“Nos parques em chamas, nas tavernas, nas academias silenciadas,
seu murmúrio aclamará a sabedoria de mil impostores.
Pois é deles o reino.”
Kenneth Fearing (1902-1961), poeta americano.
Conservadores
e Progressistas não, pois já contém um erro conceitual, o que os ditos
“progressistas” mais pregam é um retrocesso civilizacional.
Capitalistas
e Comunistas não, pois o que um comunista mais deseja é se tornar um
capitalista encostado no Estado.
Democratas
e Socialistas não, pois o socialismo nada mais é do que a antessala do
comunismo.
Liberais
e Estatistas não, pois tanto alguns liberais gostam de uma estatização
conveniente, quanto os estatistas precisam do liberalismo para “expandirem”
seus horizontes de poder e ganância.
Nesta
busca, encontrei em Thomas Sowell[1],
a proposta de Ungidos e Ignorantes.
Também não me satisfez, pois entre os que se consideram “ungidos” há um
contingente de dotados de imensa ignorância e extraordinária estupidez.
Apesar de não me satisfazer a proposição de Sowell, ele diz coisas absolutamente reais:
- · "Qual
o porquê da necessidade de acreditar em uma visão particular cujas evidências
contrárias são ignoradas, suprimidas ou desacreditadas? Por que alguém busca
não pela realidade, mas por uma visão? O que essa visão oferece que a realidade
não oferece?"
- ·
A
visão é um estado especial de graça para aqueles que acreditam nela.
- ·
Os
ungidos são livres do feedback de uma realidade que não coopera.
A
esta última constatação adiciono o que disse um dos “pais fundadores”[2]: “Fatos são coisas teimosas; e
quaisquer que sejam nossos desejos, nossas inclinações ou os ditames de nossas
paixões, eles não podem alterar o estado dos fatos e das evidências”.
Continuei
insatisfeito e persistindo na procura. Eis que vejo na estante “Os Demônios”,
de Dostoiévski[3],
livro que havia comprado quando interessado por aspectos psicológicos, o que
não durou muito, e acabei por não o ler à época. Ainda bem, pois a história não
é sobre os demônios que habitam todos nós – era o que eu pensava ser -, mas sim
sobre aqueles espécimes do gênero humano que são demônios por natureza, em
essência.
Sendo
Dostoiévski interessado em política e filosofia, ao estar lendo um jornal,
encontrou uma notícia que o tocou especialmente. Em 25 de novembro de 1869 o
corpo do estudante Ivan Ivanov de 23 anos, de convicções socialistas,
integrante da “Sociedade da Rasprava Popular”[4],
foi encontrado morto em um matagal. Descobriu-se que ele fora assassinado a
pauladas por Serguei Netcháiev, o líder carismático da tal “sociedade” em razão
de um desentendimento entre os dois. Ivan sucumbira à extrema intolerância
de quem visava à transformação radical do mundo sem se importar com o preço que
teria de pagar por ela.
Ao
tomar conhecimento da notícia, o escritor ficou horrorizado com o destino de
Ivanov, cujo único delito consistia em ter contestado a autoridade de seu chefe
Netcháiev, a personificação sinistra do tal “justiceiro popular”, capaz de
sacrificar a soma dos valores humanos em prol de uma abstrata – eu diria
assassina - causa progressista.[5]
Tal
evento foi o estopim e a inspiração para que escrevesse “Os Demônios”, uma obra
densa em 777 páginas (na edição que tenho da Martin Claret). Nela, o autor
procura mostrar, através de seus personagens, a hipocrisia burguesa russa da
época, seus valores morais, explora os interesses dos que têm ou desejam o
poder, as técnicas de domínio das massas, trata sobre fé e sobre o que é Deus.
Não vou fazer uma resenha, mas vou deixar o link para o “extrato” que fiz.
Para
mim, a leitura foi determinante para me fazer enxergar que, se queremos ou
precisamos dividir politicamente os seres humanos em duas únicas categorias,
estas são, inevitavelmente, a dos Humanos e a dos Demônios.
