“Sabe, acho que não consigo
acreditar nisso tudo que está acontecendo agora.
Sei que está acontecendo
para valer, mas não acredito.
Fico achando que a loucura é o estado em que a pessoa não sabe o que é real e o que não é. Bem, o que é real agora é uma loucura, e, se eu aceitá-lo como real, perco o juízo, não é?”
Edie Willers, personagem de
Ayn Rand (*)
Em uma madrugada, provavelmente, de 1966, eu, com 17 anos, e dois amigos, sentados no interior do Aero Willis de meu pai, estacionado na garagem de casa, discordamos até o amanhecer sobre as “verdades” de nossas crenças e também sobre a falta de algumas delas. Considero aquela a última grande discussão sobre “visões” de mundo e de vida em que tenha me envolvido desde então, pois as poucas que ainda ocorreram foram insignificantes comparadas àquela, pois a partir dali incorporei como princípio imutável que ninguém convence ninguém do que quer que seja quando está em pauta um conflito de visões fundamentais, em especial, religião, política e futebol.
Aceitar a opinião de outro só é possível quando ela corrobora, comprova a minha “verdade”, ou quando ela não me pressiona a encarar eventuais contradições ou hipocrisias que ela possa conter. Concordar com uma visão contrária à minha, até então, é violar minha integridade moral, pois me obriga a abandonar uma convicção extraída das conclusões tiradas dos eventos e circunstâncias da minha vida até ali. Não é possível alguém se deixar convencer, portanto, porque essa admissão implicaria, necessariamente, a admissão de minha ignorância, ou credulidade, ou burrice, frente, normalmente, a uma plateia que me julgará negativamente dali em diante. Basicamente o erro crasso em um debate sobre visões divergentes, é o risco altíssimo de, em um ambiente sem privacidade, sem sigilo, sermos expostos ao ridículo, à vergonha, à chacota. Em tais circunstâncias elevamos a voz, usamos termos chulos e agressivos, nos retiramos tempestivamente do ambiente, ou, no extremo do desespero em manter nossa integridade, partimos para a agressão física. Discutir visões, definitivamente não é uma boa ideia.
Mas as pessoas mudam de opinião, reveem premissas, conceitos, conclusões, todos nós sabemos. Exemplos pipocam à nossa volta o tempo todo, até mesmo em depoimentos públicos de celebridades da vida artística, intelectual e política. Então, por que e quando mudam?
A reação à aceitação de uma opinião não é pela opinião em si, mas pelo contexto em que ela é proposta. Quando assisto uma entrevista ou crônica em um canal digital, por exemplo, e me é apresentada uma visão diferente e eu percebo nela uma visão melhor, ou mais realista, ou mais prática, ou mais óbvia, daquela que sustento, e por mais oposta que seja, estou em uma circunstância em que o diálogo, o debate, a discussão, se estabelece de meu eu comigo mesmo. Esta é a diferença. Não estou sob olhares julgadores, não estou sob a ameaça de ter minha visão achincalhada, posso simplesmente dizer a mim mesmo “é, isso me parece mais coerente, esse a quem assisto me mostrou um lado que ainda não havia percebido”, e ISSO faz toda a diferença. Numa outra perspectiva, temos a fala de um pai que tem que ser combatida, seja em razão do conflito de gerações, seja porque não “posso dar mole pra esse cara”, enquanto na sala de aula, onde o professor é o Mestre, uma “autoridade” que disserta, sem exigir o confronto, é muito mais fácil nos tornarmos “esponjas” para qualquer proposição, principalmente quando sabe-se que vale ponto na avaliação final.
Uma amiga, funcionária graduada de uma universidade federal, me conta que em conversa com um dos professores, revelou-lhe que fugia de qualquer discussão com simpatizantes do pensamento à esquerda do espectro político, pela impossibilidade de uma conversa construtiva. Em resposta, este professor reagiu com certa indignação dizendo que era “nossa” obrigação (os liberais, conservadores), não se eximir de tais embates sob pena de os deixarmos mais convictos de suas “insanidades”. Me causou feliz surpresa saber que ainda existem funcionários e professores em nossas universidades que não foram atingidos pela pandemia das “verdades” dos defensores da “nova ordem mundial” e que se enchem de pensamentos preventivos e certezas “sem comprovação científica”. Eu lhes dedico meu mais profundo respeito, mas estou com minha amiga e não abro. Ninguém, portanto, convence ninguém, pois a única possibilidade é o autoconvencimento.
Todo esse papo é uma introdução, uma preparação
para a próxima postagem quando vou mostrar a guerra em que estamos metidos e,
portanto, a inutilidade de perdermos tempo e energia imaginando que os
“hipócritas ungidos”, ou os loucos, ou os déspotas, ou os negacionistas, um dia
se disporão a uma conversa, a uma troca de ideias. Não o farão, porque negar e
atacar, não importa o que, é vital para a tomada do poder, sua única
possibilidade de sobrevivência.
(*) Reflexão
extraída do romance “A Revolta de Atlas”, pág. 593.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Dê sua opinião. Discorde, acrescente, aponte algum erro de informação. Participe deste blog.
ATENÇÃO: No Chrome, quando você insere comentário sem que tenha se logado no navegador, você aparece como usuário "Unknown".
Obrigado.