sexta-feira, fevereiro 18, 2022

OS SALVADORES TARDIOS DAS TRAGÉDIAS DA VIDA

 "Em toda a história, uma profusão de obras artísticas foi inspirada pelo mesmo tema: a dor causada pela perda de um ente amado; a sensação de fragilidade, de sermos vitimas de fatores muito acima de nosso controle; (...)."

Marcelo Gleiser, em "O Fim da Terra e do Céu"

A expressão popular “engenheiros de obra pronta” identifica gente que tem solução pra tudo depois que uma desgraça ocorre e que, pretensamente, teve origem em uma “obra” mal feita. Nestes dias pós “tromba d’água” em Petrópolis, identifico uma nova categoria associada às tragédias da natureza, os “Salvadores Tardios das tragédias da vida”.

 Tais “Salvadores” têm as mais esdrúxulas, estapafúrdias, absurdas, simplistas soluções para que um eventual futuro evento não cause semelhantes trágicas consequências. Pior ainda, é ter que ouvir que se suas soluções tardias tivessem sido adotadas “nada disso teria acontecido”.

 Introdução feita vamos aos fatos.

Petrópolis não é só uma cidade serrana. Há muitas delas pelo Brasil que estão “sobre” planaltos e não “entre” montanhas. Esta, sim, é a nossa realidade. A topografia daqui é constituída quase que exclusivamente de encostas, vales e rios. Não há áreas planas extensas. Melhor dizendo, praticamente não há áreas planas. Ou moramos à beira dos rios, ou no sopé das montanhas, ou no sopé e na beira dos rios (como a casa onde nasci e morei por 20 nos), ou na encosta. Erra grosseiramente quem pensa que só pobres e remediados vivem nas encostas. A estes desavisados apenas cito que no centro da cidade há um morro denominado “Morro dos Milionários”. Guarde isso, carioca da Barra.

Tive que ouvir um “Salvador” me dizer que a culpa é das pessoas que colocaram suas casas na encosta onde “no futuro” ocorreria uma enxurrada que levaria tudo que encontrasse pela frente!!!! (Não foi essa a expressão que usou, mas outra com o mesmo sentido.)

Os “salvadores tardios” dizem que tudo poderia ser evitado se as prefeituras tivessem impedido a ocupação das encostas! Só pelos pobres, claro! E tinham que ter construído conjuntos habitacionais! Só para os pobres, claro! Ok, sabichão. Agora me diga onde: no sopé das montanhas ou na beira dos rios; ou... É fácil e maleficamente prazeroso aproveitar para jogar pedras nos adversários e desafetos!!!

Tenho uma notícia não muito agradável para estes “Salvadores Tardios”: alguns prédios de conjuntos habitacionais construídos e que não desabaram (Alto da Serra, Corrêas, Nogueira, e talvez em outros bairros) já foram interditados graças à avaliação de risco de desabamento.

Há uma ideia de que tais eventos são previsíveis. Sim, se considerarmos que tudo é possível. Alguns até são prováveis: a erupção de um vulcão, mas só daqueles cujo histórico já é conhecido; uma tsunami, mas só depois de já termos aprendido que um terremoto nas profundezas do mar provoca ondas gigantes; um tornado ou um furacão em regiões propensas a tais eventos, etc. Mas para a absurda maioria dos eventos, sejam fracos, fortes ou extremos, não temos informação suficientemente confiável para uma razoável previsão. No caso da terça-feira, 15/2/22, o máximo que a Defesa Civil fez foi emitir um “Alerta de chuvas fortes”, como vim a saber de relato de um diretor da empresa de ônibus Única. Esse fato é para todos os “Salvadores” entenderem a imponderabilidade da natureza.

Além dos “Salvadores Tardios” existe ainda a categoria dos “Sabichões sem Responsa”. Eles têm crítica para qualquer ação das entidades civis e de governos. Não importa qual seja a ação, vai aparecer um “Sabichão” pra dizer que está errado o que estão fazendo ou que estão errando na definição do que é mais prioritário: vasculhar a lama e escombros na busca de sobreviventes; recolher cadáveres para identificação; desobstruir as ruas para a circulação de veículos; criar espaços para abrigar os desabrigados; criar pontos de coleta de mantimentos, água, roupas etc.; montar equipes para ajudar os desalojados a salvar algumas coisas se ainda for possível; e tantas e tantas outras prioridades. Curioso é que o “Sabichão” só abre a boca agora, mas não foi capaz de se apresentar antes para assumir a condução das políticas públicas!!!

