O Leitor poderá pensar, com razão, que o título deveria ser
“O Futuro da Civilização”, mas tal formulação levaria a uma percepção errada
sobre as reflexões que vou apresentar. Quando me refiro à civilização do futuro
estou considerando que o ocidente, neste primeiro quarto do século XXI, está em
um processo de “involução civilizatória” que conduz ao fim dos parâmetros que a
determinaram, portanto, ao fim desta civilização milenar. Evoluímos da barbárie
às sociedades democráticas para, pelo que parece, iniciarmos um retorno à
barbárie. O que a oligarquia quer nos impor é a substituição dos valores construídos
ao longo de mais de 10 mil anos de guerras e muito sangue por outros que
obedecem exclusivamente à “vontade de poder”[1]
- melhor seria dizer “sana de poder” - sobre as massas serviçais, subjugando-as
e manipulando-as com uso de todas as ferramentas à disposição para tanto:
cerceamento da liberdade, ameaças de encarceramento, acusações sem provas e sem
direito a defesa.
Repito algumas reflexões que, de um modo ou outro, já fiz
aqui: 1) o tempo de tudo encurtou; 2) tem sempre “pato novo”; 3) a quantidade
de patos, cujo crescimento é impossível de ser estancado, já atingiu um nível
impossível de ser razoavelmente administrado; 4) a república democrática é uma
criança, um sistema recente na nossa história - não tem mais que 250 anos –,
mas adquiriu um câncer terminal que corrói as entranhas da burocracia estatal.
Sua deterioração galopante é estimulada
pelas novas gerações – os tais patos novos - que chegam inventando a roda, pois
não se servem do arcabouço dos ensinamentos extraídos das experiências
históricas. Isto por um lado. De outro, está o desenvolvimento da tecnologia,
especialmente as que justificam eu rotular nosso tempo como a era da
“digitrônica”[2], cuja
característica maior é o pacote volume/velocidade das informações que não nos deixa
um mínimo prazo de “degustação”. O resultado sempre é uma péssima digestão,
levando a uma incontrolável diarreia mental monumental de dejetos, expressa e
explícita de percepções, opiniões e “verdades” absolutas, “todes mau cheiroses”.
A civilização ocidental está perfilada frente a um paredão
branco de medo à espera do tiro de misericórdia. É razoável imaginarmos que
nosso planeta tenha uma capacidade limitada quanto ao volume populacional
administrável e que não há solução para o controle do seu crescimento. Nem
todas as pandemias, guerras e catástrofes ambientais já registradas fizeram
cócegas na taxa de crescimento.
Hipócritas, de todas as cores, gêneros e ideologias, discutem
aquecimento global e destino de lixos tóxicos viajando mundo afora para fóruns
“rega bofes” inúteis, mas confortavelmente acomodados em jatinhos particulares, falando em
celulares que serão descartados e substituídos na próxima versão a ser lançada.
Se haverá ou não um retrocesso por razões que não imaginamos,
é uma aposta pessoal.
Até aqui só uma introdução para esquentar neurônios, pois o
que estou trazendo só vai ficar mais preocupante.
Tenho a maior curiosidade em conhecer o que Tim Berners-Lee[3]
está pensando quando assiste sua WWW sendo utilizada para fins inimagináveis em março de 1989 quando propôs seu fantástico
e inocente protocolo[4]
para comunicação entre computadores de todo o mundo.
O Banco Central do Brasil criou um sistema de registro da
maioria das transações financeiros chamado REGISTRATO (registrato.blog.br)[5]. Como ainda nem TODAS são alcançáveis, o BC
está em final de desenvolvimento de uma moeda digital, o DREX[6],
que fará o serviço que falta. A partir de
2025, o governo brasileiro dará início à jornada de convencimento[7]
de todos nós para passarmos a transacionar apenas através de tal sistema,
quando, então, da compra do pãozinho na padaria à venda de um bem qualquer,
passando por todas as transferências de valor, ou seja, toda transação que você
fizer no mercado financeiro estará registrada num grande banco de dados
permitindo que o Estado tenha controle absoluto sobre sua vida[8].
O governo chinês, desde 2018, faz um controle da vida particular dos seus
cidadãos através de um sistema que pontua o comportamento social[9]
de modo a poder cercear seus direitos porque sua pontuação está abaixo do
esperado. No nosso Brasil, pelo que parece, com o DREX estaremos bem à frente
da China neste quesito.
Agora percebemos que a digitrônica foi a maior das “fake
news”. O tão sonhado poder de nos expressarmos livremente para o mundo, se
mostrou a grande ameaça às elites no phoder. A reação veio “a STF”. Questionar
a oligarquia não pode nunca ser permitido. Ela tem sempre razão, mesmo quando
não tem razão alguma. É só uma questão de manda quem pode, obedecem todos,
independente de terem juízo ou não, ou a “espada da lei” cairá sobre sua
cabeça. Nunca valeu tanto a regra “para os amigos tudo, para os inimigos a
lei”! E a distorcem, manipulam e reinterpretam sem qualquer rubor e pudor.
Na história da humanidade não há registros de retrocesso.
