Vasculhando meu baú de tralhas digitais, encontrei um escrito de 2001 que considero oportuno publicar aqui. Trata da estrutura do emprego, da renda, de envelhecimento da população, de previdência pública e privada, e de fundos de pensão e investimento. É uma reflexão incompleta, mas "vale o que foi escrito" para os dias atuais.
“As autoridades econômicas ficaram reféns do mercado financeiro internacional.”
“O Brasil só tem uma saída: fazer superávit durante anos.”
“O Brasil é 3% do mercado mundial.”
Este é um texto de leigo para leigo. De um leigo curioso e pensador para outro. Não me preocupei com pesquisa ou busca de referências mais qualificadas. São apenas opiniões e reflexões, mais estas que aquelas. Talvez algumas lhe sejam úteis. Se pelo menos uma o for, terá valido a pena.
Boa leitura.
INTRODUÇÃO
Perplexidade e
incompreensão são duas boas candidatas a permanecerem na história como as
palavras representativas desta virada de século e milênio. Não pelo atentado
terrorista de setembro de 2001, merecedor tanto de nossa perplexidade pela
conseqüência quanto de nossa incompreensão das causas, mas sim pelas
transformações ocorridas no trabalho, base de tudo o que afeta o dia-a-dia do
homem civilizado. Refletir sobre o trabalho é refletir sobre a renda esperada e
da qual dependemos para sustentar nosso corpo, nossa família, nossos sonhos e
reparar os infortúnios que os acasos nos impõem. Estes são anos que nos vemos
perplexos com as mudanças na estrutura do trabalho e sua remuneração e não
compreendemos o que devemos fazer, como fazer e quando fazer no desempenho de
um papel que nós, homens e mulheres, ainda não entendemos qual é.
Assim
como as primeiras modificações na estrutura de trabalho, o aumento da
velocidade de processamento e transferência de informação também começou no
final dos anos 1940, mas só em meados da década de 80 a tecnologia se instalou
nas mesas dos escritórios de todos os portes e a progressão das mudanças
ultrapassou a capacidade do ser humano médio de compreendê-las e assimilá-las a
tempo de se proteger.
O dilema que todo cidadão
hoje enfrenta é o de escolher entre alienar-se, fugindo da informação, ou
paranoizar-se, consumindo tudo o que os meios de comunicação expõem e impõem a
nossos olhos e ouvidos a cada instante. Mas e o custo por não estar informado?
E a cobrança social? E a competição mortal? E a pretensa sabedoria advinda dos
anos de experiência transformada em um grande fardo a reduzir nossa
competitividade com os jovens da “net-generation”?
Não temos mais tempo, nem
mente, para nossos filhos. Nem mesmo cultivamos o amor com nosso cônjuge.
Nossas aflições são tantas que estamos em permanente estado de tensão. Os
compromissos com o ter e parecer ser, se ultrapõem ao ser. Se saímos com os
amigos a sensação do dia seguinte é de ressaca, mesmo sem consumir uma só gota
de álcool. É um gosto de "que gosto
é esse?" que não gostamos do gosto que tem? E as perguntas que procuram
resposta: o que sobrou do meu dia de ontem? O que estou fazendo aqui? Que
retorno estou tendo? Matematicamente falando, que relação custo/benefício é
esta onde minha parte é o custo e o beneficiário é um outro sem rosto?
Evidentemente temos nos
atribuído toda a culpa. Não sabemos bem de quê, mas a culpa deve ser nossa, com
certeza, a considerar as tantas revistas estampando tantos rostos bonitos e
saudáveis, de gente que é exemplo de sucesso nisto ou naquilo. E nós nos
sentindo tão fracassados! Ora, a culpa só pode ser nossa! Sucesso ou morrer,
será esta a nossa questão existencial?
Há muito tempo queria
escrever um artigo sobre o tema, mas ao tentar, sempre recuava dada a
complexidade do tema. Até que um dia coloquei o título no início de um “ponto
doc” e resolvi enfrentar o desafio sem me importar com o tamanho do resultado
final.
