terça-feira, maio 09, 2017

A PROPÓSITO DE MORALIDADE (2)

Terminei a leitura de "Ética Pós-Moderna" de Zygmunt Bauman (veja postagem anterior). Como prometido, abaixo mais algumas passagens úteis às reflexões sobre o momento atual do Brasil, do mundo, da vida.

Como sempre, o que está em itálico é do original. Em negrito e entre colchetes, acréscimos meus.

"
Ter um propósito divide as ações entre ações úteis e ações inúteis. O propósito fornece a medida e o critério de escolha.

Ajudar-se mutuamente pode requerer sacrifício, e fazer sacrifício é assunto de moralidade.  (...) O que importa é que dei minha contribuição para a continuação daquele grupo por cujo sucesso se medem o bem e o certo.

Serão as ações sugeridas pelo cálculo de sobrevivência necessariamente morais? E será que a ação não é moral precisamente pelo fato de não ter nenhum valor de sobrevivência?

Não somos morais graças à sociedade (somos apenas éticos ou obedientes à lei graças a ela); vivemos em sociedade, somos sociedade, graças a sermos morais.

Jeremy Bentham acreditava que os seres humanos têm deficiência de altruísmo e por isso precisam da ameaça de coerção para encorajá-los a buscar os interesses da maioria antes que os próprios. 

Como advertiu C. H. Waddington por volta de 1950, "as guerras, torturas, migrações forçadas e outras brutalidades calculadas que constituem muito da história recente foram na maior parte efetuadas por homens que acreditavam sinceramente que suas ações eram justificadas, e, na verdade, exigidas pela aplicação de certos princípios básicos em que acreditavam..."

A proximidade é o campo da intimidade e moralidade; a distância é o campo da estranheza e da Lei.

A curiosidade é a esperança de conhecimento - e, esvanecida a esperança, a curiosidade abre vias à indiferença. Um mistério demasiado hermético que rejeita quaisquer lisonjas e molestações para se permitir abrir, perde seu poder de sedução. Mas também o perde um mistério demais ansioso por se escancarar, de deixar de ser mistério, de exaurir-se em rotina sem surpresa alguma.

FrancescoAlberoni e Salvatore Veca sobre o altruísmo moral: "Se falta a espontaneidade do sentimento do amor, a moralidade seria não obstante possível graças à existência do dever. O dever preenche o vazio deixado pelo amor. (...) A moralidade força-nos a agir como se estivéssemos no amor. O dever "parece" com o amor." 

Como Paul Ricouer sugere: "A lei é um pedagogo que ajuda o penitente a constatar que é pecador".

A multidão é quebradiça e de pouca duração: seus gloriosos momentos são momentos fugazes. Suspendeu-se a estrutura, mas não se desmantelou. A multidão é uma licença de ausência da estrutura, mas em nenhum lugar não há senão estrutura para voltar depois de terminar a licença.

Na multidão, somos todos iguais. Andamos juntos, dançamos juntos, nos acotovelamos juntos, ardemos juntos, matamos juntos - "sendo a única coisa importante que todos possam se banhar  no ambiente emotivo".

Michel Maffesoli: "A sucessão de presentes" (sem nenhum futuro) é a melhor caracterização da atmosfera do momento.

Quanto mais "estranho" for o estranho, tanto menos confiança tenho de, por minha decisão, atribuir-lhe um tipo. (...) O estranho porta uma ameaça de classificação errônea, mas ele é uma ameaça à classificação como tal, à ordem do universo, ao valor de orientação do espaço social - ao meu mundo de vida como tal.

Para viver com estranhos, é preciso dominar a arte do mau-encontro. A aplicação dessa arte é necessária se os estranhos, meramente por seu número senão por qualquer outra razão, não se podem domesticar para se tornarem próximos.

Com toda probabilidade continuaremos a praticar atos tanto irracionais como imorais - assim como atos que são irracionais sendo morais, e atos que são racionais e todavia imorais. 

poder de minha fantasia é o único limite que tem a realidade que eu imagino, é o único de que se precisa. A vida é um monte de episódios dos quais nenhum é definido, inequívoco, irreversível; a vida é como um jogo.

