A existência de uma ditadura
depende da ignorância da massa.
Ryszard Kapuscinski, jornalista polonês
Não tenho bola de cristal, não sou vidente, nem profeta do apocalipse. Vejo o presente, e com a vivência e mínimo conhecimento histórico, faço cá minhas deduções. O que percebo é um futuro que, se não for negro, se avizinha com contornos cinzentos.
O
FUTURO NAS REDES SOCIAIS
Uma tecnologia imaginada para ser libertadora é hoje uma ferramenta castradora do direito à livre manifestação de opinião, e manipuladora da “verdade” para atingir objetivos econômicos e políticos tanto de indivíduos quanto das oligarquias, independente das ideologias, dos regimes políticos e do nível de psicopatia de quem dela faz uso. A quantidade e a intensidade das arbitrariedades estão em plena escalada. De indivíduos postando nas redes sociais ataques grotescos a quem emite opinião divergente, a ministros da suprema corte criando um inquérito “das fake news” que só reprime aqueles alinhados com o presidente da república, passando pela absurda censura promovida pelas próprias plataformas motivadas pelo medo de possíveis ações de uma justiça que tem olhos bem abertos para a proteção de seu próprio umbigo. Como escalada não vai parar por aqui. Não me arvoro determinar como isso acabará, mas uma tendência só arrefece quando atinge um ponto tal de saturação que dá razão, incentivo e momento para uma tendência contrária se mostrar viável.
Para ilustrar a nuvem de confusão que paira nos neurônios de dirigentes ao redor do mundo, vejam o que vi. Ao acessar um conteúdo no site da Folha, me deparei com um banner com a seguinte mensagem: “Vamos combater as notícias falsas. Para vencermos isso juntos, o Whatsapp, 1, limita o compartilhamento de mensagens altamente encaminhadas, 2, mostra quando uma notícia é encaminhada, 3, limita o número de participantes nos grupos”. Aguarde para breve a ação 4, 5... Não existe lei, apenas o aplicativo só aceita que você se comporte do jeito que eles (dirigentes) querem. Releia prestando muita atenção! O que considerávamos ser uma questão técnica é reconhecido publicamente pela plataforma como ações que visam impedir ou limitar a liberdade de expressão e opinião. O motivo declarado é “combater as notícias falsas”!!! Afora o fato de “notícia falsa” ser sempre aquela que vai contra os interesses do julgador, independente de o fato abordado ser falso ou não, para a dita plataforma TODA notícia, ou melhor, TODA mensagem distribuída nela é falsa, bastando considerar que as restrições valem para TODAS as mensagens!!! (1)
SEGURANÇA NO USO DA TECNOLOGA DIGITRÔNICA
AINDA HÁ SENTIDO NO CONCEITO DE PRIVACIDADE?
Não creio. Sou mais por considerar que privacidade pertenceu ao mundo analógico quando palavras como discrição, recato, humildade, proteção da intimidade, eram valores aplaudidos e copiados. Se na segunda metade do século XX, o auge era ter seus 15 minutos de fama, o êxtase nesta primeira metade do XXI já é ter “seguidores” (meu neto me confessou ontem que já tem 5!!!). Isso à custa de expor boa parcela de sua intimidade, deixar a humildade para os fracos e exaltar seus feitos, por menos relevantes que sejam. Sempre haverá uns tantos para lhe dar umas bajuladas, umas escovadas no ego e uns necessários “likes”.
O
COMÉRCIO ELETRÔNICO
Enquanto o comércio eletrônico cresceu e ainda cresce na pantrônica, a parte da classe média oriunda do pequeno comércio está sendo dizimada. O hábito de comprar pela Rede é cada dia mais praticado. No futuro não será mais necessária uma pandemia para nos trancafiar em casa, vai ser uma opção voluntária. Tudo pelo whatsapp, transportado por Uber Eats, pago com Betoni e via Pix! Espelho meu, há um ser mais digital do que eu!?
