domingo, agosto 27, 2017

APRIMORAMENTO, SIM, REFORMA, NÃO!

Há tempos venho construindo uma visão sobre, principalmente, sistemas políticos que parte de uma proposição simples: chega de mudança! Ainda não tenho o pensamento e uma consequente proposição conceitualmente estruturada o suficiente para apresentar aqui. Entretanto, frente ao fato do Congresso brasileiro estar hoje na iminência de decidir sobre mudanças em nosso sistema que serão válidas para as eleições de 2018, decidi fazer esta postagem mais em termos práticos, deixando conceitos mais amplos para o futuro.

Mas dois conceitos básicos são necessários antes que possa prosseguir para o entendimento do que venho propor. O primeiro diz respeito ao fato de que todas as formas de vida, os átomos, o clima, o sistema solar, o universo, as sensações humanas e tudo o mais, não cambiam abruptamente, não transitam de um estado para outro sem terem passado por um processo marcado por mudanças evolutivas de um status em direção a um outro status normalmente oposto, frequentemente alternativo. A água não "pula" do estado líquido para o gasoso. Ao ser submetida a calor, a água gradativamente evolui para o estado gasoso. E tudo o mais obedece a esta lei que proponho chamar de "lei do aprimoramento evolutivo".

O segundo conceito é a realidade de que todo sistema, por mais bem elaborado, por mais aparentemente perfeito, é, por força das imponderabilidades e incertezas das forças que atuam sobre ele, são, inexoravelmente imperfeitos. Um executivo de uma indústria do que quer que seja, percebe um funcionamento não tão bom quanto desejaria de um produto sobre sua responsabilidade, não joga o projeto fora e propõe um novo. Ele não muda de produto, ao invés, ele investe em pesquisa e aprimoramento para torná-lo melhor do que é.


Isto posto, olhemos para os sistemas políticos. Como qualquer sistema, ele jamais será perfeito. Se alguém se der ao trabalho de comparar todos os sistemas políticos existentes nas mais de 200 nações atualmente existentes, eu me arrisco a supor que não encontrará dois iguais, na melhor das hipóteses, semelhantes.

Como cidadãos de um Estado-nação, temos uma característica comum de, quando alguma coisa está ruim, que elas mudem de status num passe de mágica, ou politicamente falando, no surgimento de um "salvador" que nos levará "à terra prometida" dos discursos de campanha. (Que os filósofos de Platão aos de plantão, expliquem este desejo que contradiz o que a vida nos diz a todo instante!)

Este direito que os cidadãos comuns têm de cuidar do próprio umbigo como mantra primordial, não o têm aqueles que se propõe a propor os caminhos e regras para a manutenção do desenrolar da  história do país de forma equilibrada, consistente e evolutiva para o aprimoramento.

Chegamos assim ao que se discute, hoje, na Câmara dos Deputados, e que em seguida o será no Senado: uma reforma política ajambrada para atender interesses próprios de perpetuação no poder, seja por desprezo ao país, seja por argumentos puramente eleitoreiros. Qualquer nova regra que não estimule fortemente a renovação dos nossos representantes, será considerada, com certeza, um atentado contra os desejos atuais dos eleitores.

Temos hoje um sistema que apresenta quatro questões que demandam avaliação e ajustes: o presidencialismo de coalizão que se tornou de "cooptação; o voto proporcional para cargos do legislativo; as coalizões por princípios espúrios; e o financiamento de campanhas. Todos têm inconveniências que precisam ser minimizadas. Todos têm regras de funcionamento que precisam ser aprimoradas. 

Caminharemos para dias melhores se nossos parlamentares tiverem foco na evolução dos processos em lugar de proposições de ruptura; se levarem em conta que o Brasil já fez sua opção pelo presidencialismo reiteradamente; se entenderem que todo o processo político precisa estar sob novos parâmetros de redução de custo (não só das campanhas); e quiserem realmente representar os cidadãos voltando suas atenções para o conhecimento das demandas, principalmente, daqueles que pertencem ao conjunto que eles chamam de "povo". 

