Estou lendo "Ética pós-moderna", de Zygmunt Bauman, intelectual polonês, considerado o mais brilhante sociólogo de nosso tempo, falecido no início de 2017. Apesar do título citar "ética", é de moral que ele mais trata. Este fato sinaliza que tais conceitos têm seus significados sobrepostos. Se você for procurar separá-los vai ficar bastante perdido.

É a moral que regula minhas interrelações não objetivadas, tais como entre familiares, entre amigos, entre conhecidos e desconhecidos, todos personagens obrigatórios e frequentes no meu cotidiano. O papel da moralidade é criar um campo de convívio onde prevalece o respeito pelo outro de modo a manter estável a convivência. Na moralidade cabem valorações de bem e mal, de correto e incorreto, de honestidade e desonestidade. A moral não tem código, tem valores, mas estes são subordinados a cada cultura e, portanto, impossível de serem universalizados. E o sem moral é aquele que não se importa com o outro. Muito diferente da ética.

Em resumo, considero que a moralidade é o conjunto de princípios acordado entre indivíduos para nos orientar quanto ao que esperar do comportamento do Outro, enquanto a ética é o código de regras de um grupo específico a ser fielmente cumprido por cada um de seus membros, independente do Outro.
Tendo competência para sintetizar infinitamente superior à minha, Bauman formula assim: "A moral é uma questão de responsabilidade em relação ao Outro; ética é a prática de impor regras de conduta moral." Pimba!!!

Dito isto, e em função das graves discussões que hoje, amanhã e depois estaremos acompanhando, resolvi já ir deixando aqui algumas passagens do livro de Bauman (*). Os negritos são meus. Os itálicos são dele. Ei-las.
"Em nossos tempos
(...) os políticos depuseram as utopias; e os idealistas de ontem tornaram-se
pragmáticos.
Quando casada com
individualismo autocelebrativo e livre de escrúpulos, a tolerância só se pode
expressar como indiferença.
O código ético a toda prova nunca vai ser
encontrado; tendo outrora
chamuscado muitíssimas vezes nossos dedos, sabemos agora o que não sabíamos
então ao embarcarmos nessa viagem de exploração: que uma moralidade não
aporética e não ambivalente, uma ética
que seja universal e "objetivamente fundamentada", constitui
impossibilidade prática; talvez também um oximoron, uma contradição nos termos. (...) A maior parte das
escolhas morais são feitas entre impulsos contraditórios. (...) O impulso de cuidar do Outro, quando levado
ao extremo, conduz à aniquilação da autonomia do Outro, à dominação e à
opressão. (...) A moralidade não é
universalizável. (...) Contrariamente à opinião popular, e de certos
escritores pós-modernistas, a perspectiva pós-moderna acerca de fenômenos
morais não revela o relativismo da
moralidade.
Os humanos são moralmente ambivalentes.
(...) Nenhum código ético logicamente coerente pode "harmonizar-se"
com a condição essencialmente ambivalente da moralidade. (...) Precisamos
aprender que uma sociedade perfeita, assim como um ser humano perfeito, não é
perspectiva viável, ao passo que tentativas de provar o contrário acabam sendo
mais crueldade que humanidade e certamente menor moralidade.
Hans Jonas:
"Nunca houve tanto poder ligado com tão pouca orientação para seu uso...
Precisamos mais de sabedoria quando menos cremos nela."
A escala das
conseqüências que nossas ações podem ter, tolhe-nos a imaginação moral que
podemos possuir. (...) Nossas ferramentas éticas simplesmente não foram feitas para
os poderes que atualmente possuímos.
Com o pluralismo de
normas as escolhas morais surgem-nos intrínseca e irreparavelmente
ambivalentes. Os nossos tempos são tempos de ambiguidade moral fortemente
sentida.
A justificação para
se ser moral é irritantemente individualista e autônoma - refere-se ela ao
amor-próprio e ao interesse próprio - só se pode assegurar a realização do
comportamento moral pela força heterônoma da Lei.
Por uma razão ou
outra, a maioria das pessoas, ao escolher, não escolhem o que é moralmente bom.
Assim é, paradoxalmente, a própria liberdade de julgar e escolher que necessita
de força externa que leve a pessoa a fazer o bem para sua própria salvação,
para seu próprio bem-estar, ou em seu próprio interesse.
A verdade é que a confusão
permanecerá, o que quer que façamos ou saibamos, que as pequenas ordens ou
sistemas que cinzelamos no mundo são frágeis, temporários, e tão arbitrários e
no fim tão contingentes como suas alternativas. "
Até terminar a leitura, voltarei aqui para reproduzir mais pensamentos de Bauman e fazer meus comentários de leigo.
(*) É relevante lembrar que Bauman elaborou estas reflexões antes de 1997 quando a obra foi publicada. Sem conhecer ainda, portanto, os efeitos da fragmentação de tudo provocada pelas tecnologias de comunicação.