Robert Dreyfus: "Você quer legislar qualidade de vida e você se vê perante esse estranho problema de que os aspectos receptivos e espontâneos da qualidade de vida se perderiam se você legislasse sobre ela."

O dilema tecnológico (...) refere-se à ideia (...) de que se você se deparar com uma dificuldade tecnológica, sempre poderá esperar resolvê-la inventando outro dispositivo tecnológico.

Só a tecnologia pode "melhorar" a tecnologia, curando doenças de ontem com drogas maravilhosas de hoje, antes que seus próprios efeitos colaterais se interponham amanhã e exijam drogas novas e melhoradas.

[A explicação para os avanços tecnológicos é simples] Foi feito porque podia ser feito. E isso é tudo.

O dilema tecnológico é, em penúltima análise, a declaração de independência dos meios dos fins; em última análise, o anúncio da soberania dos meios sobre os fins. "Tens carro, podes viajar". A destinação não é nada, é o ter carro que importa. É estar em posição para tratar todos os lugares como destinos que conta - e a única coisa que conta.

Se alguma coisa pode ser feita, não existe nenhuma autoridade na terra ou no céu que tenha o direito de proibir seu acontecimento (a não ser que a autoridade disponha de capacidade ainda maior de fazer as coisas acontecerem a seu arbítrio).

Para manter bem lubrificadas as rodas do mercado consumidor, é preciso constante suprimento de novos perigos bem propalados. E os perigos, de que se precisa, devem ter capacidade de se traduzir em demanda do consumidor: esses perigos são "feitos na medida" para o combate privatizado de riscos. 

A declaração de guerra contra o colesterol manda os produtores de laticínios às ruas em defesa dos mercados do leite e da manteiga.

Preocupamo-nos profundamente com o que chamamos de explosão demográfica, mas todos nós - naturalmente -, aplaudimos como progresso os avanços feitos para prolongar vidas individuais - e, obviamente, cada um de nós deseja participar pessoalmente de suas façanhas.

(...) o que se precisa para as pessoas se juntarem na luta é só o conhecimento dos riscos e, particularmente, da universalidade dos perigos que implicam.

A moralidade superior é sempre a moralidade do superior.

A globalização da economia e da informação e a fragmentação da soberania política não são tendências opostas e em consequência mutuamente conflitivas e incompatíveis; são antes fatores coevos no contínuo rearranjo de vários aspectos de integração sistemática.

A pós-modernidade tem duas faces (...): De um lado a fúria sectária da auto-afirmação neotribal, o ressurgimento da violência como o principal instrumento de construção da ordem, a busca febril das verdades caseiras de que se espera preencher o vazio da ágora desertada. De outro lado, a recusa dos retores [retóricos] de ontem da ágora a julgar, discriminar, escolher entre escolhas: toda escolha vale, contanto que seja escolha, e toda ordem é boa, contanto que seja uma das muitas e não exclua outras ordens.

A tolerância dos retores nutre-se da intolerância das tribos. A intolerância das tribos haure [extrai] confiança da tolerância dos retores.

[Sobre o Estado do Bem-estar]: o que costumava ser uma segurança coletiva contra desastres individuais converteu-se numa nação dividida entre os pagadores de seguro e os recebedores do beneficio. (...) o desmantelamento do Estado de Bem-estar desenvolve interesses econômicos como meio de libertar o calculo político de constrições morais. A responsabilidade moral é uma vez mais algo "pelo qual é preciso pagar" e, consequentemente, que alguém pode bem ser "incapaz de aguentar pagar".

As pessoas investidas de confiança pública precisam ser confiáveis e provar que o são.

A política não é mais o que os políticos fazem; pode-se aventurar a dizer que a política que verdadeiramente importa é feita em lugares muito distantes dos escritórios dos políticos. 
"

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