Chega de rupturas/mudanças que atendem exclusivamente ao esprit de corps político! 

Aprimoramento já, e SEMPRE!


Se você também não gosta de hipocrisia na política, 
você precisa conhecer o PARTIDO NOVO.

segunda-feira, agosto 07, 2017

NESTE MEIO EU SOU A MENSAGEM


Zygmunt Bauman e Ezio Mauro
Depois de Epicuro, voltei a Zygmunt Bauman (quem chegou só agora, veja postagens anteriores). Li "Babel, entre a incerteza e a insegurança" (Ed. Zahar 2016). Escrito com Ezio Mauro, jornalista e escritor italiano. Também esta obra em forma de diálogo.


Neste livro, os autores tratam dos sentimentos e dúvidas dos cidadãos no mundo fluido atual. O que selecionei tem, como sempre, uma correspondência com nós, cidadãos brasileiros deste pós ruas de 2016.


O título desta postagem, "Neste meio eu sou a mensagem", é uma conclusão que cheguei em 1997 depois de meu primeiro ano de internauta. Eu não imaginava o quanto ela se tornaria uma síntese de nossos dias atuais.

Como sempre, entre colchetes "[]" e negritos, são interferências minhas.


EZIO MAURO
Estamos descobrindo que acreditar nas formas e instituições da democracia não é o bastante. A democracia não é autossuficiente.

Governos democráticos são instáveis porque tudo está fora de controle

Autonomia da crise: a crise é indiferente ao processo democrático [e] tira vantagem das fraquezas desse processo e exagerando-as.


ZYGMUNT BAUMAN

Freud
Como observou Freud, em nome de maior segurança, nós tendemos a estar prontos para sacrificar e ceder grande parte de outro valor que exaltamos, a liberdade.

De maneira pendular, nós vamos da ânsia por mais liberdade à angustia por mais segurança.

Eleitores apenas procedem mecanicamente (...) eles vão às cabines eleitorais para escolher males menores.

A apatia política não é novidade. (...) Já na virada para o século XX, pensadores já nos advertiam sobre a passividade dos membros da base dos partidos políticos, bem como da maioria do eleitorado, causada pela incapacidade da gente comum, equipada apenas de conhecimentos médios, de compreender a espantosa complexidade das questões que os poderes investidos confrontam diariamente e com que são obrigados a lidar. [Desde lá já se observava que os cidadãos] são incapazes de contribuir com qualquer coisa relevante.

A passividade dos cidadãos era baseada na confiança de que governos e parlamentos podiam realizar a tarefa [de conduzir a sociedade] e cumprir suas promessas. Contudo, agora não é mais assim.

A política é reduzida à dimensão de evento, o guru substitui o líder, a celebridade toma o lugar do renome, a popularidade, o lugar da reputação.

A democracia foi sustentada pela tradução contínua de interesses privados em questões públicas e de necessidades públicas em direitos e deveres privados.

Não há sentido em desenvolver lealdade para com nossos colegas de trabalho, os quais já não são mais companheiros de armas. Não faz sentido, tampouco, desenvolver lealdade para com a empresa. Quem sabe quanto tempo vão eles permitir que você fique? Essa é a mentalidade dos nossos tempos.

Onde isso vai dar? Estamos preocupados com o estado lamentável da democracia e a impotência cada vez mais patente das instituições criadas em seu nome. Preocupamo-nos com a política reduzida a espetáculo; os cidadãos, a espectadores; o discurso político, a oportunidades para tirar a foto; e a batalha de idéias, à competição entre "marqueteiros".

Existe alguma perspectiva realista de um movimento de massa em defesa da nossa democracia doente e vulnerável?

