No mundo analógico e desconectado, éramos hora emissores, hora receptores. No mundo digitrônico somos simultaneamente ambos, pois, na maioria das vezes, não há espaço temporal entre uma condição e outra. Quando clico num link com o objetivo de obter uma informação, a mesma ação está sendo armazenada para todo o sempre em um ou vários bancos de dados sediados sabe-se lá onde, informando para outrem uma preferência minha (a sexual em particular), uma característica, um desejo, meu provável posicionamento político etc., e tudo isto para ser avaliado por um algoritmo a serviço de interesses futuros daquele tal “outrem”. Isto aconteceu só porque dei um clique no mouse!!!??? Muito menos que isso. Agora basta ser um vivente digital em alguma medida (ter um celular, um notebook etc.) para que sua, até recentemente, tão valiosa privacidade vá para as cucuias nos servidores na nuvem. Privacidade? Esquece, isto num futuro não tão longínquo vai ser considerado coisa da "pré-história digitrônica".
Como eceptores, estamos deixando de ser cidadãos como entendido até então. Cidadão deixa de ter um significado político, aquele que atua na sociedade como agente crítico e reivindicador de direitos, e passa a ser aquele que tem seus dados armazenados na nuvem. Se você acha que estou exagerando, lembro que agora, para o Estado, só existe quem ele pode enxergar, atingir através da tecnologia digital. O indivíduo que ainda vive no analógico simplesmente deixou de existir, ou virou “alma penada”, “walking dead”. É muito difícil e caro chegar até ele. Saber suas opiniões. Identificar suas necessidades. Políticas públicas agora são definidas a partir de uma estatística sobre o que é postado nas redes sociais: top 5, top 10, “likes”, “dislikes” e “trending topics”, cancelamentos e lacrações.
O poder, antes oligárquico, se tornou anárquico. Temos todos uma cota de poder, individual ou coletivamente. Quando postando, posso criticar qualquer um, sobre qualquer assunto, usando qualquer tom, ignorando as consequências do que e como o faço. Revestido de uma capa preta, posso determinar que alguém seja preso pelo simples motivo de que não gostei do que alguém disse sobre mim. Como Supremo, posso determinar que uma plataforma de rede social elimine mundialmente todo o conteúdo publicado por um desafeto “da minha instituição”. E se a plataforma se negar, ameaço-a com multas diárias e de impedi-la de atuar no país. Mas nem precisa do "Supremo". A própria plataforma digital pode se arvorar direitos de censura, bloqueio e eliminação , bastando que o CEO da ocasião (ou mesmo o PLH, Programador Lacrador da Hora) achar que fere suas susceptibilidades, de sua comunidade religiosa ou política, ou, até mesmo, interesses particulares. Ou, como fez o Whatsapp, simplesmente impedir que você compartilhe o que quer que seja com mais de 5 destinatários!!!
Como eceptores, podemos nos contrapor a qualquer opinião, de qualquer origem, com qualquer nível de intensidade e ênfase, a tudo e a todos instantaneamente. A opinião do especialista (em qualquer área do conhecimento) é contestada pelo leigo, ignorante, com a força de um “acho” ou da referência a um estudo fajuto qualquer que "alguém" postou no Facebook. E a opinião moderado passou a ser vista como sendo de um “passador de pano” e merecedor dos imediatos ataques raivosos de militantes, engajados ou simpatizantes. Isto sem nenhuma necessidade de aprofundamento de argumentos. Tudo é “resolvido” com uma dialética absolutamente superficial, rasteira e pobre de argumentos.
O lembrete de “você está sendo manipulado” tinha sentido na era analógica quando principalmente os governos utilizavam a “grande mídia” para manipular o voto e tentar direcionar a vontade popular para seus objetivos. Agora é apenas motivo de riso. Antes você ainda tinha a possibilidade de, ao ser lembrado, se esquivar, reagir, contestar, processar, etc. etc. etc. Todos esses direitos não existem mais. A prova é o inquérito sigiloso das “fake news” ou “inquérito do fim-do-mundo” conduzido pelo “sinistro” Alexandre de Moraes que mandou prender sem acusação, apreendeu instrumentos de trabalho, impediu acesso dos advogados aos autos, não dá satisfação a ninguém e, sem ficar vermelho, confronta a Constituição e todos os direitos consagrados e normatizados pelo arcabouço de nossas leis.
Ah! Você vai exclamar, mas agora nós temos acesso a muito mais informações, a muitas fontes de diferentes opiniões, e isto nos dá um poder que nunca tivemos. Correto. Só tem um pequeno detalhe. Ai de você se não se comportar direitinho.
Na próxima semana, adiciono a pandemia da COVID-19 e analiso este período intermediário ao qual vou me referir como a fase da pantrônica. Até lá.
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