quinta-feira, junho 01, 2017

UM POUCO MAIS DE ZYGMUNT BALMAN

Terminei a leitura de "Para que serve a sociologia" (Editora Zahar), de Zygmunt Bauman, intelectual polonês, falecido no início de 2017. Este livro é um trabalho de Bauman com dois outros intelectuais, Michel Hviid Jacobsen e Keith Tester, seus amigos, que estruturam muitas ideias do sociólogo usando a técnica de simular uma entrevista. Além de tratar do tema, sociologia, ele vai além, abordando as angústias contemporâneas onde o excesso de informação altera profundamente nossas prioridades e nosso modus vivendi

Eis algumas passagens que selecionei por extrema pertinência com nosso momento Brasil.


"O mundo se atrofiou em histórias, não em informações, e onde as histórias são atrofiadas também o é a capacidade de homens e mulheres entenderem suas vidas num contexto histórico mais amplo.

O caminho que leva a um mundo moral é longo, sinuoso e cheio de armadilhas – as quais, diga-se de passagem, é tarefa do sociólogo investigar e mapear.

Os intelectuais [na esteira de Gramsci] esperavam conduzir e/ou ser conduzidos a uma terra em que a longa marcha rumo à liberdade, à igualdade e à fraternidade finalmente alcançaria seu destino.

Theodor W. Adorno
Pierre Bordieau

Para Adorno, confiar a mensagem ao leitor desconhecido de um futuro indefinido pode ser preferível a transmiti-la aos contemporâneos considerados despreparados ou indispostos a ouvir, que dirá apreender e reter o que ouviram.

Pierre Bourdieu assinalou que o número de personalidades no cenário político capazes de entender e articular as expectativas e demandas de seus eleitores está diminuindo depressa. (...) problemas privados são categorizados como questões públicas.

(...) trazer à luz as contradições não significa resolvê-las. Um caminho longo e tortuoso se estende entre o reconhecimento das raízes de um problema e sua erradicação, e dar o primeiro passo não garante de maneira alguma que outros venham a ser dados, muito menos que o caminho seja percorrido até o fim.


As escolhas humanas não são mais determinadas do que são os movimentos dos jogadores de carteado pelas cartas que eles têm na mão. O lugar em que se está numa situação manipula a distribuição de possibilidades. Ele separa os movimentos viáveis dos inviáveis, assim como os mais prováveis dos menos prováveis. Mas nunca eliminam totalmente a escolha. (...) O poder humano significa a capacidade de manipular as probabilidades das escolhas humanas.


A parte “civilizada” da história humana foi desde o princípio, e provavelmente continuará a ser, uma mistura de aprendizado e esquecimento.

Adquirir novas habilidades sem abandonar as antigas é quase impossível. Para ter sucesso em enfrentar novos desafios, as velhas habilidades são de pouca ajuda, de modo que novas habilidades são exigidas.

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Talcott Parsons articulou assim a “questão hobbesiana”: como induzir, forçar ou doutrinar seres humanos, abençoados ou amaldiçoados com o dom ambíguo do livre-arbítrio, a serem guiados normativamente e a seguirem por rotina cursos de ação manipuláveis, embora previsíveis? (...) Em suma, como fazer as pessoas terem o desejo de fazer aquilo que devem fazer?
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Em “História para as últimas coisas”, Siegfried Kracauer assinala que, à medida que a “segurança paroquial” dá lugar à “confusão cosmopolita”, há um “sentimento generalizado de impotência e abandono”, de “estar perdido num território inexplorado e inimigo”, que – perigosamente – “induz muitas pessoas, presumivelmente a maioria delas, a correr para o abrigo de uma crença unificadora e reconfortante”.

Hoje nos encontramos num “interregno”, um estado em que as velhas formas de fazer as coisas não funcionam mais e os modos de vida antigos e herdados não mais se ajustam à presente conditio humana, mas as novas maneiras de enfrentar os desafios e os novos modos de vida mais adequados às novas condições ainda não foram inventados, posicionados e postos em movimento.

As formas de vida moderna podem diferir em muitos aspectos – mas o que une todas elas é exatamente a fragilidade, transitoriedade, vulnerabilidade e inclinação à mudança constante. “Ser moderno” significa modernizar-se – compulsiva e obsessivamente; nem tanto “ser”, muito menos manter sua identidade intacta, mas eternamente “tornar-se”, evitar a conclusão, continuar indefinido.

Cem anos atrás, “ser moderno” significava buscar “o estado final de perfeição”. Agora significa uma infinidade de aperfeiçoamentos, sem ter em vista nem desejar um “estado final”.

