domingo, novembro 06, 2016

A DEMOCRACIA SOB INVESTIGAÇÃO


Para os mais atentos, ligados nas reflexões políticas e econômicas, no entendimento das crises do hoje com vistas a projetar possíveis modelos futuros, já é possível identificar que a democracia começa a ser questionada e colocada sob investigação, não apenas no Brasil, como nosso umbigo nos leva a crer, mas em todo o mundo, particularmente no ocidente pela razão simples de ser uma região com predominância das liberdades individuais, tais como de expressão e religião, ao contrário dos países orientais, onde o Estado ou a Religião ou ambos, mantêm forte controle sobre os desejos e comportamentos dos cidadãos.

Ao participar do programa Painel, da Globo News, do dia 5 de outubro de 2016, o professor Eduardo Viola, titular de Relações Institucionais da Universidade de Brasília, apresenta o conceito de "disfuncionalidade democrática", a noção de que a democracia como exercida até há pouco não atende mais às demandas de uma sociedade que, dados os avanços tecnológicos, se move à revelia e à margem dos sistemas de governo. Ele sugere até mesmo que deixamos de eventualmente ser uma plutocracia - regime a serviço dos mais abastados - para um sistema que o cientista político Philippe C. Schmitter(*) chamou de politocracia, onde o sistema democrático deixa de estar alicerçado no governo do povo pelo povo, para servir aos interesses particulares dos políticos e distanciados das demandas da sociedade.

A democracia está em crise na Turquia, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Venezuela e no Brasil, não só, os cito apenas para mostrar que a motivação do debate não é regional, não tem respaldo na longevidade das nações, ou nas características peculiares das diferentes culturas. Há algo no ar "além dos aviões de carreira" a obstruir a visão dos cidadãos, de todos os povos governados por regimes democráticos.

Todos vêem que está errado. O que existe não serve mais, mas ainda não enxergamos o que poderá nos servir como um sistema razoável para resolver os impasses presentes e os anseios futuros.

Tudo isto, na minha humilde opinião, tem como pano de fundo a revolução que as tecnologias computacionais e de comunicação provocaram nos últimos 10 anos. Apple, Microsoft, Google, Facebook, Twitter, Youtube e Whatsapp, estão bagunçando com tudo o que sabíamos até aqui. Tudo o que aprendemos cansativamente nas escolas e na vida, virou lixo. O mundo mudou num movimento de baixo para cima. São as comunidades tecnologicamente instrumentalizadas demandando pressão para que as oligarquias no poder apresentem novas soluções. Por bem ou por mal, sinto prever.

Meu colega de trabalho está a uma distância desconhecida ao qual me conecto a megabytes por segundo. Trabalho de minha casa, sem qualquer necessidade de ir à empresa para a qual presto serviço. Faço compras com cliques em uma loja virtual totalmente em português, onde compro produtos diretamente da China e entregues por correio em minha casa. Antes de ir à consulta médica já sei tudo sobre a provável doença que tenho, tratamento, remédios, dieta a seguir etc.

Saber multiplicar pra quê? Raiz quadrada!!! O que uma planilha não resolve num clique? A capital do Tibet? Vou ao Google. Descobrir o significado, o sinônimo, a origem, da palavra, do conceito, vou à Wikipédia. Saber sobre o candidato, saber suas ideias, suas manifestações no passado, vou ao Youtube. Dizer o que penso ou questionar o que outros pensam, dar minha opinião não-abalizada sobre tudo, contar meus feitos, encher meu ego, me conecto e exponho no Face. Alertar meus familiares e amigos sobre qualquer coisa, pedir apoio a uma causa, repassar uma piada de bom ou mau gosto, posto uma mensagem no Whatsapp. Pressionar um político, dar sugestões, cobrar compromissos assumidos em campanha, mando uma mensagem eletrônica.

Nesta nova realidade cotidiana estamos fazendo muitas perguntas.

Democracia representativa para quê? 513 deputados federais para quê? 81 senadores para quê? Centenas de deputados estaduais para quê? Milhares de vereadores para quê?

Reforma política? Presidencialismo ou parlamentarismo, que importância isto tem? Voto distrital? Voto em lista? Permissão de coligações ou não?

Partidos políticos? Que necessidade de nossas vidas eles são capazes de atender?

Não entender que tudo, politicamente falando, terá que ser revisto, só prolongará nossa agonia atrasando a busca de novas soluções. A democracia como está, em particular a brasileira, precisa ser posta sob investigação. Quanto mais cedo, melhor.


(*) Há uma entrevista muito interessante deste cientista neste link (http://poliarquiaufrgs.blogspot.com.br/2011/03/philippe-schmitter-o-brasil-nao-precisa.html), dada em 2011 ao jornal Valor Econômico quando ele esteve no Brasil.




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