Essas manifestações [de rua], inclino-me a dizer, são casos de "solidariedade explosiva": por um instante as pessoas suspendem as diferenças de seus interesses e de suas preferências a fim de liberar a energia acumulada pelo grande número de manifestantes e de maneira tão impressionante (e esperançosamente efetiva).

EZIO MAURO

Hoje nos falta um "telhado", algo que compartilhamos e que pode nos manter juntos, dando-nos um sentido de pertencimento e de identidade na nossa relação uns com os outros.

O que está em jogo aqui não são apenas as conseqüências de graves transformações no trabalho, mas o próprio trabalho.

Rifkin, em The Zero Marginal Cost Society: Uma vez que, nos mercados capitalistas, capital e trabalho se alimentam um do outro, o que acontece quando tão poucas pessoas estão produtivamente empregadas que não  há compradores para adquirir os bens e serviços de quem os vende?

Para Ulrich Beck o que está em jogo não são apenas milhões de desempregados. (...) Tudo o que temos está em jogo. A liberdade política e a democracia na Europa estão em jogo.

Se participarmos de alguma batalha política ou se nos trancarmos em  nossas casas, isso não faz nenhuma diferença.

Não somos mais capazes de encontrar razões para construir, propor, reformar.

O cidadão é chamado a abastecer seu voto com sua raiva, a qual é então preservada em compartimentos esterilizados até o período eleitoral seguinte.


ZYGMUNT BAUMAN

Os seres humanos se ressentem de atenção e negligência; ter seu mérito reconhecido e apreciado é, segundo Platão, uma necessidade humana fundamental.

A economia "erótica" ou consumista é conhecida por ajustar a demanda à oferta seduzindo consumidores prospectivos a desejar produtos de que ele nunca imaginou precisar.

Peter Sloterdijk: Hoje, o indivíduo é em primeiro lugar e acima de tudo um consumidor, não um cidadão.


EZIO MAURO

Eis onde estamos: a exclusão é a nova forma da desigualdade, não apenas uma de suas consequências.

Quem vive no espaço dos fluxos não tem mais necessidades de laços nem de responsabilidade [social].

Precisamos dar um novo significado (...) a ex-cidadãos que não têm mais identidade, indivíduos que não projetam nenhuma sombra social, não deixam nenhuma pegada política em pleno meio onde vivemos.


ZYGMUNT BAUMAN

Hoje, todos estão sozinhos não só na morte, mas em seus esforços para continuar vivos. (...) Ser abandonado e excluído, rejeitado e relegado à lixeira não engendra solidariedade, gera e causa desrespeito mútuo, desconfiança, rancor e aversão (...) um vale-tudo pelas migalhas que caem das mesas festivas da sociedade de consumo.

Sindicatos? Greves? Nada a esperar daí, a não ser mais fábricas fechadas e abandonadas pelos proprietários de capital, ofendidos com as reivindicações e a militância inospitaleira e arrogante dos obstinados habitantes locais.

Acredito que o que nos mantém vivos e atuantes é a imortalidade da esperança. E como Camus, "Eu me rebelo, logo existimos."


EZIO MAURO

Colin Crouch: Quanto capitalismo a democracia pode aguentar?

(...) pois na democracia o poder está sempre em leilão.



ZYGMUNT BAUMAN

Por "natureza prática" queria dizer que devemos ser realistas - brutalmente honestos com nós mesmos - quando se trata de nossas chances de levar as transformações a cabo.

A necessidade é uma ilusão, ou pior: para citar o discurso de William Pitt, o Jovem, em 18 de novembro de 1783, a "necessidade é o pretexto para todas as violações da liberdade humana. É o argumento dos tiranos, é o credo dos escravos.

O mundo dos seres humanos é um reino de possibilidades-probabilidades, não de determinações e necessidades.

A ruína notória de todo e qualquer governo do dia: o déficit crônico de poder que seria necessário para lidar com os problemas que afetam a vida cotidiana e as perspectivas de vida de seus cidadãos.