A chamada “sociedade
civilizada” gira em torno do eixo trabalho. Neste sentido, mesmo me
restringindo aos aspectos macro, as variáveis que o afetam são inúmeras. Não
pretendo esgotá-las, apenas discutir aquelas que elegi as mais relevantes.
O PROVEDOR
De
certa maneira também é de acesso, mas à internet. Falo do homem, pai, marido,
cabeça de casal no antigo (nem tanto) código civil brasileiro. Este, ou melhor,
aquele sujeito que até uma geração atrás era o provedor do sustento do núcleo
familiar. A única pessoa do grupo que trabalhava e, portanto, responsável por
trazer os recursos necessários à superação de todas as necessidades, básicas e
supérfluas, de toda a família. E lembremo-nos de que a família média de duas
gerações atrás era significativamente maior que a de nossos dias.
Nós,
cidadãos comuns, temos a percepção de que são os indivíduos que mudam a
economia quando a verdade é exatamente o inverso. As condições econômicas é que
formam a força motora das mudanças sociais onde as pessoas são os agentes
passivos. As mudanças econômicas são capazes de fazer o ser humano superar
barreiras psicológicas consideradas intransponíveis. Não foi diferente com o
movimento feminista que não foi causa, mas conseqüência da necessidade de mais
mão-de-obra num determinado momento da história.
Tomemos
a II Grande Guerra como o marco inicial das transformações na estrutura do
trabalho e façamos algumas considerações (um olhar ainda mais para trás não
seria significativo). Acredito que no campo da evolução social, nada permanece
influenciando o futuro por mais de 50 anos, porque passado esse tempo
inumeráveis outros fatos já sobrepujaram em importância aqueles de outrora.
A
guerra substituiu a prioridade do homem em servir a família, pela prioridade em
servir à pátria, retirando-os do mercado de trabalho. Menos homens à disposição
exatamente quando mais mão-de-obra se tornava necessária. À mão, o contingente
das solteiras, das viúvas e das meio-viúvas - as esposas dos soldados no front
- foi convocado a preencher as vagas crescentes na indústria de guerra. Foram
anos de mau costume. As mulheres gostaram do processo. Afinal, havia duas
rendas envolvidas, o salário dela e o soldo dele. A renda familiar dobrara por
um golpe de... guerra.
Com
a volta dos soldados ao mercado de trabalho e a volta da indústria às suas
atividades normais, o bicho começou a pegar. Apresentou-se um quadro de homens
despreparados competindo com mulheres treinadas e mordidas pelo vírus de uma
independência financeira. Nos primeiros anos de pós-guerra a situação nem foi
tão complicada na medida em que a reconstrução dos países afetados pela guerra
deu conta de absorver qualquer excedente. Mas com a normalização das economias,
as sobras começaram a aparecer e o produto interno se estabilizou de acordo com
a dinâmica econômica de cada país. Caímos todos na real.
Até
os anos 60, a
real era que só se viam saias na taxa de desempregados da população
economicamente ativa. Não havia desempregados, mas desempregadas, "do
lar". E se a mulher estava trabalhando e ele desempregado, “o fogão e o
tanque são todos seus, meu amor”. Sem falar nas fraldas cheias de cocô.
Para
o surgimento de líderes feministas jogando o sutiã fora, foi um pulo de duas
décadas. E no início dos anos 70, o movimento hippie trouxe o componente da
liberação sexual. O discurso do “se você pode, eu posso” ganhou ainda mais
força. Até que nos anos 80 os homens assumiram o “relaxar e gozar”, deixando
(ou tentando deixar) posturas machistas de lado e dividindo as tarefas e
responsabilidades com a cara metade. Mas as empresas, pressionadas pela mídia,
abriram suas portas. As de entrada, com plaqueta “Elas”, para as mulheres, e
reservaram as de saída, “Eles”, para os homens.
Agora,
neste início de século XXI, homens e mulheres começam a tomar consciência da
terrível arapuca em que se meteram. Insatisfação generalizada, impotência
localizada, distúrbios cardiovasculares precoces e nível de tensão elevado pré
e pós entrevista de emprego. Enquanto a Martha Suplicy, antes de ser eleita,
humildemente descobria e admitia que “ser
dona de casa também é uma opção de vida” e as mulheres chegando à conclusão
de que a troca foi burra, os homens se perguntam que “diabo de vantagem tenho com o casamento quando ela está sempre com
enxaqueca e nem sexo tenho?”.
