O novo modelo de comportamento humano e dos relacionamentos deste com tudo que o cerca (gente e coisas) como resultado da globalização tecnologicamente evoluída, definido por Zygmunt Bauman como "modernidade líquida" pelo seu caráter extremo de fluidez, inclui entre suas características, uma inevitável superficialidade no processo perceptivo e consequente construção do arcabouço das opiniões, visões e, mais grave, das convicções pessoais.
O entendimento, razoavelmente correto, do que se apresenta no hoje (sobre o que quer que seja), depende, obrigatoriamente, de um esforço para a busca de informação histórica, multidisciplinar e, invariavelmente complexa, que alguns não estão dispostos a despender.
Sendo o exposto uma proposição genérica, abrangente, quero tratar de um assunto particular e presente na atualidade da discussão política no Brasil: a bandeira da volta dos militares ao poder erguida parte de alguns segmentos da sociedade.
Recebi nesta semana dois vídeos. O primeiro, um pequeno trecho de uma entrevista do jornalista Alexandre Garcia com o ex-presidente João Figueiredo feita a 51 dias de deixar o poder, em janeiro de 1985. A fala de Figueiredo explica, quase que didaticamente, quão longe deve o militar se manter distante do poder político de uma nação. Diz ele:
"Eu pensei que pudesse agir fora do quartel como eu agia dentro do quartel. Aí é que eu me dei mal. A gente com quem eu ia lidar era completamente diferente. No quartel só se falava em cumprir o dever, bandeira, defender o Estado, viva a pátria, era o dia inteiro isso. E aqui fora você só via o interesse particular. A última coisa que eu ouvia falar era em Brasil. A ponto de eu perguntar uma determinada vez a um político: e o Brasil? Ora, presidente!"
Nesta resposta pode-se perceber o reconhecimento de que os princípios que norteiam as condutas do mundo militar são incompatíveis com princípios básicos e elementares de um regime democrático e, consequentemente, aqueles que com eles se identificam não são portadores das habilidades exigidas ao mundo civil, principalmente, na política (*). A democracia é, por essência, o regime dos interesses particulares (de pessoas, empresas, organizações de todos os tipos e objetivos). É o conflito, o embate de ideias e interesses contrários, que determina os caminhos a seguir, enquanto nos cartéis acatam-se ordens, sem discussão. Não há outra conclusão, portanto, a não ser a de que aqueles que clamam uma solução militar estão, simplesmente, clamando por uma ditadura.
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Kin Jon-Un |
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Mugabe
Dito isto, conclamo os desejoso de um regime militar como panaceia para os graves problemas do Brasil que, com base em governos militares (ou sustentados pelas Forças Armadas) do presente e do passado mundo afora, construam duas listas: aqueles países que podem ser considerados minimamente desenvolvidos (considerando nível de bem-estar dos cidadãos) e aqueles que estão ou estiveram entre os mais sub-desenvolvidos. Algumas sugestões: Cuba de Castro, Alemanha de Hitler, Venezuela de Chaves e Maduro, Coreia do Norte de Kim Jong-un, Argentina de Viola, Chile de Pinochet, Zimbábue de Robert Mugabe, Tailândia de Prayuth Chan-ocha, Sudão de Omar Hassan-al-Bashir etc.
Volto a Figueiredo. Ao ser questionado por Alexandre Garcia "se foi fácil" conduzir a abertura política e a devolução do poder aos políticos, diz:
"Não, não foi fácil. Só foi fácil por causa da compreensão dos companheiros das Forças Armadas, que apoiaram e acharam que estava na hora da revolução provar que de fato queria a democracia. E nesse aspecto todos me ajudaram."
Releiam, pois é uma confissão do reconhecimento de todo o corpo das Forças Armadas de de que o lugar do militar era, e continua a ser, "cumprir o dever, cuidar da pátria, defender o Estado". Acima de tudo, eu diria, defender a democracia.
Ao final da entrevista, Figueiredo, desiludido com as pessoas que encontrou ao longo de seu governo, implicitamente reconhecendo a incompatibilidade dos valores militares com os valores da política, diz sobre o futuro reservado a Tancredo:
"Eu tenho pena do Tancredo porque ele vai passar pelo que eu passei."
O segundo vídeo, é de um evento em uma loja maçônica de Brasília, no dia 15 de setembro de 2017, quando o General Antonio Hamilton Mourão, responde a um questionamento sobre a possibilidade do exército fazer uma intervenção militar. Eis sua resposta atribuindo-a a uma visão do Alto Comando do Exército:
"O nosso comandante desde o começo da crise, definiu um tripé para a atuação do Exército (estou falando aqui na forma como o Exército pensa). Ele se baseou, número 1, na legalidade; número 2 na legitimidade que é dada pela característica da instituição e pelo reconhecimento que a instituição tem perante a sociedade; e número 3, não ser o Exército um fator de instabilidade (...)."
E adverte:
“Ou as instituições solucionam o problema político retirando da vida pública os elementos envolvidos em todos os ilícitos ou então nós teremos que impor uma solução“.
Ou:
“Os poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, temos que impor uma solução. E essa imposição não será fácil. Ela trará problemas. Pode ter certeza”.
Não vejo absolutamente nada de surpreendente nesta fala. Ou alguém pensa que os militares no âmbito da caserna, não estão, tal como nós, civis, em nossas casas, discutindo o que se passa na política? Mais. Alguém acredita que os militares ignoram os gritos de parte da sociedade que reclama uma pretensa solução autocrática? É óbvio, natural, coerente, que os membros da instituição estejam, tal como em todas as demais, avaliando as circunstâncias para decidir por quê, como, quando e onde agir, e, até mesmo, se necessário agir.
Muito me tranquiliza a fala do General, pois absolutamente equilibrada e realista. É reveladora da consciência que os atuais componentes do Alto Comando têm sobre suas responsabilidades com o país. Assim ele termina:
"A minha geração (...) é marcada pelos sucessivos ataques que a nossa instituição recebeu de forma covarde (...) de forma não coerente com os fatos que ocorreram (...) isso marcou a geração (...) Existem companheiros que até hoje dizem "pôxa nós procuramos fazer o melhor e levamos pedrada de todas as formas. (...) Quando a gente olha o juramento que nós fizemos,nosso compromisso é com a nação, com a pátria, independente de sermos aplaudidos ou não."
O futuro da democracia está onde sempre esteve: nas mãos daqueles que se dedicam à política. O caminho pode ser direto, pelas decisões tomadas no Congresso, ou, indireto, passando por um interregno conduzido por uma tomada temporária do poder pelas Forças Armadas. Esperemos para ver qual será a solução escolhida pelos atuais congressistas.
Eu recomendo assistir a íntegra da entrevista de Figueiredo e o vídeo da fala do General Mourão.
(*) É lendo Bauman que aprendemos que a política é a capacidade de decidir prioridades enquanto o poder é capacidade de realizar.