor visse o sangue escorrendo pelo peito dele, os joelhos tremendo, os braços estremecendo, porém ainda tentando sustentar o mundo com suas últimas forças, e se quanto mais ele se esforçasse, mais o mundo lhe pesasse nos ombros, o que o senhor lhe diria que fizesse?

Rearden: Eu não sei.

D’Anconia: Eu diria: sacuda os ombros.

 

Bom proveito!

 

HOMEM, VIDA

Quando um homem pensa, há uma luz acesa em sua mente.

O que orienta as ações humanas? As conveniências do momento.

O homem existe para realizar seus desejos.

O homem cujos atos contradizem as suas convicções, não passa de um hipócrita barato.

Todo homem constrói seu mundo à sua imagem e semelhança. Ele tem o poder de escolher, mas não tem o poder de fugir à necessidade de escolher.

Nenhum homem representa uma ameaça aos objetivos dos outros, se os homens compreendem que a realidade é um absoluto que não pode ser falseado, que a mentira não funciona, que o gratuito não pode ser possuído, que o imerecido não pode ser dado, que a destruição de um valor que existe não confere valor ao que não existe. 

Só há duas alternativas fundamentais no universo – existência ou não existência.

Juro, por minha vida e por meu amor a ela, que jamais viverei por outro homem, nem pedirei a outro homem que viva por mim.

Vi que chega um ponto, na derrota de todo o virtuoso, em que o mal necessita do consentimento desse homem para vencer – e que nenhum mal que os outros lhe possam fazer terá sucesso se ele lhes negar seu consentimento. Vi que eu podia dar fim aos absurdos cometidos por vocês, pronunciando mentalmente uma única palavra. Pronunciei-a: “não”.

 

MORAL, VALORES

Moralidade é o julgamento que permite distinguir o certo do errado, é a visão que enxerga a verdade, é a coragem que age com base no que vê, é a dedicação ao que é bom, é a integridade de quem permanece no lado do bem a qualquer preço. Mas onde se encontra isso?

Um código aceito por escolha é um código moral.

O homem precisa de três coisas como valores supremos e dominadores de sua vida: razão, determinação e amor-próprio.

 

FATOS, VERDADE

Não existem fatos objetivos. Toda reportagem não passa da opinião de alguém. Portanto, é inútil escrever sobre fatos.

Como é que você sabe o que é certo? Como alguém pode saber não passa de uma ilusão para lisonjear seu próprio ego e magoar as outras pessoas, exibindo sua superioridade.

A verdade é o reconhecimento da realidade (...).

 

POLÍTICA, SOCINISTAS, MENTIRAS, VITIMISMO, INIMIGO

Sabe o que caracteriza o medíocre? É o ressentimento dirigido às realizações dos outros.

Os saqueadores acham que não há perigo em roubar homens indefesos, depois que aprovam uma lei que os desarme.

Atualmente acredita-se que meu próximo pode me sacrificar de qualquer modo que ele bem entender para atingir qualquer objetivo que considere bom para si, desde que ache que pode se apossar da minha propriedade simplesmente porque precisa dela.

Recuso-me a pedir desculpa por ser mais capaz – não aceito pedir desculpa por ter tido sucesso -, me recuso a pedir desculpas por ter dinheiro. (...) quando se violam os direitos de um homem, violam-se os direitos de todos, e que um público constituído de seres desprovidos de direitos está fadado à destruição.

Não há como fugir da justiça. Nada no universo pode ser imerecido e gratuito, tanto no âmbito da matéria quanto no do espírito – e e os culpados não pagam, então são os inocentes que têm que pagar.

O único poder do inimigo é a consciência da vítima.

[Argumenta o defensor do governo arbitrário] A liberdade é impossível. O homem jamais pode estar livre da fome, do frio, da doença, dos acidentes. Ele jamais pode estar livre da tirania da natureza. Então por que reclamar da tirania de uma ditadura política?

[A respeito da tentativa de tirania] É só aguentar os momentos seguintes. Depois é só aguentar mais uns momentos, uns poucos de cada vez, que então fica mais fácil. Depois você se acostuma.

Não é preciso se preocupar com os intelectuais. Basta botar alguns deles na folha de pagamento do governo e mandá-los pregar exatamente a idéia de que a culpa é das vítimas.