Começamos
a perceber que a equação do 1 mais 1 igual a 2 dos anos 50 não dá mais o mesmo
resultado. A equação nem mais é esta. A de hoje é alguma coisa mais ou menos
assim: 0,50 x Homem, + 0,40 x Mulher, igual a 0,90 de salário. A renda de dois de
hoje é menor que a renda de um de ontem. O provedor do passado se transformou
em dois provedores do presente com perdas.
Mas
ainda falta uma variável nesta equação. A queda dos salários está deixando
nossos filhos adultos em casa. A classe média brasileira conhece bem o quadro.
Dezoito anos de investimento no estudo de um filho para, agora formado, ele
receber um salário de mil reais, sem descontos, mas também sem acréscimos,
porque, para fugir aos encargos, a saída das empresas é contratar terceirizada
ou através de uma “cooperativa”. Com tal ganho, sair das barras da calça do
papai e da saia da mamãe, nem pensar. Até a conhecida e odiada pressão do pai
sobre o filho é refresco se comparada ao medo de ir à luta sozinho.
Temos,
portanto, que refazer nossa equação, incluindo uma nova variável para
representar o custo do alongamento da permanência de nossos filhos sob nosso
teto até... Quando?
Lição
número 1: o provimento da renda é uma responsabilidade de todos os membros do
grupo familiar. E no interesse egoísta do núcleo, quanto mais cedo um membro
começar a trabalhar, melhor.
A RENDA PER CAPITA
No capítulo anterior, na
equação da renda, sugeri que a renda familiar caiu, mas não mostrei por quê.
Vamos dar uma olhada nisso.
A
crença geral é de que a renda se multiplica pelo número de pessoas da família
que trabalham. É natural, lógico que pensemos assim. Então porque não estamos
todos mais felizes se todos (pai, mãe, filho e filha) temos nossos empregos?
Acontece
que a física já demonstrou que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. É
fácil entendermos isso quando lidamos com a matéria, o concreto, mas fica um
pouco mais difícil quando lidamos com o abstrato, neste caso, “a economia”.
Assim, vou usar um exemplo bem simplificado para mostrar o que acontece no
complexo mundo real.
Imagine
uma sociedade composta por dois casais, 4 indivíduos. Ao longo de um tempo
qualquer, a produção total gerada pelo trabalho dos homens (os únicos que
trabalham) é de, digamos, R$ 1.000,00. Isto é o que os economistas chamam de
PIB (produto interno bruto). Podemos então tirar a renda média que nada mais é
que a divisão do PIB pela população. Neste nosso exemplo, a renda “per capita”
(por cabeça) será de R$ 250,00.
Imaginemos
agora que as mulheres resolvam trabalhar. Para que possamos obter a mesma renda
“per capita”, denominador e numerador têm que aumentar na mesma proporção.
Hora, se a população dobrou, o PIB precisa dobrar também. Isto é lógico, não é?
Então, seria razoável esperar que se o dobro de pessoas trabalhar, a produção
total consequentemente dobrará. Mas não é isso que acontece. Nem sempre esse
tal de raciocínio lógico funciona. Acontece que a produção não é resultado do
esforço empreendido, ou seja, da força de trabalho empregada. A produção é
resultado da demanda. Para que a produção seja o dobro, é preciso que haja o
dobro de procura pelos bens que são produzidos por uma sociedade qualquer. Ora,
a demanda não aumenta porque a produção aumentou. Ocorre exatamente o
contrário, a produção “só” aumenta se a demanda aumentar. Nesta nossa machista sociedade
imaginária, fica claro que as mulheres deveriam continuar pilotando o fogão.
Bem,
agora que você já deve concordar comigo neste ponto, há de se perguntar então
como fazer para aumentar a procura pelos bens. A resposta é simples: aumente a
renda. Mas como, se a renda só aumenta com o aumento da produção? Círculo
vicioso. A saída é a famosa lei da compensação. Para haver ganho, é preciso
haver perda. Para aumentar a renda é preciso trazer novos capitais, seja
vendendo para sociedades vizinhas (exportação), seja atraindo investidores
externos ávidos por lucro fácil. Quem sai perdendo? A outra ponta, os
importadores da produção de noss fictícia sociedade, evidentemente, pois terão
a renda reduzida ao enviar parte dela para pagar os produtos que exportamos.
