Terminei a leitura de "Ética Pós-Moderna" de Zygmunt Bauman (veja postagem anterior). Como prometido, abaixo mais algumas passagens úteis às reflexões sobre o momento atual do Brasil, do mundo, da vida.
Como sempre, o que está em itálico é do original. Em negrito e entre colchetes, acréscimos meus.
"
Ter um propósito
divide as ações entre ações úteis e ações inúteis. O propósito fornece a medida
e o critério de escolha.
Ajudar-se
mutuamente pode requerer sacrifício, e fazer sacrifício é assunto de
moralidade. (...) O que importa é que
dei minha contribuição para a continuação daquele grupo por cujo sucesso se
medem o bem e o certo.
Serão as ações
sugeridas pelo cálculo de sobrevivência necessariamente morais? E será que a
ação não é moral precisamente pelo fato de não ter nenhum valor de
sobrevivência?
Não
somos morais graças à sociedade (somos apenas éticos ou obedientes à lei graças
a ela); vivemos em sociedade, somos sociedade, graças a sermos morais.
Jeremy Bentham
acreditava que os seres humanos têm deficiência de altruísmo e por isso
precisam da ameaça de coerção para encorajá-los a buscar os interesses da
maioria antes que os próprios.
Como advertiu C. H. Waddington por
volta de 1950, "as guerras, torturas, migrações forçadas e outras
brutalidades calculadas que constituem muito da história recente foram na maior
parte efetuadas por homens que acreditavam sinceramente que suas ações eram justificadas,
e, na verdade, exigidas pela aplicação de certos princípios básicos em que
acreditavam..."
A proximidade é o
campo da intimidade e moralidade; a distância é o campo da estranheza e da Lei.
A
curiosidade é a esperança de conhecimento - e, esvanecida a esperança, a
curiosidade abre vias à indiferença. Um mistério demasiado hermético que
rejeita quaisquer lisonjas e molestações para se permitir abrir, perde seu
poder de sedução. Mas também o perde um mistério demais ansioso por se
escancarar, de deixar de ser mistério, de exaurir-se em rotina sem surpresa
alguma.
FrancescoAlberoni e Salvatore Veca sobre o altruísmo moral: "Se
falta a espontaneidade do sentimento do amor, a moralidade seria não obstante
possível graças à existência do dever. O dever preenche o vazio deixado pelo
amor. (...) A
moralidade força-nos a agir como se estivéssemos no amor. O dever
"parece" com o amor."
Como
Paul Ricouer sugere: "A lei é um pedagogo que ajuda o penitente a constatar que é pecador".
A multidão é quebradiça e de pouca duração: seus gloriosos momentos são momentos
fugazes. Suspendeu-se a estrutura, mas não se desmantelou. A multidão é uma
licença de ausência da estrutura, mas em nenhum lugar não há senão estrutura
para voltar depois de terminar a licença.
Na
multidão, somos todos iguais. Andamos juntos, dançamos juntos, nos acotovelamos
juntos, ardemos juntos, matamos juntos - "sendo a única coisa importante
que todos possam se banhar no ambiente emotivo".
Michel Maffesoli: "A sucessão de presentes" (sem nenhum futuro) é a melhor
caracterização da atmosfera do momento.
Quanto
mais "estranho" for o estranho, tanto menos confiança tenho de, por
minha decisão, atribuir-lhe um tipo. (...) O estranho porta uma ameaça de
classificação errônea, mas ele é uma ameaça à classificação como tal, à ordem
do universo, ao valor de orientação do espaço social - ao meu mundo de vida
como tal.
Para
viver com estranhos, é preciso dominar a arte do mau-encontro. A aplicação
dessa arte é necessária se os estranhos, meramente por seu número senão por
qualquer outra razão, não se podem domesticar para se tornarem próximos.
Com
toda probabilidade continuaremos a praticar atos tanto irracionais como imorais
- assim como atos que são irracionais sendo morais, e atos que são racionais e
todavia imorais.