EZIO MAURO

Eu permaneço no interior dos fluxos, plenamente imerso na poeira fina da informação, exposto aos ritos televisionários de poder. Esse mecanismo, porém, só anda numa direção, e tudo o que posso fazer é mudar de canal ou desligar o aparelho à noite.

Sou um cidadão-cliente: na verdade, um consumidor. Eu compro e recebo idéias pré-processadas e transmitidas de formas funcionais para a narrativa de outrem.


ZYGMUNT BAUMAN

Pelo uso da força, as pessoas podem ser obrigadas a fazer algo de que prefeririam se abster. Pelo uso do dinheiro (grandes quantidades de dinheiro), as pessoas podem ser induzidas a fazer o que não fariam por iniciativa própria. Pelo uso da sedução, as pessoas podem ser tentadas a fazer coisas pela pura felicidade de fazê-lo.

As tentações da irresponsabilidade são quase irresistíveis.

Desde o começo da humanidade os seres humanos preferiram deixar a responsabilidade [de conduzir o mundo, a vida], total e indivisa, para os deuses.

Sejamos francos e honestos: a maior parte das pessoas sob a maioria das circunstâncias não está ansiosa para (e nem gostaria de) jogar as responsabilidades sobre seus próprios ombros.

Os jovens atuais vivem numa "conectividade" que substituiu sub-repticiamente as coletividades dos velhos tempos. (...) os jovens de hoje "têm acesso a todas as pessoas" com seus smartphones. Com os Sistemas de Posicionamento Global, eles têm acesso "a todos os lugares. Com a internet, a todos os conhecimentos".


EZIO MAURO

O que estamos excluindo de nosso processo cognitivo é precisamente a seleção, vale dizer, a capacidade de estudar, entender, descartar, definir, refinar e finalmente escolher.

O homem que viveu o processo a partir dos anos 1970 [acabou por se tornar o] "solitário interconectado" que você, Bauman, mencionou.

Se posso fazer tudo sozinho, todas as formas de mediação são injustificadas e arrogantes.

Se tudo é simultâneo, só conta o que é imediato, não o que foi acumulado (...).

Aqui e agora, a impressão toma o lugar da opinião.


ZYGMUNT BAUMAN

Uma "rede" não é um espaço para desafiar as idéias recebidas e as preferências de seu criador. Ela é povoada exclusivamente por pessoas de mesma opinião, dizendo o que a pessoa que os admitiu deseja ouvir e prontas a aplaudir tudo o que quem as admitiu ou nomeou venha a dizer; dissidentes são exilados ao primeiro sinal de discordância.


EZIO MAURO

Eu sou tecnicamente capaz de investigar a sua vida, todos os mínimos  recantos, em nome de sua segurança e da dos demais. Por essa razão, eu o faço.

A internet mudou radicalmente não só a comunicação e a conexão, mas também a história, já que na rede tudo acontece no presente; mudou a geografia, pois a internet é ubíqua; mudou a economia, com companhias digitais que valem mais do que os negócios off-line; mudou os costumes, virando de pernas para o ar o equilíbrio do saber entre nós e nossos filhos.

Bertrand Russel chama de "imunidade à eloquência" a capacidade de resistir à falsa mágica das palavras do Poder.

A revolução da espacialidade desencadeada pela globalização, junto com a revolução tecnológica, produziu a explosão da espacialidade moderna - do espaço nacional, social, político -, desintegrando a soberania popular e a soberania pública, tornando impossível qualquer controle de mandatos e qualquer limite à representação.


ZYGMUNT BAUMAN

Stanley Milgram
Stanley Milgram, pesquisador universitário de Yale, pediu a estudantes dessa universidade altamente prestigiosa - pessoas ostensivamente bem educadas, inteligentes e instruídas - para dar choques de 400 volts, muito doloroso, em participantes de um pretenso estudo científico sobre processo de aprendizagem; 65% deles obedeceram ao comando (para surpresa e consternação dos especialistas, que esperavam que no máximo 5% concordassem com isso!).