A trajetória de sucessivas mudanças lembra mais um pêndulo que uma linha reta. Cada mudança foi uma tentativa de conciliar demandas incompatíveis, mas os esforços, em geral, terminaram com a renúncia a uma parte de uma delas com o objetivo de satisfazer uma parte da outra. E assim, cada mudança inspirou, mais cedo ou mais tarde, a demanda de outra. (...) Outra forma de dizer a mesma coisa é que cada melhoramento trouxe novas deficiências. (...) os antecedentes só se revelam por meio de suas consequências.

A civilização (significando ordem social) é uma permuta em que alguns valores são sacrificados em função de outros. (...) Nesses termos, pode-se dizer que a história das mudanças sistêmicas é um sucessão de permutas.

Decidir ir a público envolve tornar o texto refém do destino (desconhecido e jamais totalmente previsível, que dirá controlável). Uma vez enviadas as mensagens têm vida própria, autônoma. (...) a versão do autor não goza de superioridade sobre as leituras dos destinatários, já que os significados emergentes são em geral produtos da interação entre o texto e os arcabouços cognitivos formados pelas variadas experiências dos leitores.

Ironia, distância, não comprometimento e acima de tudo a consciência do caráter de “até segunda ordem” das verdades é uma das poucas advertências da versão atual da razão que deveriam – realmente – ser levadas a sério.

As placas de trânsito mudam mais depressa que o tempo gasto para chegar aos destinos que elas apontam. Com o acúmulo de experiências como essa, é arriscado tratar com seriedade qualquer relato sobre a “situação do planeta”, que dirá prognósticos sobre suas condições futuras. Para o bem ou para o mal, nossos contemporâneos são treinados na arte da flexibilidade, o metavalor “imperativamente endossado e recomendado”, assim como popularmente aclamado, da modernidade líquida.

O mundo está mudando e se reordenando (não sem nossa cooperação ou omissão) com demasiada rapidez para que um conjunto de regras, qualquer que seja ele, permaneça funcional por toda a vida de um indivíduo, que dirá ultrapassá-la.

Me preocupa a separação e o iminente divórcio entre o poder, que é a capacidade de fazer com que as coisas sejam feitas, e a política, que é a capacidade de decidir quais coisas precisam ser feitas e quais não precisam.

Grande parte do poder antes contido na soberania do Estado evaporou-se no “espaço dos fluxos” global de Manuel Castells, enquanto a política até hoje continua a ser local.

O que se seguiu a este afastamento foi o paradoxo de uma progressiva coletivização dos problemas, juntamente com a privatização das ferramentas e dos meios necessários para sua solução. Um paradoxo cuja resolução ficou a cargo dos indivíduos, incumbidos da impossível tarefa de enfrentar de modo individual, por conta própria, desafios socialmente produzidos (e apenas socialmente solucionáveis).

O privado invadiu e conquistou a “ágora”, aquele espaço no qual se esperava que interesses privados fossem traduzidos em questões públicas, e onde necessidades públicas se traduzissem em direitos e deveres privados.

“Cortesia” é uma das últimas palavras que me viriam à mente se eu fosse descrever o mundo em que vivemos. “Hipocrisia”, sim. Contudo, confundir hipocrisia (ou seja, a tendência a manter distância do que causa a verdadeira dor e faz as pessoas realmente sofrerem, e a vender a crueldade sob o rótulo da benevolência) com cortesia, de qualquer forma, é o principal objetivo e a marca registrada da hipocrisia, sendo a “correção política” uma de suas manifestações flagrantes, ainda que hipocritamente disfarçada.

Usamos no dia a dia, pública e ostentosamente um tipo de linguagem antes confinado às sarjetas a aos antros do vicio. Não respeitamos mais os direitos de privacidade e intimidade. Talvez o lar do inglês ainda seja seu castelo, mas um castelo aberto aos visitantes 24 horas por dia, sete dias por semana, habitado por pessoas que temem a ausência ou escassez de observadores intrusos como a mais terrível das pragas do Egito.

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Nós nos deleitamos com a visão de aprendizes a perdedores que se mostram à porta da rua e dos habitantes da casa do Big Brother excluídos pelo voto após uma longa semana de humilhações e ridicularizações rotineiras. Não respeitamos nem a dignidade do outro nem a nossa. Quando ouvimos a palavra “honra”, recorremos a um dicionário.

É como se o “direito de difamar” tivesse se tornado um direito humano com tendência a ser universalmente respeitado e defendido com unhas e dentes pelas agências guardiães da lei.

Sem a ressurreição do respeito, não há chance para a solidariedade. Sem solidariedade, não há chance de despertar “as preocupações centrais da sociedade” de sua atual sonolência e forçá-las a abandonar o abrigo impenetrável da desatenção humana.

O que me põe de lado na comunicação ao estilo blog é a atordoante velocidade com que as mensagens entram e saem do domínio da atenção do público, quase sempre sem deixar testamento. Elas surfam pelas mentes em vez de se estabelecer dentro delas pelo tempo necessário para uma reflexão madura e para produzir consequências. Rapidamente lido, logo esquecido."


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