segunda-feira, setembro 18, 2023

EXTIRPANDO A DEMOCRACIA – 2: Do "Laissez-faire" à Tirania

 

 O LIBERALISMO

A maior parte do que escrevo e público no âmbito deste meu “Desnudando a Hipocrisia” é, na realidade, um exercício sobre o que não entendo e, como tal, uma tentativa de organizar as confusões mentais que vivo e as perplexidades que minhas percepções me causam. Quando penso que “descobri” alguma coisa, algum sentido ou razão sobre o “problema” em pauta, então me arrisco a publicar na intenção de minhas reflexões serem úteis a quem passa por aqui, advertida ou inadvertidamente.

O que me faz trazer à reflexão do Leitor a temática dos alternativos sistemas de poder político - de modo leigo e superficial, confesso -, são os fundamentos que embasam as “verdades” de cada um no tempo e nas circunstâncias dominantes. Portanto, o que interessa aqui, não serão regras tais como se o voto deve ser distrital, qual deve ser a duração dos mandatos, e coisas assim, que são formas de levar à prática o que se propõe como conceito. Na discussão sobre o fim da democracia – é isto que quero dizer com “extirpar” – vou procurar saber a que as atuais “democracias”, pretensamente consideradas como “governo do povo, pelo povo, para o povo”, estão passando/enfrentando neste início de milênio e a que distância estão de um pretenso ideal democrático imaginado por qualquer pensador em qualquer tempo da história civilizacional.

Entretanto, antes de avançar, reconheço que a maioria de nós, leigos, tem muitas dúvidas sobre os tantos conceitos envolvidos e, isto considerado, vou buscar clarear alguns deles na medida em que forem sendo abordados.

No texto introdutório, tratei das 3 formas de conduzir processos de produção no sentido de realizar algo, seja para si, seja para um outro, seja para um contingente de outros. Recordando: os modelos laissez-faire, autocrata e democrata. Em se tratando dos princípios sobre os quais se alicerçam os sistemas de poder político, considero apenas 2: o democrata - debater antes de/para fazer -, e o autocrata - fazer o que mandam/impõem, sem possibilidade de debate (quando vale o dito “manda quem pode, obedece quem tem juízo”). Deles vou tratar à frente. Antes vamos saber onde ficou/fica o laissez-faire, o deixar fazer.

Quando o homo sapiens vivia em pequenos grupos familiares de caçadores-coletores, não havia governo, nem nações ou países, nem Estados, nem “sociedades” ou mesmo “civilização” como conceituamos hoje. O humano daqueles tempos era livre para fazer o que desejava e necessitava. E era pouco: buscar abrigo, caçar ou colher o alimento, procriar e descansar. Quase mais nada além disso. A pouquíssimos, se não a ninguém, devia satisfação de seus atos. Foi a época áurea do laissez-faire, pois não havia “governo”, e se a liberdade de agir era uma realidade, também o era a responsabilidade sobre as consequências. Se não havia opressores também não havia protetores.

As populações cresceram. Pequenos grupos familiares interagiram e formaram tribos provavelmente porque perceberam que unidos tinham ganhos de produtividade e segurança. Surgiu a agricultura reduzindo o nomadismo[1] e aumentando as populações, fruto, principalmente, da redução da mortalidade infantil em consequência, talvez, do controle sobre a qualidade dos alimentos ingeridos e redução de outras ameaças à vida.

Mas as populações continuaram crescendo até que tribos precisaram se unir e formar grandes aglomerados, vilas e cidades. Simultaneamente os problemas com que os humanos precisavam lidar, eram de naturezas diversas para os quais as soluções eram mais complexas, pois envolviam interesses diferentes e não mais individuais, mas de grupos de muitos outros humanos. Em dado momento[2] evidenciou-se a necessidade de uma estrutura organizacional, ou seja, de atribuir poder de organizar para fazer/realizar na busca da satisfação coletiva, ou pelo menos, da maioria. Tal delegação, ao longo da história, se deu por dois processos que hoje conhecemos e podemos denominar de aristocracia e democracia. E estes dois caminhos de organização se alternaram e continuam a se alternar de tempos em tempos pela simples razão de que ambos não são capazes de por si só resolverem tudo e, consequentemente, se esgotam depois que a população constata que não atingiram o objetivo imaginado. Essa formulação carrega uma certa dose de inocência. A realidade é que tal alternância se deve de fato à luta pelo poder político, que pode ser resumida em “quem está dentro não quer sair, e quem está fora quer entrar”.