O
que recebemos de fora se soma à nossa renda interna, fazendo que as famílias de
nossa sociedade modelo, com mais dinheiro em caixa, desejem comprar mais
produtos. Mais bens e serviços precisarão ser oferecidos. Mais mão-de-obra
será necessária. Nossa sociedade agora pode se dar ao luxo de ser menos
machista e permitir que as mulheres trabalhem e usufruam do aumento da renda
média. E o mundo seria uma maravilha se fosse tão simples!
Não
é. Pelo simples motivo que do outro lado estão outras famílias (sociedades,
economias, países, empresas) com o mesmo problema. Assim, estamos num jogo
diário em que, num dia vencemos, noutro outros vencem. E neste processo
pendular, não saímos do lugar. A rima é razoável, mas como solução fico
devendo.
Voltemos
então aos dois corpos no mesmo espaço. Entendido o que acontece em nosso
exemplo de sociedade, podemos deduzir que, se a produção permanece estável,
para alguém trabalhar é preciso que alguém deixe de trabalhar. Numa proposição
bem radical, podemos dizer que se você acha bonitinho sua mulher trabalhar, sua
escolha é entre ficar desempregado ou se suicidar. Brincadeirinha!
Existem
alternativas. Duas pessoas podem fazer o mesmo trabalho se cada uma trabalhar
apenas a metade do tempo (e consequentemente ganhar a metade do salário). Ou,
as duas podem trabalhar o mesmo tempo ganhando a metade do salário, mas
produzindo a metade (lembre que não adianta produzir mais se não há comprador
para este excedente).
Voltemos
ao mundo real. Nele, as mulheres, depois de inicialmente estimuladas, se
recusaram a simplesmente voltar ao lar doce lar. Afinal, entenderam elas,
receber dois salários é melhor que apenas um. Mas para serem aceitas, pagaram
um preço. As empresas não estavam dispostas a trocar homens-força por mulheres
com TPM e gravidez a cada 9 meses e pagar o mesmo salário. Os capitalistas
concordaram com o trabalho da mulher desde que com deságio de 40%. Era
aceitaram.
As
feministas radicais de plantão receberam de presente uma realidade econômica
extremamente favorável às suas causas. A continuidade foi o surgimento de
organizações de defesa dos direitos da mulher de todos os matizes que,
incentivadas pelas manchetes e matérias em todas as mídias, fizeram pressão
sobre toda a sociedade. Deu no que deu.
Um
primeiro indício de que o modelo real não está dando os resultados esperados, é
a taxa de desemprego. No Brasil, em 1991 o índice foi de 10,67% e em 2000 foi
de 10,95%. Aumentou!!! Ou seja se mais mulheres estão trabalhando é porque mais
homens estão desempregados.
O
segundo indicativo pode ser encontrado olhando a renda “per capita”. No caso
brasileiro, ela era de R$1.607,00 em 1950 e de R$6.560,00 em 2000. Opâ! Numa
análise precipitada, dividindo uma pela outra, vamos encontrar um coeficiente
de 4,08 vezes.
Tratando
de realidade brasileira, a questão que pode ser colocada é se o PIB cresceu
mais que a população. Será que nesses últimos 50 anos a renda “per capita”
aumentou? Mas para que tivesse havido um ganho real, a produção total
precisaria dobrar. Qualquer valor abaixo, significaria uma equação onde 1 + 1
< 2.
Lição
número 2: Não há mágica. Se a produção total não aumentar, não há aumento de
renda. Existe uma alternativa, a redução da população. Veremos isto depois.
O ENVELHECIMENTO
As
mulheres deram o famoso “chega pra lá” nos homens. Destronaram-nos do reinado
absolutista. Não satisfeitas, contribuíram para a redução de nossa renda. A
famosa piada de que a última palavra é sempre nossa, “sim, senhora”, virou a
expressão da realidade. Não mandamos mais nada, não ganhamos o que ganhávamos,
estamos estressados, brochas e... velhos.