Quando utilizamos o termo “evolução” queremos apontar somente para uma
tecnologia que tornou fazer algo mais fácil, mais cômodo, mais útil
comparativamente. Dado este paço, não há mais como retroceder sem que pareçamos
bárbaros. O homem que aprende a comer com garfo e faca não volta mais a comer
com os dedos sob pena de ser ridicularizado ou merecer a desaprovação social
com expressões de nojo. Assim foi e assim é a digitrônica. Uma era que não
voltará jamais. As sociedades serão a cada dia mais e mais dependentes uns e zeros.
Os cidadãos de todo o planeta serão a cada ano, a cada década, a cada século,
mais e mais monitorados, robotizados, e digitalmente lobotizados.
A primeira pergunta, considerado o dito até aqui, é: no
futuro próximo teremos uma nova civilização? Eu acredito que sim por uma razão:
se nos milênios que nos antecederam a
humanidade foi controlada pela força física, o phoder agora tem uma poderosa
ferramenta para controlar a mente dos cidadãos-súditos[10].
Se no passado a servidão era voluntária, como identificou Étienne de Lá Boétie[11],
nesta nova civilização a servidão é involuntária, obrigatória, a constar do
registro de nascimento. Sim, portanto, é uma nova civilização que se anuncia.
A segunda pergunta, consequente, é: os cidadãos-súditos aceitarão
passivamente tal condição de vida? Mais uma vez, acredito que sim. A essência
do ser humano ao longo dos milênios desde que desceu das árvores, passou a andar
ereto e a fazer o fogo, tem um só valor a guiar suas decisões: a sobrevivência.
É ela que explica a Alemanha Nazista, a Coreia do Norte barbaramente comunista,
e todas as massas seguidoras de tiranos. Tudo é pela sobrevivência. O mote é “deixe-me
viver”, de resto faça o que bem entender.
Tudo bem que, Você Estado, vá me impedir de viajar para onde
eu quiser, pois você controlará o fluxo migratório de acordo com os interesses
de sua economia planejada. Tudo bem se eu “pecar” ao não respeitar seus 99
mandamentos e Você venha a me punir me cancelando e me tirando o potencial de sustentar
a mim e a minha família com minhas postagens. Tudo bem que eu tenha perdido
pontos no sistema social porque me denunciaram por não ter gritado “Hi! Fuhrer!”
no desfile militar. Tudo bem que meus pontos tenham sido tão baixos que Você
foi “obrigado” a ser mais rigoroso comigo e me jogado em uma cela fria! Tudo
bem! Só não me tire a vida. De resto, estará tudo bem.
Sim, estará tudo bem porque os humanos se provaram benditamente
resilientes, malditamente subservientes. Queremos ser felizes, sim! Mas se ser
feliz for incomodar o phoder, minha felicidade não tem importância.
Navegar não é preciso, viver é preciso.[12]
[1]
Esta expressão foi formulada por Nietzsche indicando uma característica
presente no ser humano. Como consta na Wikipedia: “é a principal força
motriz em seres humanos — realização, ambição e esforço para alcançar a posição
mais alta possível na vida”.
[2] “A
microeletrônica define o mundo em que vivemos, orienta o foco da política
internacional, a estrutura da economia global e o equilíbrio do poder militar.“ Fonte: Daily Digest.
[3] Timothy John
Berners-Lee KBE, OM, FRS é um físico britânico, cientista da computação e
professor do MIT.
[4]
Protocolo: conjunto de regras para que dois interlocutores possam se entender.
A língua nada mais é que um conjunto de regras de comunicação entre dois seres
humanos.
[5] Para ter acesso
você precisa estar cadastrado no GOV.BR.
[6]
DREX: D de Digital; R de Real; E de Eletrônica; X de nada, é só uma moda.
[7]
Assim como fez com o PIX.
[8]
Junte isso com o sistema chinês e você poderá começar a imaginar o que
significará “controle de sua vida”: o que você come, com que tipo de pessoa
você gosta de se relacionar, qual sua cor preferida, quais seus ideais
políticos etc. etc. etc.
[9] Sistema de Crédito Pessoal: “A partir de dados coletados na internet, em registros governamentais e por meio de reconhecimento facial, cada cidadão recebe uma pontuação. Se a pontuação for boa, a pessoa recebe algumas recompensas sociais. Já 1 crédito social ruim pode proibir que uma pessoa se matricule em uma boa escola ou seja contratada para uma boa vaga de emprego, por exemplo. Em 2018, segundo relatório divulgado pelo Centro de Informação do Crédito Público Nacional da China, 23 milhões de pessoas foram impedidas de viajar devido à pontuação baixa.” Fonte: www.poder360.com.br
[10]
Aplico este termo para separar os cidadãos que se venderão, por diversas
razões, a servir como braço executor das ações regulatórias, portanto, sustentadores
e avalizadores do phoder, por isto “premiados” com benesses do Estado. Entre
eles: servidores públicos de todas as instâncias e autarquias, elite
financeira, elite intelectual, elite cultural e elite jurídica.
[11] Pensador
Francês do século XVI em seu, hoje, clássico “Discurso da Servidão Voluntária”.
[12] Evidentemente estou me referindo à poesia de Fernando Pessoa, não só invertendo sua proposição como alterando totalmente seu significado. Se Pessoa utilizou “preciso” no sentido de “exatidão”, eu a uso no sentido de “necessidade”. Saiba mais aqui:
https://www.pensador.com/navegar_e_preciso_viver_nao_e_preciso/ .