Foi naquele período da história que o laissez-faire perdeu sua predominância exclusiva na condução da vida cotidiana dando lugar a algum sistema de poder, consequente restrição da liberdade em alguma medida. Mais tarde, com o surgimento do escambo como solução para equilibrar escassez e abundância da produção e, mais tarde, com a criação da moeda, um produto intercambiável e aceito por todos, o laissez-faire se mostrou a receita capaz de equilibrar “oferta” e “demanda” de produtos. Ali o modelo laissez-faire de decisões individuais e egocêntricas, absolutamente impróprio para dar soluções coletivas, portanto, incapaz de ser aplicado como sistema político, se mostra ideal como um modelo econômico que veio a ser estudado por Adam Smith[3] e por ele cunhado como “liberalismo”, tendo sido também o propositor do conceito de “a mão invisível do mercado”, sobre o que falarei futuramente.

Resumindo: monarquia (autocracia) e democracia, modelos de solução para sistema político; liberalismo (laissez-faire), modelo de solução para sistema econômico.



[1] O nomadismo é a prática dos povos nômades, que não têm uma habitação fixa, que vivem permanentemente mudando de lugar. Usualmente são os povos do tipo caçadores-coletores ou pastores, mudando-se a fim de buscar novas pastagens para o gado, quando se esgota aquela em que estavam.

[2] Esta é uma suposição apenas com o intuito de dar uma lógica para o pensamento. Não tenho nenhum compromisso com uma “verdade” histórica.

[3] Adam Smith (1723-1790) foi um filósofo e economista escocês, que teve como cenário para a sua vida o atribulado Século das Luzes, o século XVIII. É o pai da economia moderna, e é considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico. Fonte: Wikipedia.









quinta-feira, setembro 07, 2023

EXTIRPANDO A DEMOCRACIA - 1: Do “Laissez-faire” à Tirania

 

INTRODUÇÃO

 

Como o que pretendo trazer à reflexão trata de conceitos que precisam ser entendidos por todos os leitores de uma mesma maneira, este texto é introdutório aos demais que trarei em seguida.

Uma das lições aprendidas na faculdade de administração que até hoje estão na minha memória foi a que apresentou às três formas de administração - as técnicas de conduzir com sucesso algum processo produtivo (em sentido amplo). São elas: a autocracia[1], a democracia e o laissez-faire[2]. Cada uma tem suas próprias características e a escolha de qual aplicar em cada caso é determinada pela avaliação de três fatores: circunstâncias, objetivo e tempo

Nós, humanos, temos diferenças no modo de conduzir nossas vidas. Temos os bonzinhos, os mauzinhos e os nem tanto.  Mas não é disso que vamos tratar, apesar do fato de sermos os agentes ativos e passivos nos processos produtivos. Isto será tratado ao longo desta prosopopeia na medida em que for preciso separar o indivíduo da técnica. Na vida particular, cada um tem seu jeito próprio de conduzir as coisas, temos de nos responsabilizar por nossas decisões e arcar com as consequências, quer tenhamos extraído[3] aprendizado delas ou não. Na vida social, profissional, econômica e política, as coisas são diferentes porque existem os outros, e como alguém já identificou, “o inferno são os outros”!

Nesta introdução, apresento apenas os 3 conceitos sem entrar nas reflexões sobre sistemas políticos. Ressalto que é muito provável que você ache o que mostro hoje pueril, óbvio, e por aí, mas entenda que preciso equalizar entre todos os leitores uma mesma base de informação conceitual para que não haja muitas dúvidas quanto ao que estiver sendo dito mais à frente.