Os
Humanos são aqueles que entendem a natureza diversa de cada indivíduo, a
condição de ser único e inimitável, de ter a convicção de a civilização ter
chegado ao estado atual de aperfeiçoamento graças ao direito de cada um se
expressar, criar, produzir, enfim, de conduzir sua vida de acordo com seus
valores, necessidades e desejos, respeitado e enaltecido o mesmo direito a seus semelhantes. Para os Humanos, as virtudes morais formam a espinha dorsal
de seus valores, e consideram que todos têm direito a uma vida plena.
Os
Demônios são aqueles impregnados do desejo insano de subjugar a seus interesses
todos aqueles que lhes parecem inferiores – sob critérios nunca explicitados. Os
Demônios se tomam como seres especiais no sentido mais demoníaco que podemos
imaginar. Para os Demônios, inexistem virtudes morais, tudo é válido para
concretizar um fim almejado. O direito a uma vida plena é da exclusividade deles,
algo desnecessário para os demais. E esta não é uma conclusão minha, é Dostoiévski
através do personagem Chigaliov que diz:
"(...)proponho como solução final do problema, dividir os homens em duas partes desiguais. Um décimo ganha liberdade de indivíduo e o direito ilimitado sobre os outros nove décimos. Estes devem perder a personalidade e transformar-se numa espécie de manada e, numa submissão ilimitada, atingir uma série de transformações da inocência primitiva".
Humanos e Demônios é a única
classificação possível ao considerarmos a natureza humana. Qualquer outra só
tem sentido se for relativa à forma, ao método aplicado no exercício de viver
tal natureza, tanto em relação a si mesmo quanto em relação ao outro. De que
importa a forma se o que realmente importa é a intenção?
Não quero mais saber se alguém é de
direita ou de esquerda; se é conservador ou progressista; capitalista ou
comunista; se é democrata ou socialista; se é liberal ou estatista; se é ungido
ou ignorante. A única coisa que me interessa a partir de agora é saber se se é
Humano ou Demônio.
“Os
Demônios” é um real alerta para todas as gerações: aquela que está no poder, a
que se prepara para tal e as suas descendentes.
Encerrando,
cito o escritor Alexander Solzhenitsyn[6], também russo, mas cerca de 100 anos
depois[7]:
“Sabemos que mentem.
Sabem que nos mentem.
Sabem que sabemos que nos mentem.
E ainda assim seguem mentindo.”
Acrescento
o óbvio: e ainda assim a massa segue seguindo-os.
Se o Leitor tem interesse em conhecer um pouco do que trata a obra “Os Demônios” acesse o extrato que fiz em:
http://www.sendme.com.br/Extratos/NotasDeOsDemonios.htm
Muito
obrigado pela atenção e não se avexe em comentar.
Boas festas e até 2024, um ano com um dia de bônus.
[1]
Thomas Sowell (1930-...) americano, escritor, economista, filósofo, crítico social,
autor de “Os Intelectuais e a Sociedade”, “Conflito de Visões”, “Fatos e
Falácias da Economia”, entre outros.
[2]
John Adams (1735-1826), líder da independência americana, integrou o grupo que
elaborou a Constituição Americana e que ficou conhecido como o grupo dos “pais
fundadores”. Se tornou o segundo presidente dos Estados Unidos.
[3] Fiódor
Mikhaillovitch Dostoiévski (1821-1881), escritor, filósofo e jornalista do
Império Russo, também autor de “Crime e Castigo” e “Os Irmãos Karamazov”. É
considerado um dos maiores romancistas e pensadores da história.
[4] Justiça sumária feita pelas próprias
mãos, linchamento (em russo).
[5] Este
parágrafo e o anterior foram retirados da introdução à obra” feita por Oleg
Almeida que a traduziu.
[6] Alexander
Soljenitsyn (1918-2008), escritor e historiador russo. Preso político do regime
comunista soviético, suas obras revelaram ao mundo as atrocidades cometidas nos
gulags, campos de concentração com trabalhos forçados existente na antiga União
Soviética.
[7] Tal distância no tempo é mais uma prova de
que a questão não é de época, não é país, não de ocidente ou oriente, não é de
ricos e pobres, não é de brancos e negros, é tão simplesmente de Humanos
tentando sobreviver aos Demônios.