sexta-feira, junho 30, 2017

A CONFISSÃO DO GOLPE

Estou lendo a Piauí de junho ao final do mês quando já espero a chegada da edição de julho. Em matéria de 10 páginas, Fernando Haddad recorre à sua auto-atribuída condição de intelectual da USP e tenta explicar os anos Dilma como se o PT, seu partido, não tivesse nenhuma responsabilidade sobre o Brasil de nossos dias. 

Ler Piauí é fundamental, mas você não precisa correr à banca por esta matéria, não vale o esforço. Reproduzo abaixo o que de unicamente relevante lá consta, a confissão do golpe que ele e alguns outros tentaram aplicar na frágil, e abalada, democracia brasileira.

Deixo-os com a reprodução do relato.

"Vivi os bastidores de um episódio que merece relato. No dia 10 de março de 2016, participei de uma reunião com o ministro da Fazendo Nelson Barbosa, à qual estavam presentes diversas lideranças sindicais, alguns economistas, assessores e o ex-presidente Lula. O tema era economia, mas o debate enveredou pela política. Muitos de nós acreditávamos que o governo Dilma agonizava e não resistiria por muito tempo (1). Por semanas, tentávamos convencer Lula a assumir o governo na condição de ministro-chefe da Casa Civil e ouvíamos sempre a mesma resposta dele próprio: "Não cabem dois presidentes num só palácio" (2). Outro argumento contrário era de que a mídia tentaria caracterizar o gesto como busca de foro privilegiado (3), mesmo que àquela altura Lula não fosse réu. A relutância do ex-presidente à ideia foi enorme (4). Apenas depois de insistentes apelos, Lula concordou em conversar com Dilma sobre as condições de uma eventual ida para o governo - aceitas apenas depois de longa negociação (5). Anúncio feito,  história conhecida: grampo ilegal de um telefonema impróprio, vazamento ilegal de uma conversa surreal e uma liminar que impede a posse (6)."


(1) Na própria visão deles o governo Dilma era um desastre (Nelson Barbosa, presente, não esqueçam).

(2) Aqui o primeiro desprezo Lulo-petista pela Constituição. O golpe deles se justificaria pela simples razão de que Lula desejava corrigir o erro de ter escolhido um poste para lhe suceder. Mas, ele mesmo admite, o palácio era muito pequeno para o tamanho dos egos em disputa.

(3) O segundo desprezo pela Constituição. Dar o golpe, ok, o único problema para eles seria como a mídia trataria o fato!!!

(4) Jogo de cena de político populista como fica provado na tentativa - explicitada logo a seguir - de viabilizar o golpe.

(5) "Depois de longa negociação"!!! O que terá sido negociado? A quais "argumentos" Dilma cedeu e se dispôs a entregar o osso? Quem sabe algum dos presentes venha no futuro nos contar mais detalhes?

(6) Tudo para Haddad, como para o PT, é legal quando lhes favorece, mas sempre ilegal quando contra seus interesses.



sexta-feira, junho 09, 2017

E AÍ, DECIDES O QUÊ?

A verdade não existe. Tudo é relativo à intenção de tornar universal alguma particular verdade. A realidade é falsa ou apenas uma questão de percepção? Mas se a percepção é individual, portanto única, há tantas realidades quanto indivíduos? Se a política não corrompe, o poder sim. De qualquer forma, sempre estarão de mãos dadas. Políticos, exceção à parte que confirmam a regra, são psicopatas e, por condição necessária, têm um mau caráter. Questionados, nada sabem, nunca ouviram. Se confrontados, negarão indefinidamente, pois a prova cabe a quem acusa. Toda informação recebida está contaminada com um interesse privado provavelmente escuso. Os oligarcas induzem a mídia a transmitir mensagens confusas para eliminar certezas incômodas. A mídia seletiva, portanto controversa, tira todo e qualquer sentido em se atribuir o que quer que seja a algo como "a mídia" pois elas são muitas. Se qualquer um pode divulgar nas redes sociais suspeitas infundadas sobre qualquer um, e eu e você somos qualquer um, como separar o fato-fato do fato-fake? Como resgatar uma reputação destruída conexão a conexão se não há como deletar as mensagens postadas, whatsapps distribuídas, e cuja existência estará para todo o sempre guardada em back-ups na nuvem? Se, literalmente, tudo se tornou passageiro e fugaz, onde está o valor? Ou, pior, há valor a ser encontrado? Se estamos afogados em informação, sem tempo para reflexões mínimas, vamos simplesmente seguir o líder? Qualquer líder? Sob qualquer bandeira? Neste mundo pós-moderno e líquido, qual a sua chance? Já pensou nisso? Já? Não? Não importa nossa resposta, só precisamos decidir o que vamos fazer quando conclamados a nos manifestar? E aí, decides o quê?





quinta-feira, junho 01, 2017

UM POUCO MAIS DE ZYGMUNT BALMAN

Terminei a leitura de "Para que serve a sociologia" (Editora Zahar), de Zygmunt Bauman, intelectual polonês, falecido no início de 2017. Este livro é um trabalho de Bauman com dois outros intelectuais, Michel Hviid Jacobsen e Keith Tester, seus amigos, que estruturam muitas ideias do sociólogo usando a técnica de simular uma entrevista. Além de tratar do tema, sociologia, ele vai além, abordando as angústias contemporâneas onde o excesso de informação altera profundamente nossas prioridades e nosso modus vivendi

Eis algumas passagens que selecionei por extrema pertinência com nosso momento Brasil.


