A seguir, alguns trechos para dar uma ideia das temáticas, mas não exime de leitura para quem quer aprofundar um pouco mais.
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Naquele momento (celebração
de ano novo dez/1999), com a Polônia na iminência de se integrar ao Ocidente,
tinha-se a impressão de que torcíamos todos pelo mesmo time. Concordávamos sobre
a democracia, o caminho para a prosperidade, o rumo que as coisas estavam
tomando.
Aquele momento passou.
Decorridas quase duas décadas, cheguei a mudar de calçada para evitar algumas
das pessoas que celebravam o ano 2000. por sua vez, elas não só se recusavam a
entrar na minha casa como tinham vergonha de admitir que um dia a frequentaram.
Na verdade, cerca de metade dos convidados nunca mais falaria com a outra
metade.
Dadas as devidas
circunstâncias, qualquer sociedade pode se voltar contra a democracia. Aliás, a
julgar pela história, todas as sociedades acabarão por fazê-lo.
Duas décadas atrás,
diferentes interpretações de “Polônia” também já deviam estar presentes, à
espera do momento de vir à tona, conforme as circunstâncias e em razão de
ambições pessoais.
A quem cabe definir uma
nação? E a quem, por conseguinte, cabe conduzir uma nação?
Monarquia, tirania,
oligarquia, democracia: tudo isso era familiar a Aristóteles, há mais de 2 mil
anos. Mas o regime antiliberal do partido único, ora encontrado em todo canto
do mundo – considere-se a China, a Venezuela, o Zimbábue -, foi pela primeira
vez desenvolvido por Lênin, na Rússia, a partir de 1917.
[Lênin será lembrado] não
por suas convicções marxistas, mas por ter inventado esta persistente forma de
organização política. Ela é o modelo pelo qual se pautam muitos dos autocratas
hoje em ascensão no mundo.
A diferença do marxismo, o
regime leninista de partido único não é uma filosofia. É um mecanismo para
deter o poder. Ele funciona porque define claramente quem vem a ser a elite – a
elite política, a elite cultural, a elite financeira.
O regime unipartidário
bolchevique não era apenas antidemocrático: era também não competitivo e não
meritocrático. Vagas nas universidades,
empregos no funcionalismo público e postos no governo e na indústria não cabiam
aos mais diligentes ou aos mais capazes: cabiam aos mais leiais.
Como escreveu Hanna Arendt
nos idos da década de 40, o pior tipo de regime unipartidário “invariavelmente
substitui todo talento, quaisquer que sejam suas simpatias, pelos loucos e
insensatos cuja falta de inteligência e criatividade é ainda a melhor garantia
de lealdade”.
Ressentimento, inveja e,
sobretudo, a crença na injustiça do “sistema” são sentimentos importantes entre
os intelectuais da direita polaca.
A experiência fez com que
Jaroslaw se desse conta de que não gostava de política, em especial da política
do ressentimento: “Eu entendi o que era de fato fazer política: promover
intrigas terríveis, vasculhar sujeita, fazer campanhas difamatórias.”
O apelo emocional de uma
teoria conspiratória está em sua simplicidade. Ao explicar fenômenos complexos,
esclarecer acasos e acidentes, ela propicia a sensação gratificante de se ter
acesso privilegiado ou especial à verdade.
O apelo do autoritarismo é
eterno.
O escritor venezuelano
Moisés Naím visitou Varsóvia poucos meses depois que o [partido de direita] Lei
e Justiça chegou ao poder. Pediu-me que descrevesse os novos dirigentes polacos:
Pessoalmente, como eram? Enumerei alguns adjetivos: “raivosos”, “vingativos”,
“rancorosos”. “Parecem”, ele disse, “ser iguaizinhos aos chavistas.”
Mais cedo ou mais tarde os
perdedores contestarão o mérito da competição em si.
O regime autoritário ou
mesmo o semi-autoritário – o regime de partido único, antiliberal - propicia essa esperança: de que a nação será conduzida pelas melhores pessoas, as que
merecem mandar, os quadros do partido, os que acreditam na Mentira de Médio
Porte. para tanto pode ser preciso subjugar a democracia, corromper a atividade
empresarial ou arrasar o sistema judiciário. Mas nada disso é impossível para
quem julga estar entre os que merecem mandar.
Em conclusão, qualquer extremo do espectro das ideias políticas é composto por farinhas colhidas do mesmo saco. São desejos de autoritarismo de um conjunto de indivíduos dispostos a tudo para oprimirem quanto for necessário para que se mantenham no poder. As técnicas de execução dos propósitos são exatamente as mesmas. A diferença está apenas no modelo de hipocrisia apresentado no discurso.
(1) Americana, jornalista e historiadora, casa com um diplomata polonês.