O
envelhecimento da população é o segundo fator a causar a redução da renda. E as
guerras, qualquer guerra, dão sua contribuição para o desequilíbrio na
distribuição etária da população. Nos países em guerra, o número de jovens
diminui, gerando um envelhecimento na média até que os soldados que voltam para
casa sejam responsáveis por um “baby boom” que irá ter seus reflexos 20 anos
depois, quando estes “babies” atingirem a idade adulta e se apresentarem para o
mercado de trabalho. Em relação à II Guerra, isso aconteceu a partir do início
da década de 60. As guerras, portanto, têm reflexos sobre a estrutura do
emprego e da renda, mas suas conseqüências são localizadas.
Até
os anos 60, apenas os países desenvolvidos apresentavam alguma preocupação (uns
mais, outros menos) com o envelhecimento, ou melhor, com o aumento na
perspectiva média de vida. Os países subdesenvolvidos (exatamente por isso)
ainda não precisavam se preocupar, pois a falta de saneamento básico, sistemas
de assistência médica precários ou inexistentes e pobreza endêmica, cuidavam de
compensar as altas taxas de natalidade.
A
partir do início da década de 60, os avanços na medicina, muitos deles consequentes
das pesquisas científicas realizadas durante a guerra, começaram a se
disseminar pelo mundo, até certo ponto independente de raça ou renda per
capita. As vacinas (em especial a vacina contra a poliomielite), os esforços
dos governos em aplicá-las em toda a população, os avanços no combate ao câncer
e aos males do coração, tiveram papel relevante no aumento da expectativa de
vida. O resultado foi a aceleração no processo de desequilíbrio das populações.
Na
impossibilidade da vida eterna, o ser humano vai se contentando em prolongar
sua longevidade. Egocêntrico e imediatista por gênese, não está nem um pouco
interessado em como isto afetará o futuro da humanidade. Mas nós precisamos dar
uma olhada nisso se queremos entender porque as coisas estão ficando um pouco
mais difíceis.
Enquanto
a expectativa de vida girava em torno dos 50 anos, o processo de reprodução se
mantinha em razoável equilíbrio. Aos 25 anos o casal tinha 2 dois filhos,
criava-os e morria no tentorno do nascimento dos primeiros netos. Quando essa
idade muda para 75 anos, duas gerações nascem enquanto apenas uma morre.
Economicamente falando, para trazer novamente o processo ao ponto de
equilíbrio, seria preciso gerar 33% a mais de empregos ou aposentar as pessoas
na idade de 50 anos, retirando-as do mercado de trabalho. Esta seria uma
solução não só matematicamente correta como muito bem-vinda para o cidadão se
bancada pelo Estado. Mas...
Se
reduzimos a idade para a aposentadoria, significa que mais tempo uma pessoa
ficará vivendo às custas do sistema previdenciário. Para que isso possa
acontecer, o sistema precisará ter um caixa 33% maior. A matemática então irá
colocar as seguintes alternativas não excludentes: a) aumentar o número de
contribuintes; b) aumentar a contribuição; c) diminuir o benefício (ou o prêmio,
já que estamos falando de um seguro). Existe uma quarta alternativa, “aumentar
o tempo de contribuição”, mas temos que excluí-la, pois estamos analisando um
modelo no qual a idéia é se aposentar mais cedo.
A
alternativa “a” deve ser excluída porque para aumentar o número de
contribuintes seria preciso aumentar o número de pessoas empregadas, e isto nós
já vimos que depende da demanda. A alternativa “b” é sempre a primeira medida
quando o caixa está baixo, mas tem a limitação da capacidade do contribuinte de
absorver este aumento. Como a todo aumento de custo, corresponde um óbvio
rearranjo dos itens de custo do grupo familiar, o aumento da contribuição
previdenciária a partir de um determinado ponto estimula uma fuga do emprego
formal para o informal, o que reduz a contribuição previdenciária. É o famoso tiro
no pé.