Prezados “Salvadores”, em que país vocês pensam que estão? Vocês me parecem os expoentes do que chamo de completos “Desavisados”! Devo lembrá-los que o Brasil é um continente (alguém já disse isso!) que acreditam estar em desenvolvimento (tenho cá minhas dúvidas), uma população em sua maioria inculta e pobre, manipulada há décadas por políticos estatistas em proveito dos bolsos próprios! Não bastante, ainda há o exército de burrocratas distribuídos por autarquias reguladores de quase tudo (um dia eles atingirão a excelência). Um amigo me conta que houve (ainda há?) um impasse: graças às legislações de preservação de tudo, não estavam (estão?) podendo retirar a lama e tudo o mais porque não há lugar para onde transferi-la, pois os órgãos reguladores não permitem!!! É, eu sei, difícil de acreditar! Vamos assumir que é intriga da oposição.

É óbvio que há o que pode ser evitado ou amenizado por ações de precaução. Identificá-las é a tarefa de políticos e técnicos. Mas catástrofes, como acidentes, como mortes naturais de toda espécie continuarão a ocorrer sem aviso-prévio. É a tragédia da vida. Ou vamos transferir todas as cidades à beira mar para o alto da serra por precaução contra possíveis tsunamis? Ôps! Isso não!!!

Enquanto nos aproximamos de 200 mortos nestes 3 dias após as chuvas torrenciais de terça-feira, estamos contabilizando quase 3 mil mortos por COVID. Com o que devemos nos sensibilizar mais? Não há resposta, é questão de foro íntimo. Só sei que famílias levarão anos para se recuperarem das mortes trágicas e repentinas de familiares e amigos. Chefes de família, homens e mulheres, terão que encontrar meios de reconstruírem suas rendas e suas casas (a maioria delas era propriedade do morador e, portanto, ele não pagava aluguel). Paralelamente a cidade levará alguns anos para se reconstruir e ser novamente atrativa ao turismo, mas essa tarefa só se realizará através de seus cidadãos trabalhadores e empreendedores que estarão envolvidos na recuperação de suas atividades, quiçá de restabelecer a ordem em suas vidas.

Fica o meu desejo de que os acasos da vida sejam favoráveis aos petropolitanos nos próximos anos!


P.S.: Hoje (19/2), pela manhã, terminei a leitura de "O Fim da Terra e do Céu", de Marcelo Gleiser, escrito em 2001. Por um acaso feliz, o último parágrafo tem muito, ou tudo, a ver com o que foi exposto neste meu texto e, por isso, o reproduzo a seguir.

"Nós vimos como processos regenerativos ocorrem a partir de eventos destrutivos: asteroides caem sobre a Terra extinguindo várias espécies mas permitindo que outras evoluam; estrelas são criadas a partir dos restos de outras, em um ciclo de renovação que se perpetua de galáxia em galáxia; até mesmo o nosso Universo tem uma história, cujo começo ainda não conhecemos e cujo fim talvez jamais vamos conhecer. Esses processos de regeneração não são uma exclusividade celeste, mas ocorrem à nossa volta todos os dias. Cada árvore que tomba dá origem a muitas outras; cada vida humana semeia muitas outras. Nós somos seres complicados, imaturos, capazes das mais belas criações e dos crimes mais horrendos. Talvez, ao aprendermos mais sobre o mundo à nossa volta, sobre os vários ciclos de criação e destruição que acontecem continuamente nos Céus e na Terra, sejamos capazes de crescer um pouco mais, de enxergar além das nossas diferenças, e trabalhar juntos para a preservação do nosso planeta e da nossa espécie. O primeiro passo é simples: é só olhar para os lados, com respeito, curiosidade, humildade e admiração. E não temos sequer um minuto a perder."

2 comentários:

  1. Excelente texto. Completo com a informação de que o nível pluviométrico que ocorreu em 15/02/2022 foi o mais alto dos últimos 90 anos, desde 1923 quando aconteceu um desastre parecido com carros boiando no centro. E o "salvadores tardios" até hoje não resolveram os problemas do afetados em , pasmem, 2011.

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  2. É Neusa, falam muito, criticam muito, não fazem nada nem mesmo para amenizar os prejuízos.

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