O que chamo previamente atenção do Leitor é para o fato de que cada uma das 3 técnicas produz o melhor resultado dependendo da combinação dos 3 fatores citados. Elas não são intercambiáveis, onde se aplica uma com melhor resultado, as demais serão um desastre. Esta afirmação a faço como dedução de minhas vivências, tanto profissionais, quanto familiares.

 

LAISSEZ-FAIRE

Nesta introdução, vou usar esta expressão em substituição a liberalismo, termo que tem significados diferentes dependendo de que país e de em que espectro político estamos inseridos.

Podemos assumir que no princípio era o laissez-faire. O homo sapiens das cavernas não estava sob a vontade de um outro, e, em tese, era dono de seu nariz. Ele podia escolher caçar ou dormir. Banhar-se no rio ou caminhar pela mata. Deitar-se sobre a relva ou, depois de extrair uma resina de um “Pau Brasil”, pintar imagens nas paredes de sua caverna. As escolhas só dependiam de suas próprias circunstâncias, objetivos e tempo. “Deixe estar, se faltar comida eu resolvo depois”.

Naqueles tempos, muito pouco do que se fazia em benefício próprio, pouco ou nada afetava um outro ou seu pequeno grupo de caçadores-coletores.

Nestes termos, fica evidente que tal técnica, ou modo de agir, tem seu valor quando o objetivo de produção do que quer que seja é de exclusivo interesse do autor do processo. Uma área de maior aplicação deste princípio de produção está, evidentemente, nas artes, todas as artes, porque o produto final é fruto da vontade, intenção e forma de expressão de seu autor. Mas não só. Também nos esportes individuais, na medicina, na advocacia, são áreas em que esta é, na maioria dos casos, a única técnica cabível para a concretização de um objetivo.

Para não deixar nenhuma dúvida, imagine se Gala, musa de Salvador Dalí, ficasse espreitando por trás de seus ombros e emitindo opinião sobre o que ele estivesse pintando! Imagine o professor de uma especialidade qualquer da medicina que, depois de diplomado seu aluno mais brilhante, resolvesse se colocar ao lado de seu pupilo em uma sala de cirurgia e ficasse opinando ou criticando o que ele estivesse fazendo!? Ou se algum diretor de equipe de Fórmula 1 ficasse dando ordens a Barrichelo para que deixasse Schumacher ultrapassá-lo a 100 metros da linha de chegada. Ah! Isto já aconteceu!!! Estas são evidências de decisões autocráticas em circunstâncias em que elas não resultarão no melhor resultado.

Podemos, ainda, usando os mesmos exemplos imaginar um debate democrático entre Dalí e Gala sobre qual a forma que o relógio derretendo deveria aparecer sobre a mesa; entre o mestre e o aluno enquanto o paciente estivesse anestesiado e com seu coração exposto em um peito aberto, ou, uma discussão entre todos os membros de uma equipe se tal ordem de ultrapassagem seria moralmente aceita ou não!? “Hoje sim, hoje nãããooo!”

 

AUTOCRACIA

Na aula já citada, o professor ilustrou cada forma através de exemplos práticos. Me lembro dele usar para justificar a autocracia a atuação dos bombeiros em um incêndio e do exército em uma batalha, por mostrarem que as duas outras opções, consideradas as circunstâncias, o objetivo e o tempo, teriam um altíssimo índice de probabilidade de resultar em um tremendo desastre, ou algum nível de insucesso, quanto ao objetivo final de ter as chamas debeladas no menor tempo possível ou de vencer a batalha com as menores perdas de vida possível.

A autocracia tem como fundamento a ação a partir de uma ordem inquestionável, não porque seja a melhor – não há nem mesmo tempo para se tentar descobrir qual seria ela -, mas porque existem situações – até mesmo na vida pessoal – em que algo, qualquer algo, precisa ser imediatamente feito. Em tais circunstâncias a ação pensada, estudada, medida, tem que ser substituída pela ação/reação. E não importa o jeito como ela exercida. Também não importa se quem está no comando, na responsabilidade de decidir, tem um conhecimento prévio que o capacita, ou por ameaçar no presente com uma arma apontada para a cabeça dos demais, ou por ameaça/promessa de retaliação futura. A autocracia não tem como objetivo a melhor solução, ela simplesmente está a serviço de acabar com o problema, a ameaça, a resistência, a rebeldia, ou, então,... o fogo, a catástrofe, o desastre.