"O mundo se atrofiou em histórias, não em informações, e onde as histórias são atrofiadas também o é a capacidade de homens e mulheres entenderem suas vidas num contexto histórico mais amplo.

O caminho que leva a um mundo moral é longo, sinuoso e cheio de armadilhas – as quais, diga-se de passagem, é tarefa do sociólogo investigar e mapear.

Os intelectuais [na esteira de Gramsci] esperavam conduzir e/ou ser conduzidos a uma terra em que a longa marcha rumo à liberdade, à igualdade e à fraternidade finalmente alcançaria seu destino.

Theodor W. Adorno
Pierre Bordieau

Para Adorno, confiar a mensagem ao leitor desconhecido de um futuro indefinido pode ser preferível a transmiti-la aos contemporâneos considerados despreparados ou indispostos a ouvir, que dirá apreender e reter o que ouviram.

Pierre Bourdieu assinalou que o número de personalidades no cenário político capazes de entender e articular as expectativas e demandas de seus eleitores está diminuindo depressa. (...) problemas privados são categorizados como questões públicas.

(...) trazer à luz as contradições não significa resolvê-las. Um caminho longo e tortuoso se estende entre o reconhecimento das raízes de um problema e sua erradicação, e dar o primeiro passo não garante de maneira alguma que outros venham a ser dados, muito menos que o caminho seja percorrido até o fim.


As escolhas humanas não são mais determinadas do que são os movimentos dos jogadores de carteado pelas cartas que eles têm na mão. O lugar em que se está numa situação manipula a distribuição de possibilidades. Ele separa os movimentos viáveis dos inviáveis, assim como os mais prováveis dos menos prováveis. Mas nunca eliminam totalmente a escolha. (...) O poder humano significa a capacidade de manipular as probabilidades das escolhas humanas.


A parte “civilizada” da história humana foi desde o princípio, e provavelmente continuará a ser, uma mistura de aprendizado e esquecimento.

Adquirir novas habilidades sem abandonar as antigas é quase impossível. Para ter sucesso em enfrentar novos desafios, as velhas habilidades são de pouca ajuda, de modo que novas habilidades são exigidas.

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Talcott Parsons articulou assim a “questão hobbesiana”: como induzir, forçar ou doutrinar seres humanos, abençoados ou amaldiçoados com o dom ambíguo do livre-arbítrio, a serem guiados normativamente e a seguirem por rotina cursos de ação manipuláveis, embora previsíveis? (...) Em suma, como fazer as pessoas terem o desejo de fazer aquilo que devem fazer?
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Em “História para as últimas coisas”, Siegfried Kracauer assinala que, à medida que a “segurança paroquial” dá lugar à “confusão cosmopolita”, há um “sentimento generalizado de impotência e abandono”, de “estar perdido num território inexplorado e inimigo”, que – perigosamente – “induz muitas pessoas, presumivelmente a maioria delas, a correr para o abrigo de uma crença unificadora e reconfortante”.

Hoje nos encontramos num “interregno”, um estado em que as velhas formas de fazer as coisas não funcionam mais e os modos de vida antigos e herdados não mais se ajustam à presente conditio humana, mas as novas maneiras de enfrentar os desafios e os novos modos de vida mais adequados às novas condições ainda não foram inventados, posicionados e postos em movimento.

As formas de vida moderna podem diferir em muitos aspectos – mas o que une todas elas é exatamente a fragilidade, transitoriedade, vulnerabilidade e inclinação à mudança constante. “Ser moderno” significa modernizar-se – compulsiva e obsessivamente; nem tanto “ser”, muito menos manter sua identidade intacta, mas eternamente “tornar-se”, evitar a conclusão, continuar indefinido.

Cem anos atrás, “ser moderno” significava buscar “o estado final de perfeição”. Agora significa uma infinidade de aperfeiçoamentos, sem ter em vista nem desejar um “estado final”.

A trajetória de sucessivas mudanças lembra mais um pêndulo que uma linha reta. Cada mudança foi uma tentativa de conciliar demandas incompatíveis, mas os esforços, em geral, terminaram com a renúncia a uma parte de uma delas com o objetivo de satisfazer uma parte da outra. E assim, cada mudança inspirou, mais cedo ou mais tarde, a demanda de outra. (...) Outra forma de dizer a mesma coisa é que cada melhoramento trouxe novas deficiências. (...) os antecedentes só se revelam por meio de suas consequências.