[A explicação para tipos de casos como este e outros, como por exemplo, soldados que obedecem a ordens de extermínio de outros cidadãos, é a percepção de que deveriam obedecer aos "superiores", ou às "pessoas no comando", às "pessoas que sabiam o que estavam fazendo".]


A geração atual é uma geração de "solitários sempre em contato".

EZIO MAURO

Mil cacos de informação nada acrescentam ao conhecimento.

Eu mesmo estou no fluxo, eu quero estar nele, eu também sou o fluxo. E tudo se encontra no fluxo, ou pelo menos tudo de que eu necessito.

Em apenas poucos segundos posso responder aos tuítes de Madonna sobre suas ações de caridade como se ela estivesse falando comigo. Eu sou o protagonista, eu sinto o fluxo à minha volta.

Tudo que funcionava como mecanismo de salvaguarda antes da internet, desaba com ela. (...) a rede me leva para dentro dos fenômenos em movimento, quero estar neles como senhor: não reconheço nenhuma autoridade externa. (...) Eu entrei no filme, não vou voltar para a platéia.

Clay Shirky: Filtrar e depois publicar, quaisquer que sejam suas vantagens, repousava sobre uma escassez de mídia que é coisa do passado. A expansão da mídia social significa que o único sistema em funcionamento é publicar e depois filtrar.

[Estamos assistindo] ao fim da hierarquia, da verticalidade da informação, em nome da horizontalidade da comunicação.

Entre meu mouse que descarta opiniões discordantes da minha opinião e meu orgulho satisfeito com as opiniões que concordam comigo jaz o gargalo inevitável pelo qual estou me afunilando, feito de sinais tranquilizadores, mensagens reconfortantes e pensamentos confirmadores. Nós tendemos a viver e a navegar entre nossos iguais, mas o conceito de igualdade dos séculos XIX e XX mudou de significado. Hoje não é social, não é político, não é econômico. Igualdade agora significa apenas concordância, um mundo concorde à minha volta.

Manuel Castells
Castells: Na nossa sociedade, os protocolos de comunicação não são baseados em compartilhamento de cultura, mas na cultura do compartilhamento.

Castells: Não há oposição entre cognição e emoção porque a cognição política é moldada emocionalmente e os cidadãos tomam decisões gerenciando conflitos entre sua condição emocional (como se sentem) e sua condição cognitiva (o que eles sabem). (...) Quando o conflito se acirra, as pessoas tendem a acreditar no que elas querem acreditar. E, mesmo numa crise econômica, é a resposta emocional de um indivíduo à crise, e não uma avaliação refletida sobre qual a melhor resposta para a crise, que organiza o pensamento e a prática política das pessoas.

ZYGMUNT BAUMAN

Kafka: Hoje os portões retrocederam para lugares mais remotos e mais altos, ninguém indica o caminho; muitos carregam espadas, mas apenas para brandi-las, o olho que tenta segui-las fica confuso.


Kafka se associa à suspeita de que hoje o significado do significado é "não ter um significado definido e reconhecível, não o procurar, não o exigir. Contentar-se com os sinais".




EZIO MAURO

Agora os jovens trocam mensagens vazias com seus telefones só para dizer oi, cutucar, confirmar; impulsos são a síntese ultima da palavra e do n Ada e os confundem.

Sinto, logo sou. Estou on-line, logo sinto.

O símbolo, como disse Lippmannn, "assegura unidade e flexibilidade sem consentimento real. Ele obscurece a intenção pessoal, neutraliza a discriminação, ... ele cimenta o grupo... para ações deliberadas. Ele torna a massa móvel apesar de imobilizar a personalidade.

On-line, todos nós nos tornamos receptores e condutores da informação - grande ou pequena - que chega até nós e transita por nós para seguir adiante, sabe-se lá para onde.