AS
MÍDIAS TRADICIONAIS
Perderam seu poder. Num processo de negação pela morte anunciada, manipulam e distorcem os fatos numa tentativa desesperada de enganar uma audiência em declínio(2). O tempo encurtou para tudo. Não temos mais tempo/saco para ler e as revistas e os jornais impressos veem suas tiragens despencarem vertiginosamente (bancas fecham ou viram lojinha de bugigangas). Queremos informação rápida, mastigada, sintetizada, e isso é o que obtemos tanto nas redes sociais quanto nos canais do Youtube. A Netflix me entrega via Smart TV, filmes, séries e documentários muito superiores às “antigas” novelas da rede Goebles. Sair de casa pra quê? Correr o risco de ser assaltado por algum excluído da digitrônica? Tô fora!
O
HOME OFFICE
O espaço encurtou para os profissionais qualificados. Eles não precisam mais de salas, mesas, cadeiras, secretárias, contínuos, pois muito pode ser feito pelo computador no sofá de suas casas, ao som das arruaças das crianças e dos reclamos da mulher, quando as há. Quando não, fiquemos na companhia de uma obrigatória solidão tediosa. O home office, se não vai ficar do jeito e intensidade que está, veio para ficar. Se arrumar, pegar o buzão ou enfrentar um engarrafamento, andar uns quarteirões, dar alguns bons dias, trabalhar no convívio com os pares, chefes e subordinados, e “discutir o futebol”, será exclusividade dos menos qualificados.
ENSINO
Vou pular as questões "escola sem partido" e "ideologia de gênero" por imbecís de mais que são por si só. Atentemos apenas para o conteúdo curricular que já vem sendo questionado há muito tempo. Com a digitrônica, o ensino (abrangendo o professor, o aluno, o conteúdo e a disciplina) tal como até aqui, morreu, só ainda não contaram para o corpo docente, principalmente dos vinculados ao Estado, por causa do risco de uma rebelião por ameaça de perda de privilégios. Existem apenas duas matérias a serem aprendidas: língua pátria e posturas e cuidados no trato com a digitrônica. O resto, se aprende pesquisando, clicando e copiando quando a necessidade exigir.
DEMOCRACIA
EM CRISE INTESTINAL
A democracia analógica derrete enquanto nada é proposto como alternativa. Minorias se multiplicam por todos os lados ocupando os espaços que uma maioria desarticulada não encontra seu ponto de unificação. Estamos nos confrontando com uma sociedade do mimimi – a moda pós a do politicamente correto. Jovens de iPhone clamam por uma igualdade di direitos que significa reivindicar uma igualdade de privilégios sem custo, caídos do céu, ou vindos da “nuvem”, ou, em última instância, usurpado de quem ralou para conquista-la (3). Só não dizem quem paga a conta, pois imaginam que “vaca dá leite” (4). Em síntese, não há como a democracia, tal como estruturada até aqui, conseguir se sustentar sob o ataque da dinâmica da comunicação digitrônica.
Não
sei como será o futuro, mas não gosto de imaginar a evolução do que vejo neste
meu presente. Não por mim, que não estarei mais por aqui,
mas meu coração fica pequenininho quando penso nos filhos e netos de todos nós.
Deixo agora você com seus ícones, teclas e toques a pensar num futuro quase presente. De minha parte penso que não será abominável porque o ser humano é absolutamente resiliente, por esta característica é que eu e você existimos, mas temo, sinceramente, que não será admirável.
(1) Em Admirável Mundo Novo, há um diálogo em que o personagem Diretor afirma que o segredo para a felicidade e virtude dos cidadãos é “fazer as pessoas amarem o destino social do qual não podem escapar”.
(2) Sobre inversão de fatos lembro Bonner e Maju.
(3) “No final, tudo se resume ao mesmo objetivo: um grupo querendo viver à custa do outro; um grupo querendo confiscar a renda do outro; um grupo querendo tolher a liberdade do outro em prol de seus "direitos".” Lew Rockwell, é chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute.
(4) Assista este trecho de uma palestra do Mário Sérgio Cortella.
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