O corolário desta tese é que quando a autocracia age sobre processos onde a democracia (ou o laissez-faire) é a técnica que produz com qualidade o que se quer produzir, ou seja, onde não há demanda por urgência, ela tem o poder de corromper (em todos os sentidos) tanto o correr do processo quanto o resultado final.

Cuidado, não atribuir autocracia à liberdade e direito de fazer. A autocracia é sempre uma força externa ao autor da ação e independente de sua vontade. A escravidão no passado, a servidão ideológica no presente, não é uma escolha nem livre, nem democrática. Ela é impositiva, todos os possíveis direitos lhe são negados. Extraídos.

 

DEMOCRACIA

A forma democrática de conduzir processos produtivos é associada sempre a regime político, eleições, alternância de poder etc. O termo[4] foi criado para rotular um sistema político que parte da vontade da maioria[5] para a imposição de leis sobre a totalidade dos cidadãos, em tese, ignorando os anseios de minorias. Considerado este fim, ela só se diferencia da autocracia pelo fato de a imposição não vir de um só, ou um pequeno grupo, mas pelo consenso e desejo de uma pretensa “maioria”, mesmo que apenas de 50% mais 1.

Os livros de história indicam a Grécia antiga como seu berço. Foi Aristóteles que defendeu a ideia de que “democracia seria definida enquanto um Estado em que os homens livres governassem”. Nos tempos modernos não é bem isso que acontece. Mas vou deixar para discutir a democracia no campo político para depois.

Para entendermos democracia no âmbito da vida familiar, social e profissional, é mais adequado usarmos o conceito de participação na tomada de decisões.

No ambiente empresarial e mesmo familiar e social, podemos sintetizar os processos de tomadas de decisão “democráticos” como “participativos”. Todos são ouvidos, as ideias vão sendo escrutinadas e eliminadas gradativamente as que apresentam maiores riscos, menor chance de bom resultado, até que uma maioria chega a um consenso sobre o caminho que menor dano lhes causa. Os descontentes que se mudem! Tal sistema é amplamente utilizado no âmbito da justiça criminal através de júris compostos por diversos cidadãos, ou magistrados, que buscam formar, ou a unanimidade – como no sistema judicial americano -, ou a maioria de metade mais um, como em nosso sistema judicial, onde o exemplo mais notório é o nosso tão “estimado” STF.

A opção pelo laissez-faire é evidentemente impraticável, pois a justiça diz respeito à tomada de uma decisão cujas consequências recairão sobre um outro e não sobre quem a toma, e fazer uso da autocracia será sempre a imposição de uma sentença ignorando os direitos de defesa de um pretenso réu infrator.

Com estas poucas considerações creio que todos os leitores têm elementos para identificar em qualquer processo de solução de problema, qual forma de administração deve prevalecer como escolha.

 



[1] Autocracia tem o sentido, a partir da análise dos radicais gregos autos e kratos, de poder por si próprio.

[2] Laissez-faire é uma expressão em francês, significa “deixe fazer”, que simboliza o liberalismo econômico.

[3] Evidentemente uso o verbo “extrair” instigado por 9Fingers que recentemente (jul/23) manifestou o desejo e intenção de “extirpar” cidadãos brasileiros do convívio com os demais humanos.

[4] A origem do termo remonta à Grécia antiga, onde “demo”, povo, e “kracia”, governo.

[5] O termo “maioria” na verdade nunca foi respeitado ao longo da história. Em nossa Era moderna isto é fácil de ser constado olhando o resultado das eleições em qualquer país do ocidente. Lá vamos verificar que “maioria” significa em torno de 30% do eleitorado, e, em muitos casos, o número dado ao vencedor é menor do que os que não votaram (nulos, brancos e ausentes).