Sobra
a alternativa da diminuição do benefício. Se você tem mais de 30 anos, deve ter
na lembrança todo o esforço que o governo brasileiro fez na década de 90 para
reduzir o valor dos benefícios. Aqui me solidarizo com todos aqueles que, como
meu pai, contribuíram durante mais de duas décadas sobre 20 salários mínimos e,
na hora de começar a usufruir do que lhes era de direito, o limite do benefício
foi reduzido para 10 salários mínimos. Em qualquer país com tradições em
direitos civis mais consolidadas e um judiciário menos subserviente ao
executivo, isto não seria permitido. Mais, seria considerado inconstitucional. Não
é o nosso caso.
A
realidade é que a distorção entre o custo e a receita se tornou muito grande.
Estas alternativas, se válidas para o nosso modelo, não são suficientes para o
mundo real. Os governos estão sendo obrigados a aumentar o tempo de
contribuição através do artifício de elevar a idade mínima para a
aposentadoria. Novamente um tiro no pé. Com uma idade mínima de 65 anos,
significa que um cidadão que começa a trabalhar aos 14 anos, irá fazê-lo por 51
anos, ou seja, 16 anos a mais do que os anteriores 35 anos que lhe davam o
direito à aposentadoria. Dezesseis anos sobre 35, representa um aumento de
45,7% e isto significa que ele precisa de emprego por 45,7% anos de trabalho a
mais!!! Antes de sabermos se ele tem saúde ou não, a questão que precisa ser
respondida é onde ele vai conseguir este emprego?
Perceba
que esta solução não só aumenta o tempo de contribuição como, no curto e médio
prazos, reduz o tempo de pagamento do benefício, pois as pessoas se aposentariam
mais próximas do fim da vida. A matemática é toda a favor do governo e contra o
cidadão.
Façamos
uma breve revisão. Num primeiro momento, nossa posição de poder no grupo
familiar foi questionada e atacada. Depois fomos arrancados de nossos
confortáveis empregos para, cavalheirescamente, ceder lugar à onda feminista.
Agora que estamos adaptados (ou conformados), mas entrantes na terceira idade,
exigem que continuemos a trabalhar (ou a procurar por trabalho, melhor
dizendo), nos garantindo tão somente uma aposentadoria medíocre, talvez nem
mesmo capaz de cobrir as mensalidades de nossos obrigatórios planos privatizados
de assistência médica e despesas com a farmácia, ambos com aumentos crescentes.
Lição
número 3: No setor privado, a receita não pode ser manipulada, pois está
subordinada ao resultado entre oferta e procura. É ela, portanto, que determina
a despesa. Já no setor público, o instrumento é o poder que gasta sem limite e
arrecada criando uma legislação que lhe dê a receita necessária. É a despesa,
portanto, que determina a receita.
A PRIVATIZAÇÃO (da seguridade social)
A
privatização da seguridade social, em si mesma, não é recente, mas o é como
fenômeno responsável por profundas alterações na relação entre capital e
trabalho. Nos idos de 70, quando funcionário
da Eletrobrás, tive meu primeiro contato com um fundo de seguridade. Um valor
mensal compulsoriamente descontado em folha dava-me direito a alguns benefícios
em saúde (reembolso de gastos com farmácia, consultas médicas e exames) e
acenava com uma complementação salarial em caso de aposentadoria, conquistada
ou forçada. No Brasil, foram as estatais as empresas que primeiro constituíram
fundos de pensão, posteriormente denominados de Entidades Fechadas de
Previdência Privada: Eletros, Petrus, Elos, entre outros.
Naquela
época, ser funcionário de estatal significava status social e profissional,
bons salários, muitos benefícios e participação nos lucros (PL). No caso da
Eletrobrás, na primeira metade da década de 70, a PL média era de 4
salários. Não mínimos, mas 4 salários brutos seus! Se você não sabia deste
fato, agora pode passar a entender porque houve tanta resistência interna à
privatização. Bons salários significavam boas contribuições ao fundo de pensão.
Contribuições estas feitas por gente muito bem alimentada e cheia de saúde e
que, portanto, gerava muito pouca despesa e saldos em caixa cada vez maiores,
obrigando uma busca por opções de investimento e de regulamentação.
