Todo sistema,
qualquer sistema, um dia entra em colapso. Não há nada de extraordinário nisto.
É a vida em seu processo ciclotímico. Um vai-e-vem, um sobe-e-desce, um balanço
pendular, uma intensidade emocional. Nada é estático, tudo está sempre em
movimento. É a intensidade e direção dos ventos, é o movimento das marés e o
afasta e aproxima dos corpos celestes. Na órbita dos elétrons em torno do
núcleo, de repente um deles escapa, o sistema colapsa e um outro e diferente
átomo surge. O que era não é mais.
O sistema que
sustentou a democracia representativa colapsou. Somos lerdos em perceber
mudanças que não têm reflexo imediato no nosso dia-a-dia porque o horizonte de
nossa capacidade de visão é muito curto. Tendemos a enxergar muito pouco além
de nosso umbigo.
A democracia,
nos moldes sugeridos por Aristóteles (século IV a.C.) e pouquíssimo praticada, emergiu
no século XVIII por força da era industrial e das ideias de Montesquieu,
passando a ser praticada pelo mundo ocidental desde então. Os modelos parlamentarista,
presidencialista e populista (uma versão piorada do segundo), foram praticados
opcionalmente por algumas nações, e alternadamente por outras. Enquanto o
Estados Unidos é um exemplo da opção presidencialista desde sempre, o Brasil já
fez, depois da monarquia, experiências de república democrática com os três modelos.
Atualmente
estamos em uma disfarçada oligarquia de abrangência internacional. Cidadãos
fora do poder político constituem apenas massa de manobra para o conjunto de
cidadãos que, membros de um clube semi-fechado (tem sempre gente entrando e
saindo), sugam os recursos do Estado em único proveito próprio. Sem escrúpulos.
Sem remorso. O sistema é tão drasticamente perverso que apenas aqueles
partícipes da quota universal de psicopatas é que se propõe a fazer parte do
clube. Só àqueles que possuem o ferramental apropriado de desprezo pelo outro
serão bem-vistos, bem-aceitos e bem-sucedidos. Quem de nós está disposto a uma
odisséia rumo a, entre tantas, posições na estrutura de poder? Não há espaços,
obviamente, para bons samaritanos, bem intencionados e de espírito público. Sem
chance para não-psicopatas. Isto não vos pertence.
Isto tudo é
velho, nada de novo, pelo menos desde o início da era industrial, do aumento do
valor do dinheiro na vida diária presente e na expectativa da vida futura. A
democracia representativa foi elaborada num mundo razoavelmente estável de
Aristóteles a Montesquieu. Mudou quando o progresso científico sacudiu o século
XIX. Muda agora quando a velocidade dos avanços da tecnologia torna obsoleto o
que nem mesmo tivemos tempo de vivenciar. O novo é velho sem ter sido adulto.
Estamos em uma "corrida louca" sem saber se e quando acaba. Corremos.
Corremos. Corremos. Só isso.
Podemos coisas
que não podíamos há dias atrás. Podemos ser relevantes sem ter qualquer
relevância. Podemos mentir, fraudar, mascarar, agredir, punir, induzir, sem
sermos descobertos. Podemos molestar sem sermos molestados. Podemos ter e
proclamar nossas mais rasteiras opiniões como verdades universais. Podemos ser
radicais fundamentalistas sem ter a menor noção das consequências sobre os
outros. Que me importam os outros se eu me acho? Sem termos nos
informado, pesquisado, meditado, refletido, nos vemos como grandes filósofos
contemporâneos. E podemos distribuir tudo isso em rede, aos quatro backbones,
atingindo, tanto alvos específicos (desafetos, discordantes, políticos, chefes,
ex-parceiros), quanto um contingente sem rosto que transita virtualmente na
proximidade de nossa micro aldeia.
Neste novo
mundo em que dias de 24 horas não nos satisfazem, nos manifestamos em faces,
em blogs, em tuites, em zaps, e emitimos e curtimos conteúdos os mais egocêntricos.
Politicamente, e isto ainda não assimilado pelo Estado, tornamos obsoletas as
urnas de votação. De que servem elas, afinal, se a vontade da maioria está
expressa na conexão de banda? Larga ou estreita.
A praça onde o
povo se manifestava na Grécia antiga, a Ágora de Atenas, é aqui e agora. O jogo
já mudou, só ainda não sabemos quais são as novas regras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Dê sua opinião. Discorde, acrescente, aponte algum erro de informação. Participe deste blog.
ATENÇÃO: No Chrome, quando você insere comentário sem que tenha se logado no navegador, você aparece como usuário "Unknown".
Obrigado.