Para que o e-leitor tenha uma noção clara de como enxergo a vida, antes de tratar do que vou tratar, preciso esclarecer que não há nada transcendental, nem hereditário, nem de mérito próprio, que justifique o fato de eu e meus companheiros dos 5% da faixa de renda mais alta da população, que justifique esta posição. Mas a maioria destes meus companheiros não pensa como eu. É a isto que chamo de "hipocrisia dos privilegiados".
Esta "viagem filosófica" vem a propósito do fato de que em todas estas medidas de "ajuste fiscal", em nenhum instante, por ninguém, seja no governo, no congresso ou na mídia, foi proposto o ajuste das receitas do Estado às novas atribuições obrigatórias gradativamente impostas pela sociedade ao longo, principalmente, destes últimos 100 anos (1).
A hipocrisia dos privilegiados (e abastados) tem como bandeira o mote "Brasil, a maior carga tributária do mundo". Alguém já disse que uma mentira repetida insistentemente vira verdade incontestável. É este o caso. Interessa às elites profissionais, não importa a categoria, fingir que o problema da ineficiência do Estado não tem nada a ver com elas, afinal são elas que pagam a maior fatia da torta amarga da carga tributária. Assim, para que ninguém venha com "ideias comunistas" estilo Robin Hood, bradam repetidamente (sem nunca dizer a fonte) que o Brasil é o grande campeão deste campeonato mundial. Isto é grossa mentira.
As verdades factuais são (2): (1) Em levantamento do Banco Mundial, dados de 2012 e entre 109 países, o Brasil ocupava a 59º posição no ranking da carga tributária líquida (2) Já em 2012, em dados da OCDE (lista portanto limitada aos membros deste clube), o Brasil está na 15º posição na carga tributária bruta. (3) Nesta mesma tabela da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), enquanto o Brasil apresenta um índice de 35,8%, a Suiça aparece com 28,2%, só que lá praticamente a totalidade dos cidadãos paga imposto e não existem pobre como aqui para que sejam necessários programas de renda mínima; (4) Para piorar, no Brasil, a carga tributária está na contramão da história pois penaliza os que têm menos pois, diferente da média do G20, a participação dos tributos sobre o consumo é maior, e, consequentemente, a carga sobre a renda é menor. (5) Aqui quanto mais se ganha, menos impostos se paga relativamente; (6) Diferente de outros países desenvolvidos, no Brasil a tributação sobre o estoque de capital é mínima.
Nas últimas décadas, no mundo todo, mas especialmente no Brasil, e mais especialmente na era Lula, o assistencialismo, e consequentemente o custo do Estado, cresceu em níveis desproporcionais à arrecadação. Nós, os mais velhos, se deixarmos a hipocrisia de lado, vamos nos lembrar de que vivemos num país onde, só para usar um exemplo, as escolas públicas eram as melhores escolas. Há 60 anos nasciam as primeiras favelas, a maconha dava seus primeiros sinais de que se tornaria a droga da moda nos anos 70.
Quero lembrar que Lula foi eleito com os votos de uma classe média que, em princípio, tinha uma visão do que chamo de capitalismo social. Apostou em Lula na expectativa de um novo mix entre uma melhor distribuição de renda e crescimento econômico. É certo que o governo petista se perdeu ao se interessar apenas em manutenção do poder, acreditando ser o dono da verdade. Mas também é certo que os mais abastados querem ser ainda mais abastados acumulando mais e mais capital, improdutivo em grande parte, livre de impostos (3) e, hipocritamente, se fazem de cegos para não ver que só há um caminho para manutenção deste modelo de inclusão social: aumento da receita do Estado pela tributação menor do consumo e maior da renda e do estoque de capital, especialmente deste.
É isto.
(1) Para qualquer dúvida sobre afirmações que faço neste texto relativas ao passado econômico mundial, basta ler O CAPITAL NO SÉCULO XXI, de Thomas Piketty, ou aguardar o extrato do livro que pretendo postar aqui em futuro próximo.
(2) Para maior entendimento de afirmações que incluo sobre o tema "maior carga tributária", aconselho a leitura deste texto e/ou visitar o site da OCDE para garimpar os números mostrados nas tabelas inclusas no link acima.
(3) Para mais informação sobre tributação dos mais ricos e volume de sonegação de impostos no Brasil, acesse este link.
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