Carlo Bordoni e Zygmunt Bauman (1925-2017) |
Quem recentemente passou por aqui, sabe que estou em uma fase de ler o que Zygmunt Bauman nos deixou de herança (quem chegou só agora, veja postagens anteriores). Hoje acabei de ler "Estado de Crise" (2014/2016), um trabalho dele com seu amigo Carlo Bordoni, sociólogo e jornalista italiano, em forma de diálogo.
A seleção que fiz teve um só foco: frases, análises, avaliações que nos remetem à comparação/reflexão com o momento Brasil. E, em especial, a acontecimentos ocorridos e a ocorrer neste julho de 2017.
No livro, uma referência ao Brasil é feita apenas ao final do livro quando listado junto a outros países em que ocorreram movimentos de massa nas ruas.
Como sempre, entre colchetes "[]", interferências minhas.
CARLO BORDONI
Agora, (...) todo e qualquer prognóstico de
solução [das crises] é continuamente atualizado e, em seguida, adiado para outra data.
Parece que nunca vai acabar.
Nós temos de aprender a viver em crise,
(...) pois a crise está aqui para ficar.
ZYGMUNT BAUMAN
Na
percepção da população, o Estado foi rebaixado da posição de motor mais
poderoso do bem-estar universal àquele de obstáculo mais odioso, pérfido e
prejudicial.
Em
sua condição presente, o Estado não dispõe dos meios e recursos para realizar
as tarefas que exigem a supervisão e o controle efetivos dos mercados, para não
falar de sua regulação e administração.
A
presente crise difere das suas precedentes históricas à medida que é vivida
numa situação de divórcio entre poder e política.
CARLO BORDONI
"O problema vem de fora, mas o problema tem de ser resolvido,
para o melhor ou para o pior, no local."
A
antipolítica resulta em populismo e nacionalismo, ambos perigosos e sujeitos
aos mais devastadores desvios. Com frequência ela se mostra o prelúdio de
regimes tirânicos e autoritários, como demonstra a história recente.
Como
certos tipos de populismo, o nacionalismo hoje não vai além do drama de uma
opereta tragicômica, exagerada pela mídia para entretenimento das massas que
com justeza estão muito aflitas.
ZYGMUNT BAUMAN
Os governos (...) não são convincentes nem destinados a durar; na melhor das
hipóteses, espera-se/reza-se para que sobrevivam até (...) a próxima abertura do pregão da bolsa de valores.
Todos os governos democráticos
estão expostos a duas pressões contraditórias:
1 - a pressão dos
eleitores que sejam capazes tanto de por governos em exercício quanto de
tirá-los;
2 - a pressão de
forças globalizadas, livres para flutuar com pouca ou nenhuma
restrição no "espaço de fluxos" extraterritorial sem política.
Os
cidadãos acreditam cada vez menos que os governos sejam capazes de cumprir suas
promessas.
Que força há de
poder preencher o posto/papel de agente da mudança social? (...) Há uma abundancia de tentativas de
encontrar novos instrumentos de ação coletiva (...) instrumentos que
tenham mais chances de satisfazer a vontade popular (...).
De uma maneira ou
de outra, a indignação aí está, e nos indicaram uma maneira de descarregá-la,
ainda que temporariamente: ir para as ruas e ocupá-las.
[Não
faltarão aventureiros ansiosos por propor]: "Confiem em mim, sigam-me, e eu os salvarei
da miséria em que vocês afundarão ainda mais do que hoje."
Nós
sabemos do que estamos fugindo, mas não temos a menor ideia de onde vamos.
(...) A história é um cemitério de esperanças não realizadas e de expectativas
frustradas.
De uma maneira ou de outra, a indignação
está presente, e estabeleceu-se um precedente para descarregá-la: sair às ruas e
ocupá-las.
O fenômeno
"povo nas ruas" mostrou até o presente a sua capacidade de afastar
alguns dos mais odiados objetos da indignação das pessoas, figuras culpadas por
seus sofrimentos (...) Entretanto, ele ainda tem de provar, (...) que
também pode ser útil no trabalho de construção que vem em seguida. (...) os lideres de países democráticos e as
instituições que eles criaram para guardar a perpétua "reprodução do
mesmo" parecem até
aqui não ter percebido e não se preocupam; (..).
As pessoas que ora
tomam as ruas (...) sabem com certeza o que elas não gostariam que continuasse
a ser feito. O que elas não sabem, contudo, é o que precisa ser feito em vez de...