A civilização (significando ordem social) é uma permuta em que alguns valores são sacrificados em função de outros. (...) Nesses termos, pode-se dizer que a história das mudanças sistêmicas é um sucessão de permutas.

Decidir ir a público envolve tornar o texto refém do destino (desconhecido e jamais totalmente previsível, que dirá controlável). Uma vez enviadas as mensagens têm vida própria, autônoma. (...) a versão do autor não goza de superioridade sobre as leituras dos destinatários, já que os significados emergentes são em geral produtos da interação entre o texto e os arcabouços cognitivos formados pelas variadas experiências dos leitores.

Ironia, distância, não comprometimento e acima de tudo a consciência do caráter de “até segunda ordem” das verdades é uma das poucas advertências da versão atual da razão que deveriam – realmente – ser levadas a sério.

As placas de trânsito mudam mais depressa que o tempo gasto para chegar aos destinos que elas apontam. Com o acúmulo de experiências como essa, é arriscado tratar com seriedade qualquer relato sobre a “situação do planeta”, que dirá prognósticos sobre suas condições futuras. Para o bem ou para o mal, nossos contemporâneos são treinados na arte da flexibilidade, o metavalor “imperativamente endossado e recomendado”, assim como popularmente aclamado, da modernidade líquida.

O mundo está mudando e se reordenando (não sem nossa cooperação ou omissão) com demasiada rapidez para que um conjunto de regras, qualquer que seja ele, permaneça funcional por toda a vida de um indivíduo, que dirá ultrapassá-la.

Me preocupa a separação e o iminente divórcio entre o poder, que é a capacidade de fazer com que as coisas sejam feitas, e a política, que é a capacidade de decidir quais coisas precisam ser feitas e quais não precisam.

Grande parte do poder antes contido na soberania do Estado evaporou-se no “espaço dos fluxos” global de Manuel Castells, enquanto a política até hoje continua a ser local.

O que se seguiu a este afastamento foi o paradoxo de uma progressiva coletivização dos problemas, juntamente com a privatização das ferramentas e dos meios necessários para sua solução. Um paradoxo cuja resolução ficou a cargo dos indivíduos, incumbidos da impossível tarefa de enfrentar de modo individual, por conta própria, desafios socialmente produzidos (e apenas socialmente solucionáveis).

O privado invadiu e conquistou a “ágora”, aquele espaço no qual se esperava que interesses privados fossem traduzidos em questões públicas, e onde necessidades públicas se traduzissem em direitos e deveres privados.

“Cortesia” é uma das últimas palavras que me viriam à mente se eu fosse descrever o mundo em que vivemos. “Hipocrisia”, sim. Contudo, confundir hipocrisia (ou seja, a tendência a manter distância do que causa a verdadeira dor e faz as pessoas realmente sofrerem, e a vender a crueldade sob o rótulo da benevolência) com cortesia, de qualquer forma, é o principal objetivo e a marca registrada da hipocrisia, sendo a “correção política” uma de suas manifestações flagrantes, ainda que hipocritamente disfarçada.

Usamos no dia a dia, pública e ostentosamente um tipo de linguagem antes confinado às sarjetas a aos antros do vicio. Não respeitamos mais os direitos de privacidade e intimidade. Talvez o lar do inglês ainda seja seu castelo, mas um castelo aberto aos visitantes 24 horas por dia, sete dias por semana, habitado por pessoas que temem a ausência ou escassez de observadores intrusos como a mais terrível das pragas do Egito.

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Nós nos deleitamos com a visão de aprendizes a perdedores que se mostram à porta da rua e dos habitantes da casa do Big Brother excluídos pelo voto após uma longa semana de humilhações e ridicularizações rotineiras. Não respeitamos nem a dignidade do outro nem a nossa. Quando ouvimos a palavra “honra”, recorremos a um dicionário.

É como se o “direito de difamar” tivesse se tornado um direito humano com tendência a ser universalmente respeitado e defendido com unhas e dentes pelas agências guardiães da lei.

Sem a ressurreição do respeito, não há chance para a solidariedade. Sem solidariedade, não há chance de despertar “as preocupações centrais da sociedade” de sua atual sonolência e forçá-las a abandonar o abrigo impenetrável da desatenção humana.

O que me põe de lado na comunicação ao estilo blog é a atordoante velocidade com que as mensagens entram e saem do domínio da atenção do público, quase sempre sem deixar testamento. Elas surfam pelas mentes em vez de se estabelecer dentro delas pelo tempo necessário para uma reflexão madura e para produzir consequências. Rapidamente lido, logo esquecido."