Bastou a primeira assembleia pra gente descobrir que todo mudo tinha virado mendigo. (...) O jeito era chorar miséria, porque era a sua miséria, e não o seu trabalho, que agora era a moeda corrente de lá. (...) Não há maneira melhor de destruir um homem do que obriga-lo (...) a se esforçar por fazer o pior possível dia após dia. (...)

O homem agora se elevará por obra dos esforços que não fez, será honrado pelas virtudes que não demonstrou ter, será pago pelos bens que não produziu.

Não existem mentiras benévolas, só existe destruição, e as mentirinhas benévolas são as mais destruidoras de todas.

[O pensamento socinista quer...] Culpar a vitima de um assalto de corromper a integridade do marginal

Quem é você para pensar? (...) Quem é você para saber? Os burocratas é que sabem. Quem é você para protestar? Todos os valores são relativos!

[Para os ditos progressistas a regra de conduta moral é...] Se vocês desejam algo, isso é mau; se os outros desejam alto, isso é bom; se a motivação de seu ato é seu bem-estar, não o realizem; se a motivação é o bem–estar dos outros, então vale tudo. (...) é para a própria felicidade que vocês têm que servir à felicidade dos outros. (...) Não, os que recebem não são maus, desde que não mereçam o valor que lhes deram. (...) É imoral viver do próprio trabalho, mas é direito viver do trabalho dos outros. (...) É mau criar a própria felicidade, mas é bom gozá-la quando o preço dela é o sangue dos outros. (...) É a infelicidade que lhes dá o direito de ter recompensas.

Todo ditador é um místico, e todo místico, um ditador em potencial. O místico quer que os homens lhe obedeçam, não que concordem com ele. (...) A razão é o inimigo que ele teme. (...) e quando lhe obedecem, ele passa a dar ordens contrárias, pois o que quer é a obediência pela obediência, a destruição pela destruição.

Eles não querem possuir a sua fortuna: querem que vocês a percam.

Elogiam qualquer empreendimento que se pretenda não lucrativo e maldizem os homens que ganharam os lucros que tornaram viável o empreendimento.

 

LIBERALISMO, LUCRO

Se, no passado, um único empresário tivesse tido a coragem de afirmar que trabalha apenas para lucrar e o dissesse com orgulho, ele teria salvado o mundo.

[No ambiente da política...] Todo mundo sabe alguma coisa que compromete todos os outros, e ninguém ousa fazer nada porque não sabem quem vai ser o primeiro a abrir o jogo, nem como nem quando.

Os gatos ensinam seus filhos a caçar, as aves se esforçam tanto para fazer com que seus filhotes aprendam a voar – e, no entanto o homem, cuja sobrevivência depende de sua mente, não apenas não ensina seus filhos a pensar como também dá a eles uma educação que visa destruir seus cérebros, convencê-los de que o pensamento é fútil e malévolo, antes mesmo que eles comecem a pensar.

A mente do homem é o instrumento básico de sua sobrevivência. A vida lhe é concedida, mas não a sobrevivência. Seu corpo lhe é concedido, mas não o seu sustento. Sua mente lhe é concedida, mas não o seu conteúdo.

“Valor” é aquilo que se age para ganhar ou conservar; “virtude” é o ato por meio do qual se ganha ou se conserva o valor.

O homem que deixa que um líder determine seu percurso é um veículo amassado sendo rebocado para o ferro-velho.

Não entro em discussão com aqueles que acham que podem me proibir de pensar.

O mal é impotente e só dispõe do poder que lhe permitimos arrancar de nós.

Qual é o monumento ao triunfo do espírito humano sobre a matéria: os barracos imundos à margem do Ganges ou os arranha-céus de Nova York?

Somente um escravo pode trabalhar sem o direito de guardar para si o produto de seu esforço.

Quando a lealdade a um objetivo inarredável é abandonada pelos virtuosos, ela é assumida pelos canalhas (...)

Todo ato na vida do homem depende da vontade.

A força, a fraude e o saque, é só o que eles conhecem!



[1] O conteúdo de todo o extrato de A Revolta de Atlas você encontra em: http://www.sendme.com.br/EXTRATOS/NotasDeRevoltaAtlas.htm

[2] Para saber sobre o mito de Atlas e melhor entendimento da expressão, acesse: https://pt.wikipedia.org/wiki/Atlas_(mitologia)