A
primeira lei com o objetivo de regular a operação dos fundos surgiu em 1977,
regulamentada pelo Decreto nº 81.240 em 20/01/78. No artigo 34 podemos ler o
seguinte: “As entidades fechadas
consideram-se complementares,” o
grifo é meu, “do sistema oficial de
previdência e assistência social (...)”. Ou seja, o Estado, ao considerar “complementares”
anunciou a intenção de caminhar em direção ao fim de sua participação como
provedor de nossas aposentadorias. Mas, nós, cidadãos comuns, não tivemos
acesso à lei, ou não percebemos a sutileza implícita. Hoje, estamos “vivendo” o
significado real daquele artigo.
Com
a redução do valor das pensões do “sistema oficial de previdência”, e com a criação
de “entidades privadas abertas”, a parcela da população dos extratos mais altos
da sociedade vinculada a empresas privadas de todos os portes, migrou
“complementarmente” para o sistema privado de seguridade e para o caixa 2. Por
quê pagar uma previdência oficial que não funciona se pago uma previdência
privada? A proposta de trabalho sem carteira assinada até então um interesse
muito mais do empregador que do empregado, ganhou mais um estímulo, agora no
interesse imediato deste. Cada vez mais vejo trabalhadores pedindo ao patrão
para receberem “por fora” para não sentirem que estão jogando dinheiro fora,
porque perderam a confiança no sistema público.
Lição
número 3: Se correr o bicho pela, se ficar o bicho come. No horizonte passível
de visualização, não existe solução, apenas crise entre o Estado e o cidadão.
OS FUNDOS DE PENSÃO
Os
fundos merecem um tratamento especial. A razão, que não é simples, é uma: hoje,
todos os nossos males com relação a trabalho e renda têm, na base, o papel dos
fundos na economia, globalizada ou globalmente localizada.
Apesar de muita gente dizer que “informação
é poder”, vovô, em sua longeva sabedoria, dizia: “muito dinheiro foi, é, e
sempre será, poder”. Ao longo destes últimos 25 anos, os fundos de pensão
acumularam recursos em função da relação positiva, ou seja, os fluxos de
entrada (contribuições mensais) muitas vezes maior que o fluxo de saída
(benefícios pagos). Mas como no longo prazo (e estamos chegando lá) esta relação
tende a se inverter (pouca contribuição para muitos benefícios), é preciso criar desde já outras fontes de
receita. Esse “outras” se resume a ganhos sobre investimentos de risco.
Para que no futuro haja saldo de caixa mais
que suficiente para cobrir a pensão dos velhinhos e velhinhas, é preciso garantir
que o resultado total dos investimentos de risco não tenha o risco de ser
negativo. Como, obrigatoriamente, existirão perdas, o volume ganho nos
investimentos de sucesso deverá cobrir, com sobras, todos os insucessos. Para
se ter uma idéia da proporcionalidade entre ganhos e perdas, tomemos como
referência o que ouvi de um administrador americano de fundos de “venture
capital”. Em primeiro lugar ele afirma que, historicamente, entre cada 10
empreendimentos, existirá a seguinte distribuição: 2 serão um retumbante
sucesso, 2 um tremendo fracasso, 4 oferecerão um resultado abaixo das
expectativas e 4 um prejuízo significativo. Quando perguntado qual o lucro do
primeiro grupo (investimentos de sucesso) no prazo de 8 anos, a resposta foi
direta: entre 30 e 40 vezes o valor investido!!! Mas vamos ver um outro número
que, para os nossos padrões antiquados, chega a ser inverossímil. Nos últimos
anos, todos os segmentos de atividade foram invadidos pelo capital estrangeiro.
O controle acionário das empresas, tradicionais ou não, foi transferido para
grandes grupos, principalmente, americanos, mas não só. Pois bem, o lucro
mínimo admitido por estes novos controladores antes do imposto de renda, é de
35%!!! Preciso dizer mais?
Resumindo, os administradores dos fundos
estão constantemente pressionados a uma busca por oportunidades de grandes
ganhos. Como não existe bola de cristal e não são eles que irão pagar a conta,
no final das contas, esquecem, convenientemente, da contrapartida de risco de
“grandes perdas”. Cito Daniel Dantas, presidente do Opportunity (fundo de
investimentos), em entrevista à Isto É:
“o problema deles [administradores de fundos de pensão] não é rentabilidade,
é poder”.