Líderes políticos
potenciais não pararam de nascer. São as estruturas políticas em deterioração,
decadentes e impotentes que os impedem de amadurecer
Por
que se dar ao trabalho de quebrar a cabeça tentando responder à pergunta:
"O que fazer?" se não há resposta para a pergunta "Quem irá fazê-lo?"
CARLO BORDONI
O evento mais recente, o atual, o novo,
representa a face da verdade e derrota o evento anterior.
O Estado [atual], (...) está tão somente
preocupado com sua própria estabilidade.
A democracia chegou a ser usada [como] um biombo para cobrir os piores tipos de opressão do homem
pelo homem.
Há
na democracia um caráter de ditadura da maioria sobre a minoria. [Não nos dias de hoje pelo que se observa nos mais importantes e recentes eventos eleitorais ocorridos no mundo. Em quase todos, se não todos, uma minoria impôs sua vontade à maioria, principalmente pelo alto nível de abstenção.]
O fato de que todos possam votar não
garante, em si, uma vitória popular, nem que a forma de governo produzida por
eleições seja realmente do interesse do povo.
O marxismo entendia democracia como
"ditadura do proletariado", mas depois delegou a gerência do poder
político a uma pequena minoria, a uma elite privilegiada.
Indiferentemente de
quanto a fórmula "democracia representativa" possa ser boa, (...) é
evidente que a crise da modernidade trouxe com ela a crise da democracia
representativa.
A
alta taxa de sindicalização nos países ocidentais é responsável por incitar a
alta do preço da mão-de-obra e introduzir um conjunto de regulamentações de
proteção e defesa do emprego, a ponto de forçar o capital a mudar de lugar.
ZYGMUNT BAUMAN
Alexandra de Felice,
famosa comentarista do mercado de trabalho Frances, prevê que, se prosseguirem as
atuais tendências, um membro regular da geração Y será obrigado a mudar de
chefe e de empregador 29 vezes ao longo de sua vida de trabalho.
CARLO BORDONI
A sociedade desmassificada atingiu um nível
perfeito de igualdade: uma sociedade de indivíduos empobrecidos, gratificados
pela indústria de alta tecnologia e pelo grande conforto da comunicação
interpessoal, mas que são incapazes de exercer política autorregulada, porque
ela foi tirada de seu controle.
O cidadão comum só pode ter responsabilidade
no âmbito da política local (...).
Que necessidade há
de representação no nível mais alto (considerando que o cidadão comum não
entende as complexas questões econômicas de âmbito global e não tem competência
para tomar decisões) quando a democracia - isto é, a real democracia, aquela
que realmente interessa ao povo - é realizada plenamente nas questões do dia a
dia?
Não podemos falar da existência de um cidadão
global, mas apenas de um cidadão local afetado pela globalização.
Volto eu. Em resumo, estamos em um novo mundo, onde:
1 - A globalização tirou dos políticos a tarefa de definir prioridades do que fazer. Isto agora é resultado dos interesses dos mercadores produtores de bens.
2 - A facilidade de fluxo de capitais, completou o serviço tirando do Estado-nação o controle e o poder de fazer. Transferências de grandes volume de capital têm o poder de desequilibrar governos e quebrar Nações.
3 - As tecnologias de comunicação reduziram o tempo ao imediato, o que, praticamente, acabou com a reflexão sobre as coisas e o amadurecimento de opiniões/posições.
4 - Na modernidade líquida de Bauman, as certezas, a solidez das convicções, não existem mais. Agora tudo é passageiro, fluido, fugaz, passam como as águas no leito do rio.
5 - Dado o volume de informação injetada em nossos cérebros por minuto, o cidadão comum se tornou incapaz de sintetizar/entender as razões para seus infortúnios e o incapacita para o voto em uma democracia do passado (vontade da maioria) hoje dominada pela minoria que tenha mais sede de poder.
6 - Na auto-estrada da história das Nações não há placa de retorno porque a pista é única em uma só direção. Todos os povos estão forçados a descobrir um novo sistema (veículo) capaz de nos levar com segurança na travessia da vida tendo que lidar com as novas variáveis que aí já estão e as que nem imaginamos que virão, mas certamente virão.
A leitura completa é essencial para quem quiser entender o que está acontecendo no mundo de hoje. Se você não quiser comprar o livro, eu achei aqui todo o conteúdo de "Estado de Crise".
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"A gestão partidária não pode ser feita por candidato ou por ocupante de cargo eletivo."
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