O poder
de minha fantasia é o único limite que tem a realidade que eu imagino, é o
único de que se precisa. A vida é um monte de episódios dos quais nenhum é
definido, inequívoco, irreversível; a vida é como um jogo.
Robert Dreyfus:
"Você quer legislar qualidade de vida e você se vê perante esse estranho
problema de que os aspectos receptivos e espontâneos da qualidade de vida se
perderiam se você legislasse sobre ela."
O dilema tecnológico (...) refere-se à ideia
(...) de que se você se deparar com uma dificuldade tecnológica, sempre poderá esperar
resolvê-la inventando outro dispositivo tecnológico.
Só a tecnologia
pode "melhorar" a tecnologia, curando doenças de ontem com drogas
maravilhosas de hoje, antes que seus próprios efeitos colaterais se interponham
amanhã e exijam drogas novas e melhoradas.
[A explicação para os avanços tecnológicos é simples] Foi feito porque podia
ser feito. E isso é tudo.
O
dilema tecnológico é, em penúltima análise, a declaração de independência dos
meios dos fins; em última análise, o anúncio da soberania dos meios sobre os
fins. "Tens carro, podes viajar". A destinação não é nada, é o ter
carro que importa. É estar em posição para tratar todos os lugares como
destinos que conta - e a única coisa que conta.
Se
alguma coisa pode ser feita, não existe nenhuma autoridade na terra ou no céu
que tenha o direito de proibir seu acontecimento (a não ser que a autoridade
disponha de capacidade ainda maior de fazer as coisas acontecerem a seu
arbítrio).
Para
manter bem lubrificadas as rodas do mercado consumidor, é preciso constante
suprimento de novos perigos bem propalados. E os perigos, de que se precisa,
devem ter capacidade de se traduzir em demanda do consumidor: esses perigos são
"feitos na medida" para o combate privatizado de riscos.
A declaração de
guerra contra o colesterol manda os produtores de laticínios às ruas em defesa
dos mercados do leite e da manteiga.
Preocupamo-nos
profundamente com o que chamamos de explosão demográfica, mas todos nós -
naturalmente -, aplaudimos como progresso os avanços feitos para prolongar
vidas individuais - e, obviamente, cada um de nós deseja participar
pessoalmente de suas façanhas.
(...) o que se
precisa para as pessoas se juntarem na luta é só o conhecimento dos riscos e,
particularmente, da universalidade dos perigos que implicam.
A moralidade
superior é sempre a moralidade do superior.
A
globalização da economia e da informação e a fragmentação da soberania política não são tendências opostas e em consequência mutuamente conflitivas e
incompatíveis; são antes fatores coevos no contínuo rearranjo de vários
aspectos de integração sistemática.
A pós-modernidade
tem duas faces (...): De um lado a fúria sectária da auto-afirmação neotribal,
o ressurgimento da violência como o principal instrumento de construção da
ordem, a busca febril das verdades caseiras de que se espera preencher o vazio
da ágora desertada. De outro lado, a recusa dos retores [retóricos] de ontem da
ágora a julgar, discriminar, escolher entre escolhas: toda escolha vale,
contanto que seja escolha, e toda ordem é boa, contanto que seja uma das muitas
e não exclua outras ordens.
A tolerância dos
retores nutre-se da intolerância das tribos. A intolerância das tribos haure [extrai] confiança da tolerância dos retores.
[Sobre o Estado do
Bem-estar]: o que costumava ser uma segurança coletiva contra desastres
individuais converteu-se numa nação dividida entre os pagadores de seguro e os
recebedores do beneficio. (...) o desmantelamento do Estado de Bem-estar
desenvolve interesses econômicos como meio de libertar o calculo político de
constrições morais. A responsabilidade moral é uma vez mais algo "pelo
qual é preciso pagar" e, consequentemente, que alguém pode bem ser
"incapaz de aguentar pagar".
As pessoas
investidas de confiança pública precisam ser confiáveis e provar que o são.
A política não é
mais o que os políticos fazem; pode-se aventurar a dizer que a política que
verdadeiramente importa é feita em lugares muito distantes dos escritórios dos
políticos.
"
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