Para tentar manter a coisa nos trilhos, o
governo, através de uma lei em 1977 e, de outra, mais recente, de 2000, fez sua
parte dando parâmetros e limites para a aplicação dos recursos. Estabelecendo
algumas regras, o Estado força os administradores a manter uma carteira de
aplicações diversificada em relação à natureza do investimento e limitada a
máximos em relação ao volume aplicado. Com isso ele procura deixar o risco
dentro de limites razoáveis para, em tese novamente, garantir que sempre haverá
saldo para pagar a nossa aposentadoria que um dia, por certo, mereceremos. Mas
não há como “garantir” coisa nenhuma. [Quando escrevi isto não imaginava o
revelaria a Lava-Jato sobre Postalis, Petrus, Eletrus etc.] Afinal, os recursos
estão aplicados em investimentos de risco, por menor que seja o risco. Mesmo
investimentos em imóveis não nos fornecem qualquer garantia. Os investidores em
imóveis em Manhattan não gostam de ouvir falar em 11 de setembro.
Não se assuste, sua aposentadoria está
garantida. Parece. Em última instância é o governo, ou melhor, a totalidade dos
contribuintes, que vai pagar a conta no caso do seu fundo chegar ao fundo do
poço. Volto a citar o Daniel Dantas, ao
ser perguntado sobre o que são fundos de pensão: “(...) a descrição diz que
os fundos cuidam do dinheiro dos aposentados. Só que se perderem dinheiro, a
União tem que pagar de qualquer forma. Então aquilo é uma reserva atuarial do
Tesouro. Se o fundo tiver performance, o aposentado recebe. Se não tiver,
também recebe, independentemente de o fundo ter dinheiro ou não ter”. [Hummmm!!!
O que têm a dizer os funcionários da Varig?] Ah! Bom! Mas isso é uma ilusão,
porque a sociedade irá pagar a conta de um jeito ou de outro. Mágica, na
contabilidade das partidas dobradas, não tem. O rombo será inevitável e um dia
aparece nas manchetes dos principais jornais do mundo (vide Parmalat).
Fiquemos no me-engana-que-eu-gosto de uma
aposentadoria garantida e vamos entender o que está nas entrelinhas do que diz
o Daniel Dantas. Primeiro, a realidade de que fundos podem perder dinheiro
quando ele diz “Só que se perderem dinheiro...” Ou seja, por mais
competentes e precisos que sejam os cálculos atuariais, o negócio todo pode dar
errado por fazerem a coisa certa que é aplicar em investimentos de risco. E vem
a segunda parte onde ele diz que “a União tem que pagar de qualquer forma”. Mais
adiante ele dá a sua visão dizendo: “O Tesouro tem a responsabilidade, mas
não tem o poder, porque esses fundos de pensão são entidades privadas. Mas são
privadas de direito e não de fato. Se é o Tesouro quem paga a conta, uma
alternativa seria falar para os fundos comprarem apenas títulos do Tesouro. Não
faz sentido o Tesouro, que é endividado, assumir mais uma conta e sair por aí
comprando grandes imóveis, (...)”. [Releia lá em cima o comentário de
Staub.]
Estas foram considerações conceituais sobre
o que podemos chamar de “modelo de negócios” dos fundos. Fica evidente que o
“core business” deles é lucro, lucro, lucro para compensar prejuízos,
prejuízos, prejuízos. Fundos não entendem nada "de um tudo". E os
outros fundos, os que se criam para juntar recursos para comprar empresas, não
entendem da natureza dos negócios que compram O que compram é apenas fluxo de
caixa barganhado com o poder do pagamento à vista e/ou troca de ações. A sigla
mágica é EBITDA (basicamente, lucro antes do imposto de renda). Compram
qualquer coisa desde que fique demonstrado que em 3 ou 4 anos todo o
investimento será recuperado. Ou não, mas aí as viúvas ficam com a conta.
Lição número 4: Não serão os fundos a tábua
de salvação. Continuamos sem enxergar além do horizonte.
(E, então, neste ponto abandonei o tema.)
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