Não obstante, como diz Evgeny Morozov, precisamos compreender logo que a internet "penetra e altera todos os caminhos da vida política, não só aqueles que conduzem à democratização", mas também os vantajosos para os poderes instituídos, que podem afiar sues sistemas de propaganda, tornar a vigilância mais eficaz, manipular a nova mídia, controlar o espaço público, voltando-o para o entretenimento e não para a política. Indaga ele: "E se o potencial libertador da internet também contiver as sementes da despolitização e, assim, da 'desdemocratização'?"


ZYGMUNT BAUMAN

Bronislaw Malinowski, um dos principais fundadores da antropologia moderna, cunhou o conceito de "expressões fáticas" - um nome familiar para exclamações do tipo "Alô", "Como vai", "Tudo bem", "Oi", ou "Bem-vindo". A única informação que as expressões fáticas contêm e comunicam é "Estou aqui! E noto que você também está aqui".

E há outra tentação on-line à qual é mais difícil de se resistir: substituir a dura necessidade de discussão por uma jovial liberdade de discurso de ódio.


EZIO MAURO

Vivemos por fragmentos e fragmentamos a  história. Kurt Vonnegut escreveu: "Comunidades eletrônicas não constroem nada. Você acaba de mãos vazias."

Hoje, os efeitos de todo evento isolado se espalham, segundo um processo on-line, em direções e com consequências políticas e culturais que são em última análise imprevisíveis e extravasam toda proporção do evento original.

Ian McEwan
Para Ian McEwan, "a liberdade de expressão, o ato de dar e receber informação, fazer perguntas embaraçosas, pesquisa acadêmica, críticas, fantasia, sátira - o intercâmbio no interior de toda a gama da nossa capacidade intelectual, essa é a liberdade que dá origem às demais. A liberdade de expressão não é inimiga da religião, é sua protetora. Por ser assim, é que há um grande número de mesquitas em Paris, Londres, Nova York. Em Riad, onde ela está ausente, nenhuma igreja é permitida. Importar uma Bíblia hoje implica pena de morte."

O que Simone Weil escreveu em 1934 ainda é válido: "O homem nunca foi tão incapaz, não só de subordinar suas ações a seus pensamentos, mas até de pensar." O que Albert Camus disse vinte anos mais tarde também ainda é válido: "Talvez seja difícil encontrar uma época em que o número de pessoas humilhadas seja tão grande."


ZYGMUNT BAUMAN

Seja como for, eu continuo a repetir que, entre os veículos disponíveis para a viagem ao longo da estrada, é o diálogo sério, com disposição favorável (informal, aberta, cooperativa), buscando a compreensão mútua e o beneficio recíproco, que merece mais confiança. Esse tipo de diálogo (...) exige, acima de tudo, muita serenidade, muito equilíbrio e muita paciência.

[Mas as perspectivas disto se disseminar esbarram no] slaktivismo(*) das redes sociais que instigam seus usuários a expressar seus interesses sobre questões públicas e sua preocupação com os males da sociedade usando o mouse para clicar em "curtir", "compartilhar" ou "tweet", enquanto se iludem de que "estão praticando bem sem sair da poltrona.

(*) Slacktivismo - ativismo de preguiçosos


EZIO MAURO - Epílogo

Joshua Meyrowitz: Na sociedade de caçadores e coletores, a falta de fronteiras tanto ao caçar quanto ao coletar leva a muitos paralelos surpreendentes com as sociedades eletrônicas (eles também não tinham "noção de lugar").

Bulgákov: Alguma coisa vai acontecer, pois uma situação como esta não pode se arrastar para sempre.

O espaço ao qual nos apegamos, ainda desconhecido, ainda receptivo ao debate, é a estrada para sair de Babel.





Se você também não gosta de hipocrisia na política, você precisa conhecer o 
PARTIDO NOVO 
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