Para os mais atentos, ligados nas
reflexões políticas e econômicas, no entendimento das crises do hoje com vistas
a projetar possíveis modelos futuros, já é possível identificar que a
democracia começa a ser questionada e colocada sob investigação, não apenas no Brasil,
como nosso umbigo nos leva a crer, mas em todo o mundo, particularmente no ocidente
pela razão simples de ser uma região com predominância das liberdades
individuais, tais como de expressão e religião, ao contrário dos países
orientais, onde o Estado ou a Religião ou ambos, mantêm forte controle sobre os
desejos e comportamentos dos cidadãos.
Ao participar do programa Painel, da
Globo News, do dia 5 de outubro de 2016, o professor Eduardo Viola, titular de
Relações Institucionais da Universidade de Brasília, apresenta o conceito de
"disfuncionalidade democrática", a noção de que a democracia como
exercida até há pouco não atende mais às demandas de uma sociedade que, dados
os avanços tecnológicos, se move à revelia e à margem dos sistemas de governo.
Ele sugere até mesmo que deixamos de eventualmente ser uma plutocracia - regime
a serviço dos mais abastados - para um sistema que o cientista político
Philippe C. Schmitter(*) chamou de politocracia, onde o sistema
democrático deixa de estar alicerçado no governo do povo pelo povo, para servir
aos interesses particulares dos políticos e distanciados das demandas da
sociedade.
A democracia está em crise na Turquia,
nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Venezuela e no Brasil, não só, os cito
apenas para mostrar que a motivação do debate não é regional, não tem respaldo
na longevidade das nações, ou nas características peculiares das diferentes
culturas. Há algo no ar "além dos aviões de carreira" a obstruir a visão
dos cidadãos, de todos os povos governados por regimes democráticos.
Todos vêem que está errado. O que
existe não serve mais, mas ainda não enxergamos o que poderá nos servir como um
sistema razoável para resolver os impasses presentes e os anseios futuros.
Tudo isto, na minha humilde opinião,
tem como pano de fundo a revolução que as tecnologias computacionais e de
comunicação provocaram nos últimos 10 anos. Apple, Microsoft, Google, Facebook,
Twitter, Youtube e Whatsapp, estão bagunçando com tudo o que sabíamos até aqui.
Tudo o que aprendemos cansativamente nas escolas e na vida, virou lixo. O mundo
mudou num movimento de baixo para cima. São as comunidades tecnologicamente
instrumentalizadas demandando pressão para que as oligarquias no poder
apresentem novas soluções. Por bem ou por mal, sinto prever.
Meu colega de trabalho está a uma
distância desconhecida ao qual me conecto a megabytes por segundo. Trabalho de
minha casa, sem qualquer necessidade de ir à empresa para a qual presto
serviço. Faço compras com cliques em uma loja virtual totalmente em português,
onde compro produtos diretamente da China e entregues por correio em minha
casa. Antes de ir à consulta médica já sei tudo sobre a provável doença que
tenho, tratamento, remédios, dieta a seguir etc.
Saber multiplicar pra quê? Raiz
quadrada!!! O que uma planilha não resolve num clique? A capital do Tibet? Vou
ao Google. Descobrir o significado, o sinônimo, a origem, da palavra, do
conceito, vou à Wikipédia. Saber sobre o candidato, saber suas ideias, suas
manifestações no passado, vou ao Youtube. Dizer o que penso ou questionar o que
outros pensam, dar minha opinião não-abalizada sobre tudo, contar meus feitos,
encher meu ego, me conecto e exponho no Face. Alertar meus familiares e amigos
sobre qualquer coisa, pedir apoio a uma causa, repassar uma piada de bom ou mau
gosto, posto uma mensagem no Whatsapp. Pressionar um político, dar sugestões,
cobrar compromissos assumidos em campanha, mando uma mensagem eletrônica.
Nesta nova realidade cotidiana estamos
fazendo muitas perguntas.
Democracia representativa para quê? 513
deputados federais para quê? 81 senadores para quê? Centenas de deputados
estaduais para quê? Milhares de vereadores para quê?
Reforma política? Presidencialismo ou
parlamentarismo, que importância isto tem? Voto distrital? Voto em lista?
Permissão de coligações ou não?
Partidos políticos? Que necessidade de
nossas vidas eles são capazes de atender?
Não entender que tudo, politicamente
falando, terá que ser revisto, só prolongará nossa agonia atrasando a busca de novas soluções. A
democracia como está, em particular a brasileira, precisa ser posta sob
investigação. Quanto mais cedo, melhor.
(*) Há uma entrevista muito interessante deste
cientista neste link (http://poliarquiaufrgs.blogspot.com.br/2011/03/philippe-schmitter-o-brasil-nao-precisa.html),
dada em 2011 ao jornal Valor Econômico quando ele esteve no Brasil.
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